Fim do contrato de partilha pode gerar prejuízo aos cofres públicos

Carla Borges Ferreira
CartaCapital
Fim do contrato de partilha pode gerar prejuízo aos cofres públicos

Propostas de alterações no regime de exploração do pré-sal, cujos impactos são incertos, podem significar perdas bilionárias para os orçamentos da União, dos estados e dos municípios. Os projetos, via de regra, têm como objetivo diminuir o papel do Estado na apropriação da renda petrolífera.

 

Fim do contrato de partilha pode gerar prejuízo aos cofres públicos

Foto: Elise Aldram / Pixabay.

Em comum, esse conjunto de propostas, com argumento de criação de ambiente de negócios mais competitivo ou de maior incentivo ao investimento privado, pretende restringir a atuação da Petrobras no pré-sal, ao ampliar a atuação de companhias privadas ou estatais estrangeiras e, ao mesmo tempo, o que implica na redução das participações governamentais devidas pelos concessionários ao Estado.

 

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Um dos exemplos é a tramitação do Projeto de Lei nº 5.007/2020 (e seus apensados), que pretende estabelecer o regime de concessão e eliminar o direito de preferência da Petrobras no polígono do pré-sal. O mote da defesa da proposta é de que alterações neste sentido trazem maior eficiência e simplificação dos contratos, sem que implique em prejuízos “financeiros” para o Estado.

 

Até a descoberta do pré-sal, a exploração e produção no Brasil eram regidas pelos contratos de concessão. Em 2010, foi regulamentada uma nova forma de contrato, o de partilha.

 

Em relação às participações governamentais, no contrato de concessão, são devidos royalties sobre a produção (com alíquotas que variam de 5% a 10%) e participações especiais (com alíquotas que variam de isento a 40%), estas pagas extraordinariamente nos casos de campos com grande volume de produção ou alta rentabilidade.

 

Já na partilha estabeleceu-se uma alíquota fixa de royalties de 15% e o pagamento de óleo lucro à União. Essas alterações do contrato de partilha permitem que o Estado maximize a apropriação da renda sobre a exploração, a depender da área ofertada.

 

Diante disso, cabe avaliar os possíveis impactos relacionados ao projeto em questão, atentando especificamente para as mudanças no pagamento das participações governamentais relacionadas a cada tipo de contrato. Para a elaboração da estimativa, utilizou-se, como exemplo, a produção de petróleo do campo de Mero, situado na província do pré-sal sob o contrato de partilha de Libra – o primeiro leiloado neste modelo exploratório.

 

O campo de Mero, descoberto em 2010, iniciou sua produção em 2017. Em março de 2022, gerou uma produção de petróleo de 46.323 barris por dia. Já em maio de 2022 (último dado disponível), a produção aumentou significativamente e atingiu 68.799 barris por dia, o que fez com que o campo passasse à sétima posição entre os maiores produtores de petróleo do pré-sal, representando 4% da produção da área.

 

Considerando a produção média de Mero no primeiro trimestre de 2022, o preço médio do barril extraído do campo, assim como os custos de extração e as receitas geradas pelo petróleo, elaborou-se a estimativa de impacto nas receitas de participações governamentais, caso o regime de exploração do campo tivesse sido, no mesmo período, de concessão e não de partilha.

 

Para tanto, os parâmetros considerados para partilha foram de royalties de 15% e o excedente de óleo lucro gerado de 41,65%, que foi o valor ofertado pelo consórcio vencedor da licitação de Libra em 2013. Já para concessão, royalties de 10% (alíquota máxima aplicada) e participação especial de 21,81%, referenciada pela alíquota média do campo Marlim Sul (Bacia de Campos) nos últimos dez anos, tendo em vista ser importante ter em conta as variações futuras de redução da produção e volatilidade do preço do barril de petróleo.

 

Tabela 1. Estimativa de Participação Governamental do Campo de Mero nos Regimes de Partilha e Concessão – 1º trimestre de 2022.

Fim do contrato de partilha pode gerar prejuízo aos cofres públicos

Fonte: ANP, Petrobras, PPSA. Elaboração Ineep.

 

Conclui-se, então, que se perderia de receita, apenas para o campo de Mero, mais de 1 bilhão de reais por ano, ou uma redução de quase 30% em relação ao arrecadado no regime de partilha.

 

Assim, diferente dos argumentos de que medidas nesse sentido não implicariam em impactos fiscais ou perdas para o Estado, observa-se que os efeitos de tal mudança podem afetar as contas públicas, ocasionando em transferência de recursos públicos para apropriação pelo setor privado e/ou estrangeiro.

 

Por isso, por trás do debate de maior concorrência para o setor, a mudança dos regimes exploratórios discute o tamanho da participação do Estado na apropriação da renda petrolífera e no controle da produção. Como tem sido a tônica do atual governo, a tentativa é de reduzir o papel do Estado e da sociedade brasileira, privatizando uma riqueza fundamental para o desenvolvimento do País.

 


 

 

Artigo publicado originalmente na CartaCapital.

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