O avanço das petroleiras europeias e o recuo da Petrobras na transição energética

Ana Carolina Chaves, Rafael Rodrigues da Costa
O avanço das petroleiras europeias e o recuo da Petrobras na transição energética

Apesar de um cenário de incerteza, a transição energética dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis vai acontecer. Talvez não ocorra com a velocidade esperada hoje, ou o processo seja marcado por idas e vindas, pois se trata de uma complexa mudança da matriz energética de muitos países. E, ainda que as empresas petrolíferas, sobretudo as europeias, se apresentem com um discurso muito mais teórico do que prático, elas estão se movimentando, não estão displicentes no que se refere à transição. No Brasil, ao contrário, a Petrobras, está apostando todas as suas fichas na exploração e produção de petróleo e gás natural no pré-sal e se afastando das energias renováveis.

 

O avanço das petroleiras europeias e o recuo da Petrobras na transição energética

Ilustração: Ineep

Este quadro resume o pensamento dos pesquisadores do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Ana Carolina Chaves e Rafael Rodrigues da Costa, que na noite de terça-feira (20/04) participaram do webnário do Instituto sobre “Transição energética nas petroleiras: experiências na Europa e no Brasil”. A conversa baseou-se em estudo realizado pelo Ineep, do qual participaram, para o IndustriALL Global Union, organização que representa 50 milhões de trabalhadores em 140 países, e pesquisou as mudanças no mundo e como têm se refletindo no mercado de trabalho.

 

Chaves comentou:

É um processo irreversível. As empresas petroleiras europeias, apesar de investimentos ainda reduzidos na comparação com os realizados na atividades de petróleo e gás natural, e de não terem a questão ambiental como o grande motivador na transição, se posicionam para que no momento da mudança estejam em liderança.

 

Costa partilha deste pensamento. “Embora as empresas europeias estejam com investimentos massivamente concentrados na exploração e produção de petróleo e gás, não estão ausentes em outras fontes de energia, estão atentas ao mercado que virá. E querem estar bem posicionadas neste negócio”, acrescentou ele, com uma ressalva: “É importante lamentar o posicionamento da Petrobras, que um dia já foi vanguarda em renováveis e agora está dando um passo atrás. E isto terá consequências”, disse.

 

Ao longo do webnário, os pesquisadores analisaram, a partir do estudo do Ineep, as condições geográficas, financeiras, tecnológicas e políticas que levam os países e suas empresas a definirem suas políticas energéticas. Falaram das condições da Europa em termos de reservas de petróleo, apresentaram exemplos de movimentos de avanço de empresas europeias – British Petroleum (BP), Equinor, Shell e Total -, e destacaram o recuo da Petrobras.

 

Os movimentos das europeias

Segundo Costa, a década de 1970 foi importante para a transição energética, diante da grande crise de petróleo que fez com que governos e empresas atentassem para a necessidade das energias alternativas. A partir de 1980, a história das petroleiras europeias no universo das energias renováveis foi de idas e vindas, com maiores ou menores investimentos neste segmento, em parte em função dos preços do barril do petróleo, em parte pela presença e ausência de incentivos dos governos nacionais.

 

Mas foi a partir de 2015, informou ele, que as petroleiras da Europa começaram a se comprometer mais com a pauta dos renováveis e, além de outros movimentos, para o projeto de descarbonização de suas operações. De um lado, foram influenciadas pelo Acordo de Paris, o grande marco nas questões ambientais, e último movimento internacional para reduzir as emissões de gás carbônico na tentativa de diminuir o aquecimento global.

 

Com alguns exemplos, o pesquisador citou o movimento das petrolíferas europeias: Em 2015, a norueguesa Equinor fundou a sua subsidiária de novas fontes de energia, focando sobretudo na eólica offshore. No ano seguinte, em 2016, a Total, que já havia dado partida a alguns projetos de energia solar nos anos 1970, adquiriu startups de biomassa, eólica e armazenamento de lítio. Em 2017, a BP abriu frente para a aquisição de startup em energias renováveis, focando em biocombustíveis e energia solar. A Shell, por sua vez, criou a subsidiária de novas energias e, entre outros movimentos, adquiriu startups para armazenamento elétrico e comercialização de hidrogênio.

 

Na análise de Chaves e Costa, um fato é inquestionável: as petroleiras da Europa estão jogando em diferentes frentes, têm sofrido pressões pelos fundos verdes que apostam neste segmento, mas não deixam de investir em petróleo e gás natural. Aliás, segundo Chaves, há sinais no momento de que as empresas possam partir para o aumento da produção de gás natural, por considerarem que ele é uma energia de transição. Tanto que, segundo ela, há forte lobby na Comissão Europeia para mudar a definição de que seja energia renovável para investimentos, tentando incluir o gás natural como energia renovável para se beneficiar de incentivos fiscais.

 

O recuo da Petrobras

A análise dos pesquisadores do Ineep sobre as realizações nos campos das energias renováveis revela um quadro de retrocesso no Brasil, sobretudo pelo fato de o país ter um potencial significativo para estas fontes de energia. Entre o início do Proálcool dos anos 1970, fruto das crise do petróleo, quando o Brasil ficou muito dependente de importações, e os anos 1980 e 2000, período das descobertas de petróleo na Bacias de Campos e no pré-sal em águas ultraprofundas da Bacia de Santos, houve, segundo destacaram, movimentos da Petrobras e apostas em renováveis.

 

Como exemplo citaram a criação da Petrobras Biocombustíveis (PBio), subsidiária para a área de biocombustíveis; a compra da Açúcar Guarani, líder do mercado de etanol; a entrada no mercado das eólicas com o complexo de Mangue Seco, no Rio Grande do Norte. A partir de 2016, a estatal começou a sair destes negócios, vendendo seus ativos para focar nas exploração e produção no pré-sal.

 

Destacando para o fato de o Brasil, que saiu na frente em renováveis, estar andando para trás, Costa comentou:

É uma pena, pois em contrapartida a Petrobras começa a assinar acordo de cooperação e parcerias com as europeias Equinor e Total para instalar unidades eólicas em suas plataformas de petróleo offshore. Está perdendo a disputa porque não investiu e não quer investir em energia renovável.

 

Alguns destaques do webinário

  • A transição energética de um país é determinada por três variáveis: características geográficas: condições financeiras e tecnológicas; e geopolítica. A Europa tem problemas em relação a sua autossuficiência em petróleo, o que levou-a a explorá-lo em outras regiões e a se destacar nas fontes renováveis.
  • O petróleo é o principal produto energético consumido no mundo. Não é possível falar em transição energética sem passar pelo petróleo.
  • O grande desafio é aderir à transição energética, ou seja ao fim do petróleo, quando há descobertas em grandes volumes como de areias betuminosas, no Canadá; shale gas, nos Estados Unidos; e petróleo do pré-sal no Brasil, entre outros.
  • Na Europa, o que acontece neste momento é a escassez do petróleo, com as reservas do Reino Unido e da Noruega chegando ao seu limite. Além do aumento da politização em torno da questão climática.
  • Um país sem autossuficiência energética fica cada vez mais refém de outros países, com sua soberania limitada.
  • Se não há reserva de petróleo em abundância em um país, mas se há um clamor para descarbonização da economia, é necessário buscar novas fontes de energia limpa, e que se torne barata e acessível.
  • A retomada de pesquisas para uso do hidrogênio na descarbonizarção está em pauta ema alguns países, com destaque para a Alemanha. O Brasil também tem estudos neste sentido.

 

Assista na íntegra o programa

 

Comunicação Ineep

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