O curioso caso da refinaria que não refina

Luiz Fernando Ferreira
Poder360
Vista aérea da REAM (antiga Refinaria Isaac Sabbá - REMAN). Foto: Agência Petrobras.

O Brasil é carente na avaliação de políticas públicas. Na área de política energética, essa constatação não é diferente. No ano de 2022, a REAM (antiga Refinaria Isaac Sabbá – REMAN) saiu do controle da estatal Petrobras e passou a ser controlada pelo setor privado.

 

Vista aérea da REAM (antiga Refinaria Isaac Sabbá - REMAN). Foto: Agência Petrobras.

Além de não terem aumentado os investimentos na área de refino da região, o novo operador aumentou a sua importação de derivados com o objetivo declarado de “encurtar a cadeia logística ”. (Na imagem, a Refinaria do Amazonas – REAM. Foto: Agência Petrobras).

 

No caso do setor de derivados de petróleo, ao menos um critério deve ser observado a fim de avaliar os impactos do resultado dessa mudança: o aumento da disponibilidade de derivados e seu comportamento na região onde a refinaria está inserida. Este breve artigo tem por objetivo analisar os impactos dessa opção de política pública.

 

A REAM está localizada em Manaus, no Estado do Amazonas, que tem historicamente uma participação relevante no fornecimento de derivados de petróleo da região Norte do país. Entre os anos de 2018 e 2022, o Amazonas representou 17,0% do consumo total de derivados da região Norte, com proporções variadas entre os diferentes tipos desses produtos.

 

Gráfico do consumo de derivados no Amazonas entre 2018 e 2022 (em porcentagem).

 

Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), entre os anos de 2018 e 2022, o processamento de petróleo médio na REAM foi 3.029 barris de petróleo diários (bpd) com predominância para a utilização de óleo nacional.

 

Uma pequena quantidade de óleo importado e de outras cargas, tais como resíduo de terminal, foram utilizadas no período.

 

Gráfico da carga média processada na REAM entre 2018 e 2022 (em barris de petróleo por dia).

 

Com essa composição de cargas e a integração vertical da refinaria, o Estado do Amazonas se beneficiava da estrutura de refino da REAM com uma oferta que, em parte, supria as necessidades locais.

 

Segundo dados da ANP, a gasolina A no período teve um pequeno excesso de produção em relação ao consumo no estado do Amazonas, bem como o querosene de aviação. Já o óleo combustível teve uma expressiva produção em relação ao consumo local permitindo a utilização do excedente como meio de troca para a demanda da região Norte.

 

Imagem retangular com fundo branco e bordas azuis; o texto chama o público a se inscrever na lista de transmissão do Ineep no WhatsApp.

 

De outro lado, em linha com o observado no cenário nacional, a demanda de óleo diesel não é totalmente suprida pela refinaria em questão, que forneceu, no período, cerca de 49% da demanda do estado amazonense. Outro energético de primeira necessidade, o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) é parcialmente suprido pela estrutura de industrial local, atendendo cerca de 23% da demanda estadual.

 

O gráfico a seguir apresenta a relação entre o consumo total de derivados de interesse e a produção da REAM.

 

Gráfico da dinâmica de consumo e produção de derivados no Estado do Amazonas entre 2018 e 2022 (em metros cúbicos).

 

Nesse breve diagnóstico da inserção regional da REAM, observa-se que, para atingir o objetivo de reduzir a dependência externa de derivados, é crucial, em primeiro lugar, ampliar a capacidade instalada da unidade e aumentar os investimentos para elevar a complexidade das unidades de refino[1].

 

Com um cenário tão favorável a uma estratégia de ampliação de investimentos – inclusive no sentido de buscar aderência ao acordo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e do Conselho Nacional de Política Energética –, a expectativa era que, após a transferência de propriedade, a refinaria buscasse capturar esse espaço e, de alguma forma, contribuísse para um aumento na disponibilidade de derivados, ainda que com características de monopólio regional.

