Transição energética no pós-pandemia

William Nozaki
Valor

Foto: Pixabay.

O coronavírus criou uma crise global sem precedentes: o setor de energia tem sido afetado intensamente com o desaquecimento das atividades econômicas e com a redução dos fluxos de comércio, transporte e pessoas. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), os países em isolamento social integral têm sofrido um declínio de 25% na demanda de energia, enquanto os países em situação de distanciamento social parcial têm tido uma queda de cerca de 18% no consumo energético. O efeito colateral positivo é que as projeções indicam uma redução de 8% nas emissões globais de CO2.

 

A recuperação econômica lenta e progressiva pode colocar a eletricidade gerada a partir de fontes de baixo carbono à frente do carvão em todo o mundo. Em 2020, enquanto a geração de energia renovável pode crescer 40%, a geração de energia por carvão deve diminuir 10%. As energias renováveis podem atingir os níveis mais altos de produção e distribuição, com destaque para a eólica e a solar, que tiveram inúmeros projetos iniciados nos últimos anos.

 

O papel das “majors” petroleiras é fundamental nesse processo. Embora os hidrocarbonetos sejam responsáveis por parte relevante das emissões de gases do efeito estufa, a indústria de petróleo é uma das que mais investe em fontes de energia limpa, além de ser grande produtora de gás natural, recurso fundamental para a transição energética, dado seu menor potencial poluente quando comparado ao do petróleo.

 

Uma nova matriz energética global é cada vez mais desejável, mas, sem considerar o papel estratégico das petroleiras nessa trajetória esse percurso se torna inexequível. Daí a importância de se acompanhar os desdobramentos dessa agenda no setor dos hidrocarbonetos, onde os sinais de mudança começam a aparecer, mas ainda com ambivalências.

 

Em maio, um conjunto de CEOs da indústria de óleo e gás assinaram uma carta aberta apoiando a Iniciativa Climática do Setor de Óleo e Gás (OGCI), comprometendo-se a acelerar os esforços para a redução na emissão de CO2, investir em inovações de baixo carbono e apoiar as políticas governamentais de transição energética. Nesse mesmo mês, entretanto, o avanço da crise indicou uma redução de 20% dos investimentos do setor de energia – cerca de US$ 400 bilhões deixarão de ser gastos.

 

A indústria petrolífera, sozinha, responde pela queda de 60% desse montante, de modo que se espera que o investimento contínuo em projetos de energias renováveis também diminua este ano, cerca de 10%. O que evidencia como esse ambiente tem levado a desdobramentos ainda incertos.

 

Dada a queda histórica no preço do barril de petróleo, as empresas do setor passaram a adotar planos de resiliência e ajustes financeiros e operacionais. Os países com empresas especializadas passaram a sofrer mais intensamente com a redução na demanda por QAV, óleo diesel e gasolina provocada pela pandemia, e essas empresas provavelmente terão menores condições de se somar ao esforço global pelo desenvolvimento energético sustentável.

 

Já os países com empresas verticalizadas têm podido aproveitar melhor algumas oportunidades abertas nos segmentos de gás, petroquímicos e bunker oil, comparativamente menos impactados pela crise; essas empresas, por seu turno, poderão potencialmente disputar um papel central mesmo em um mundo póspetrolífero.

 

Vale notar que nenhuma dessas movimentações tem relação com a suposta escassez geológica do petróleo medida pela imprecisa curva do peak oil, mas sim com oportunidades econômicas.

 

Além disso, merece atenção a movimentação de fundos soberanos e outros investidores institucionais do setor petrolífero. Nos últimos meses, o Fundo Soberano Norueguês anunciou sua retirada do segmento de energias fósseis e a ampliação de investimentos em energias limpas; o Fundo Soberano da Arábia Saudita (FIP) e o Fundo Soberano dos Emirados Árabes (Mubadala) aumentaram sua fatia acionária em empresas de carros híbridos e elétricos, como a Lucid Motors e a Tesla. A presença de fundos soberanos e de arcabouços estatais mais sólidos coloca os países que dispõe desse tipo de instrumento na dianteira da transição energética.

 

Mais ainda, em algumas empresas a pressão pela governança verde é crescente entre acionistas.

 

É importante destacar, no entanto, que, embora a oferta de automóveis alternativos aos hidrocarbonetos esteja crescendo aceleradamente, ela corresponde ainda a menos de 5% da venda de veículos nos EUA e na China.

 

Há muitas indefinições sobre a velocidade do processo de substituição. E como a velocidade de abastecimento desse tipo de veículo é mais lenta, ela tende a diminuir as margens do varejo e a desincentivar investimentos em redes de distribuição, e exatamente por isso esse movimento tem menos relação com avanços tecnológicos e mais com desafios econômicos.

 

Em suma, as incertezas sobre a transição energética ainda são muitas e dependem também de como irão se transformar os padrões de produção, circulação e consumo na economia de mercado pós-covid- 19. Mas, nesse cenário, reforça-se a importância da defesa da segurança energética nacional, a centralidade das energias limpas nos planos de recuperação e estímulo econômico dos países e o papel central das indústrias petrolíferas nessa agenda para os próximos anos.

 

#WilliamNozaki

 

Artigo originalmente publicado em Valor.

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