Segurança energética em Israel e o caso brasileiro

Rodrigo Leão
Carta Capital

Ao contrário do nosso caso, os israelenses atuam pela independência no fornecimento

Desde a sua fundação, em 1948, Israel enfrentou grandes dificuldades para garantir sua segurança e soberania energética. O país do Oriente Médio sempre teve relações turbulentas com seus vizinhos, limitando em diferentes momentos da história a sua capacidade de estabilizar o fornecimento seguro de fontes de energia.

O embargo realizado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo em 1973, que não apenas cortou volume de gigantescos de produção de óleo e gás, mas realizou um amplo boicote aos países “pró-Israel” dificultou a acesso dos israelenses às fontes energéticas de outros países, principalmente dos árabes.

Esse quadro de tensão permaneceu ao longo das décadas envolvendo não apenas países árabes, mas outras regiões como a Turquia.

As dificuldades de ordem geopolítica associadas à escassez de fontes internas de energia caracterizaram os israelenses até o começo do século XXI.

Por isso, historicamente, os governos que passaram por Israel, sejam de viés trabalhista ou conservador, tiveram como um dos objetivos da sua política energética superar o isolamento geopolítico e a dependência das importações de insumos, principalmente carvão e petróleo.

Como consequência desse processo, foram descobertos os gigantescos campos de gás natural offshore de Tamar e Levianthan – este último considerado a maior em águas profundas no século XXI – que abriu a possibilidade de independência energética para Israel.

Mercado interno de gás natural

A produção do primeiro campo, realizado em parceria pela Noble Energy, com sede em Houston, e a israelense Delek Group, conseguiu levar gás natural ao mercado interno em 2013, provendo atualmente cerca de metade da demanda de Israel.

Quando o campo de Levianthan entrar em operação nos próximos anos, a própria produção de gás nacional poderia atender o consumo interno e gerar um excedente para exportações.

Além desse aspecto, o professor da Ariel University, Erez Cohen, mostrou a possibilidade de ocorrer um processo de sinergia favorável à economia e às relações exteriores de Israel em razão da descoberta do gás.

Entre estes, o professor Cohen destacou que “a indústria de gás natural poderia liderar o desenvolvimento de empresas de serviços e intensivas em produtos high tech, a partir de uma profunda relação entre as operadoras de gás natural e empresas nacionais de alta tecnologia”.

Não por o acaso, o país tem enfrentado discussões de mudanças regulatórias tanto para quebrar o monopólio da Noble e da Derek na exploração quanto para garantir o uso interno do gás natural.

De acordo com o pesquisador da Universidade de Jamia da Índia, Sujata Ashwarya, a nova regulação aprovada pelo Comitê Anti-Truste de Israel, em meados desta década, obrigou que as empresas Derek e Noble vendessem participações na concessão do campo de Tamar e que as compradoras fossem obrigadas a abastecer o mercado israelense.

Além disso, foi imposta às concessionárias dos campos de Tamar e Levianthan a realização de investimento de, ao menos, 500 milhões de dólares nos próximos oito anos, em P&D e bens e serviços nacionais.

No campo das relações exteriores, além da perspectiva de maior estabilidade com os seus vizinhos, Israel assinou um acordo de cooperação com os EUA a fim de estabelecer um centro de energia que, entre outros pontos, visa desenvolver tecnologias inovadoras para energia fóssil.

Energia solar

Outra consequência da política energética israelense foi o acelerado desenvolvimento de energia solar, principalmente na região do Deserto de Negev.

A diretriz governamental de aumentar a participação de renováveis na matriz energética (a meta é de alcançar 17% até 2030) impulsionou um conjunto de políticas a fim de alcançar tal objetivo.

Em 2008, o governo concedeu benefícios fiscais, garantias de investimento e facilitações burocráticas para a instalação de sistemas fotovoltaicos.

No mesmo ano, constituiu-se um plano quinquenal de promoção de renováveis, no qual uma das principais medidas foi a montagem de um fundo de investimento para institutos de pesquisa.

Com isso, foi criado um centro de pesquisa focado em P&D para energia renováveis no deserto de Negev.

Como efeito, Israel construiu a maior torre solar, na usina de Ashlim, capaz de fornecer energia a mais de 125 mil casas.

Esse empreendimento, gerido pela norte-americana GE com apoio do fundo israelense Noy, é parte de um projeto mais amplo que visa gerar cerca de 2% de toda energia elétrica consumida em Israel.

Ao considerar a implementação de todos os projetos de instalação de painéis fotovoltaicos em curso no país, a energia solar poderia representar até 25% de todo o consumo elétrico israelense no médio prazo.

Segundo o pesquisador da Society for the Protection of Nature in Israel (SPNI), Dror Boymel, a expectativa seria adicionar ao fornecimento solar mais 40 mil residências por ano.

Em uma região cercada de tensões geopolíticas e dificuldades naturais, Israel adota, ao longo dos anos, uma política persistente de segurança energética a fim de diversificar o fornecimento, tornar sua matriz mais limpa e, principalmente, reduzir a dependência estrangeira. Isso tudo, ao que parece, ainda deve ser articulado ao desenvolvimento tecnológico local.

No caso brasileiro, ao contrário, deve-se continuar a percorrer o caminho oposto. Nossas grandes potencialidades energéticas tendem gradualmente a atender aos interesses de outros países e dialogar, cada vez menos, aos objetivos nacionais.

A liberalização do marco regulatório (que pode ser aprofundada a depender do resultado eleitoral) e a recente desintegração da Petrobras mostram que a maldição dos recursos naturais não é apenas um fenômeno econômico, mas principalmente político.


Artigo publicado no portal Carta Capital.

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