As petrolíferas europeias têm uma visão muito mais ambiciosa para os renováveis do que a Petrobras

Ana Carolina Chaves
CartaCapital
Imagem na cor azul escuro, com o logotipo do Ineep ao centro.

Nos últimos anos, a Petrobras deu início a um intenso processo de desinvestimento e venda de alguns de seus principais ativos na área de midstream e downstream. Desta forma, a estatal busca reduzir dívidas e se concentrar nas atividades de exploração e produção em águas profundas, principalmente nas reservas de pré-sal localizadas no Rio de Janeiro e São Paulo, na Região Sudeste.

 

Recentemente, o movimento ganhou especial impulso. Desde janeiro deste ano, a Petrobras anunciou a venda de sua participação majoritária na usina eólica de Mangue Seco II ao fundo de investimento FIP Pirineus por R$ 32,97 milhões. Além do setor de energias renováveis, o Plano Estratégico 2021-2025 prevê a saída da Petrobras dos segmentos de transporte e distribuição de gás natural, assim como ativos de infraestrutura de processamento e refino.

 

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A usina eólica de Mangue Seco II possui capacidade de 26 MW e fica localizada no município de Guamaré, no Rio Grande do Norte. A usina integra o Complexo de Mangue Seco, composto por um total de quatro usinas eólicas com capacidade instalada total de 104 MW. A negociação envolveu a venda de 51% da participação da Petrobras no parque eólico para a FIP Pirineus, que já era sócia da estatal, detendo 49% de participação na usina eólica de Mangue Seco II.

 

Para as demais usinas eólicas do Complexo de Mangue Seco, a Petrobras também anunciou contratos de venda assinados com empresas geridas pela Vinci Partners. No início deste mês, a Petrobras concluiu a venda de sua participação de 49% da usina eólica Mangue Seco I por R$ 44 milhões para V2I Energia, investida da Vinci Infraestrutura Gestora de Recursos.

 

Com a conclusão desta etapa do processo de venda de ativos, pode-se dizer que a Petrobras encerra sua participação em parques eólicos e seu processo gradual de desinvestimento no segmento de geração de energia limpa. Apesar disso, a estatal aponta o interesse de manter estudos e projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no segmento de energias renováveis, possivelmente, na busca por medidas e ações de mitigação e redução dos impactos da energia fóssil.

 

Para justificar sua atuação tímida em renováveis, o último presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, dizia que havia muito mais discurso do que ações efetivas das petrolíferas na indústria de renovável. Castello Branco disse em entrevista, no final de 2019:

Tem gente que anuncia ser comprometido com energias melhores e tal, mas se formos ver as companhias europeias que focam no negócio de energia renováveis, a projeção da participação em suas receitas em 2030 é de 1%, no máximo 1,5%. Na prática, não é tudo isso.

 

Essa visão do presidente está calcada no que as petrolíferas fizeram até aqui, mas desconsidera os projetos futuros para o setor de renováveis. As companhias de petróleo da Europa, principalmente por meio da aquisição de start-ups e financiamento de novos projetos em renováveis, demonstram a pretensão de elevar significativamente a participação dos renováveis nos seus investimentos.

 

Algumas empresas têm sido até mais agressivas e avançado em projetos operacionais próprios na indústria de renováveis. A francesa Total anunciou que, em 2021, deve iniciar a operação da sua primeira usina solar de larga escala, localizada no Catar, capaz de produzir de 800MW a um investimento de US$ 500 milhões, de acordo com matéria da Power Technology.
Dados sistematizados pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a partir das informações das petrolíferas, apontam que a Total pretende investir 15% em renováveis e a anglo-holandesa Shell um pouco menos de 10% nos próximos anos. As duas empresas, entre 2010 e 2018, investiram, respectivamente, 4,3% e 1,3% nesse setor.

 

Apesar de possuírem trajetórias e estratégias distintas, as empresas europeias também têm dedicado grandes esforços para a descarbonização de suas atividades, visando adequá-las às condições de uma economia verde e de alcance das metas de zero emissões líquidas de carbono até 2050. Neste sentido, o planejamento estratégico destas empresas vem adotando como prioridade as energias renováveis e o aumento da segurança e eficiência energética.

 

As motivações destas empresas não se mostram apenas sob a perspectiva ambiental. Existe, cada vez mais, uma preocupação com o alinhamento de interesses de algumas instituições financiadoras e fundos de investimento verde, além do surgimento de novas tecnologias. Desta forma, empresas como a britânica BP e a norueguesa Equinor vêm aumentando investimentos em energias renováveis.

 

Todavia, apesar dos investimentos no segmento de renováveis, os planos estratégicos destas empresas europeias também apontam para a manutenção de esforços na exploração dos combustíveis fósseis. Observa-se que, atualmente, os investimentos em renováveis ainda são muito reduzidos frente aos direcionados para o setor de petróleo e gás. Mesmo assim, as promessas dessas companhias na atuação em renováveis são muito mais ambiciosas se comparadas às da estatal brasileira.

 

Portanto, até o momento, a Petrobras caminha em direção oposta às grandes empresas petrolíferas europeias, saindo de um escopo de atuação mais amplo na área de energia para se voltar unicamente à exploração e produção de combustíveis fósseis. Neste ponto, chama-se atenção aos riscos que envolvem a retirada da Petrobras de atividades estratégicas para a economia nacional, que passa ser ditada pelos interesses da atuação de empresas multinacionais privadas, distantes das reais necessidades de planejamento e desenvolvimento nacional.

 


 

 

Artigo publicado originalmente no CartaCapital.

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