 

Entretanto, a avaliação dos resultados de tal processo de alienação mostra que, além de não terem aumentado os investimentos na área de refino da região, o novo operador aumentou a sua importação de derivados com o objetivo declarado de “encurtar a cadeia logística[2]”.

 

Os dados públicos da ANP, porém, são conflitantes com aqueles divulgados pela REAM. Em uma análise comparativa entre os anos de 2022 e 2023, é possível observar que a utilização do refino caiu 62%, saindo de um volume processado de 1,7 milhões de m³ em 2022 para o valor de 673 mil m³ em 2023.

 

Os relatórios internos da empresa, por outro lado, apontam para uma crescente utilização da instalação industrial no ano de 2023, passando de 58% de fator de utilização (FUT) para 71%. Os atores envolvidos, ANP e REAM, precisam esclarecer sobre os dados de processamento para que a política pública possa ser avaliada precisamente.

 

Em meio aos esforços de reindustrialização e transformação da estrutura produtiva nacional e local, é preocupante que, entre junho e dezembro de 2023, segundo dados da ANP[3], não tenha ocorrido qualquer produção de derivados na REAM, agora controlada pelo grupo ATEM.

 

Na hipótese de a produção ter sido interrompida – há uma divergência de dados -, o consumo e as vendas de derivados no Estado do Amazonas seguiram no mesmo patamar entre 2022 e 2023. No entanto, não houve notícias de desabastecimento de derivados na região. Ou seja, o que deveria ser uma estrutura de refino com forte potencial para agregar valor ao petróleo produzido na região, seria um caso de uma refinaria que não refina e se transformou em uma estrutura de apoio logístico.

 

Gráfico da comparação no consumo de derivados no Estado do amazonas entre 2022 e 2023 (em metros cúbicos).

 

Em síntese, o caso do refino no Estado do Amazonas mostra a importância de estabelecer objetivos claros para as políticas públicas e de mantê-las sob avaliação constante, especialmente em um setor tão estratégico como o de energia.

 

 

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A transferência da propriedade de uma empresa estatal, a Petrobras, para um operador privado não foi capaz de aumentar a oferta local de derivados para o Estado do Amazonas, ao contrário, tornou a região mais vulnerável aos preços internacionais e ao monopólio privado, uma vez que toda a estrutura logística foi transferida para o comprador da REAM.

 

Deveria estar na agenda de todos os que se preocupam com o Brasil avaliar se uma refinaria está produzindo derivados em níveis adequados ou se se tornou apenas uma estrutura de apoio logístico.

 

 

Notas

 

[1] Magda Chambriard, ex-diretora da ANP, analisa estes dois fatores em recente estudo: <https://editorabrasilenergia.com.br/ampliacao-do-parque-de-refino-por-que/>

 

[2] A companhia e suas operações: 82cbb107-37c6-00f1-a5ff-4ca88bdcb91f (mziq.com)

 

[3] Os dados de processamento petróleo foram consultados em 10/03/2024 (atualizados em 01/03/2024) em https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/dados-abertos/arquivos/pppd/processamento-petroleo-m3-1990-2024.csv e os dados de produção de derivados foram consultados em 10/03/2024 (atualizados em 01/03/2024) em https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/dados-abertos/arquivos/pppd/producao-derivados-petroleo-por-refinaria-m3-1990-2024.csv

 

 

Artigo publicado originalmente no Poder360.

 


 

Em nota encaminhada hoje (5/04) ao Ineep, a Ream fez os seguintes esclarecimentos:  

 

“A Ream informa que suas operações de refino estão ocorrendo normalmente. Os dados sobre as operações do segundo semestre de 2023 foram enviados dentro do prazo estabelecido pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

 

No entanto, a agência solicitou a revisão de parte das informações e, até que isso seja concluído, o sistema está bloqueado para o envio de relatórios dos meses subsequentes. A Ream aguarda a validação dos dados e a devida publicação pela ANP.”

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