Nova lei do gás pode facilitar, mas não garante o choque de energia

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
Nova lei do gás pode facilitar, mas não garante o choque de energia

A aprovação da nova lei do gás veio acompanhada de uma certa euforia sobre a possibilidade de uma expansão significativa dos investimentos na indústria de gás natural. A mudança na regulação de acesso e construção de gasodutos motivaria uma expansão em outros elos da indústria de gás natural.

 

Nova lei do gás pode facilitar, mas não garante o choque de energia

Em 2012, construção do gasoduto do Terminal de regaseificação da Bahia (GNL – TRBahia). Foto: Divulgação. (Licença de imagem: CC BY-NC-SA 2.0)

Simultaneamente a esse processo, estão em andamento obras de diversos terminais de liquefeito de gás natural (LGN) a fim de facilitar as importações de gás natural na forma líquida de outros países.

 

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Embora importante, a possibilidade de aumento da oferta e de novos atores no transporte do gás natural não garante um incremento automático da demanda por gás natural. A limitação do uso do gás natural e sua concentração regional são dois desafios que ainda precisam ser superados para que qualquer arranjo regulatório e aumento da oferta de gás natural possam alcançar êxito.

 

Nova lei do gás: o que mudou?

A Nova Lei do Gás traz como principais inovações a migração do regime de construção dos gasodutos, que agora não é mais realizado por concessão e sim por uma autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); a permissão para que múltiplos agentes possam acessar gasodutos de escoamento, instalações de tratamento ou processamento de gás natural e terminais de gás natural liquefeito (GNL); e os serviços de transporte, que devem passar a ser oferecidos pelo regime de contratação de capacidade por entrada e saída, com a permissão para que uma empresa seja contratada independentemente da outra.

 

A Nova lei do gás, portanto, direciona suas atenções ao acesso e a uma facilitação para as empresas expandirem os gasodutos no território. O objetivo seria atrair novos investidores para o transporte de gás, bem como para a construção de novos gasodutos.

 

Além desses instrumentos, o pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gustavo Ferreira Silva, em sua tese de doutorado, aponta a existência de inúmeros projetos de construção de novos terminais de LGN que permitiria um crescimento significativo da capacidade de importar esse insumo energético.

 

Atualmente, existem três terminais de regaseificação em operação no Brasil de propriedade da Petrobras, que atendem à demanda das termelétricas e também fornecem gás natural para a malha de transporte.

 

Entre os três terminais, o maior está localizado na costa do Rio de Janeiro, na Baía de Guanabara. Além do estado fluminense, há mais dois terminais no Nordeste. O primeiro, na cidade de São Gonçalo do Amarante (CE), conhecido como o Terminal de Pecém, que fornece gás para as termelétricas cearenses, e o segundo, na cidade de Salvador, denominado de Terminal de Regaseificação de GNL da Bahia (TRBA).

 

A entrada de novos operadores de exploração e produção de gás natural no Brasil, bem como o número de novos agentes privados no mercado de gás natural, motivaria o financiamento de novos terminais no país. Outros dois empreendimentos se juntam à lista de terminais de GNL no Brasil, como mostra o próprio Gustavo Ferreira Silva.

 

“O primeiro terminal anunciado está localizado no complexo do Porto do Açu, na cidade de São João da Barra (RJ). O polo conta com grandes perspectivas de operação a partir do gás, com projetos que visam expandir a capacidade de escoamento por meio de gasodutos e terminais de regaseificação, processamento em uma Unidade de Tratamento de Gás Natural (UTGN) e geração de energia através de parques termelétricos. Conta ainda como principal vantagem o fato de estar geograficamente próximo à área do Pré-Sal. O segundo terminal privado em execução está localizado no estado de Sergipe, no município de Barra dos Coqueiros, e está sendo projetado para abastecer, além do setor industrial, um conjunto termelétrico de grande porte, com capacidade de geração de 1,5 mil MW (CELSE, 2020). A construção do terminal é de responsabilidade das Centrais Elétricas de Sergipe S.A. (CELSE), uma joint-venture entre as empresas EBrasil e Golar Power”.

O terminal de Sergipe já está em operação.

 

Além desses dois, há a análise da construção de outros terminais na costa brasileira. Segundo o mesmo autor, são mais de dez projetos em avaliação, concentrados principalmente na região Sul do país e no Espírito Santo.

 

Essas informações demonstram que, por um lado, há um potencial importante para atrair investimentos privados na expansão da infraestrutura de importação de gás natural. E, por outro, há a possibilidade de que a Nova Lei do Gás “facilite” a construção de novos gasodutos. Todavia, a concretização dessas potencialidades por meio de novos investimentos somente ocorrerá se houver, de fato, uma perspectiva de expansão da demanda por gás natural. E aqui há um desafio considerável.

 

Demanda de gás natural

Dados do Anuário Estatístico da ANP de 2020 mostram que a demanda por gás natural (vendas para o mercado de gás natural e LGN somadas ao consumo próprio das unidades de produção) caiu de 43,7 milhões de metros cúbicos diários (m³/d) para 37,2 milhões de m³/d, de 2015 a 2019. No mesmo período, as importações de gás natural caíram de 19,1 milhões de m³/d para 9,8 milhões de m³/d. As importações na forma de LGN seguiram essa tendência reduzindo de 7,2 milhões de m³/d em 2015 para 3,1 milhões de m³/d em 2019.

 

Evidentemente, parte dessa queda das importações é explicada pela expansão da produção de gás natural. No entanto, uma outra parcela respondeu à retração da demanda pelo insumo energético.

 

Nesse ponto, cabe resgatar o diagnóstico da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) de que “é fundamental desenvolver outros usos do gás natural, como a aplicação do combustível em transporte de cargas e passageiros, em busca dos benefícios ambientais, sociais e econômicos já alcançados por países da Europa, Estados Unidos e diversos vizinhos sul-americanos”.

 

Sem um olhar sobre as possibilidades de expansão da demanda do gás natural, os potenciais investimentos na oferta não devem ser concretizados, apesar da euforia momentânea pela aprovação da Nova Lei do Gás. Nesse sentido, a articulação de políticas públicas envolvendo financiamento público e obras de infraestrutura regionais devem ter um papel central. Caso contrário, os novos investimentos na expansão de gasodutos e de terminais de LGN podem não sair do papel.

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