Pânico dos mercados coloca em xeque estratégia da Petrobras

Rodrigo Leão
Valor

Uma alternativa para a Petrobras lidar com a possível queda das receitas de exportações é aumentar a taxa de utilização de suas refinarias. Foto: Julio Bittencourt / Valor.

Desde segunda-feira (9), um pânico generalizado tomou conta dos mercados financeiros globais em função da queda do preço internacional do petróleo. Naquele dia, o preço do barril tipo Brent fechou o dia com uma redução de 24%, sendo negociado em valores próximos a US$ 35. Apesar de uma pequena recuperação na terça-feira (10), nos dias seguintes o preço voltou a cair, ficando perto dos US$ 33.

Esse movimento é indicador de que a queda nos preços não é apenas de ordem geopolítica, resultado das disputas de mercado entre Rússia e Arábia Saudita. Ele é consequência de um efeito de mercado que poucos analistas têm dado o devido destaque: a diminuição da demanda asiática, principalmente da China.

Na realidade, os dois episódios estão conectados. A suposta tensão entre sauditas e russos também cresceu em razão da crise de demanda que começou na China. O surto do coronavírus, que se alastrou pelo país asiático e por vários de seus vizinhos, minou a atividade econômica da região e não poupou a indústria petrolífera.

Dada a importância da Ásia no mercado consumidor de petróleo, as compras desta commodity em todo o mundo sofrerão um impacto ainda maior caso esta situação se mantenha por mais alguns meses.

Em 2018, a Ásia respondia por pouco mais da metade das importações mundiais de petróleo cru. Só China e Japão, juntos, já eram responsáveis por mais de um quatro do total (cerca de 14 milhões de barris por dia). Esse cenário não se alterou significativamente em 2019.

Após o surto do coronavírus, já em fevereiro de 2020, a China viu suas importações caírem em 200 mil barris por dia, uma queda de cerca de 2%. Embora esse valor possa parecer relativamente baixo, os mercados entraram em pânico com a possibilidade de uma queda ainda mais expressiva das compras chinesas a partir de abril desse ano.

Segundo Wang Lining, vice-diretor do Departamento de Pesquisa do Mercado do Petróleo da China National Petroleum Corp (CNPC), a partir daquele mês, a queda poderia chegar a algo entre 15% a 20%, o que significaria uma demanda menor de até 2 milhões de barris por dia.

Essa avaliação é reforçada pela já observada menor produção do parque de refino chinês. As taxas de utilização das refinarias da CNPC e da Sinopec caíram cerca de quinze pontos percentuais, de acordo com Wang.

No Japão, os analistas também preveem uma queda relevante para as importações de petróleo. De acordo com Aaron Cheong, analista de produtos petrolíferos da Energy Aspects, a demanda por petróleo cru importado do Japão deve diminuir entre 7% e 8% no primeiro trimestre deste ano. O que significa que cerca de 250 mil barris deixarão de ser comprados diariamente só naquele país.

Freio na compra de petróleo

Segundo os especialistas, dois dos maiores mercados de importação de petróleo do mundo colocarão o pé no freio na compra de petróleo a partir do mês que vem. A Rystad Energy, por exemplo, projeta que o consumo do petróleo pode cair cerca 8 milhões de barris por dia até abril.

Essa perspectiva já pairava como uma ameaça sobre os países exportadores de petróleo no início deste ano. Havia indicativos de que uma demanda significativamente menor por petróleo significativamente, pressionaria os preços ainda mais para baixo.

Nesse sentido, os árabes buscaram um acordo com russos para diminuir a produção impedindo, com isso, uma queda maior nos preços. Com a negativa dos russos, não houve acordo. Iniciou-se então uma guerra que se refletiu em cortes drásticos no preço internacional do barril de petróleo.

Em todo caso, a manutenção da “crise de demanda asiática” continuará afetando as relações geopolíticas entre os grandes exportadores de petróleo, bem como a economia desses países. E é nesse quadro que devemos entender a posição atual do Brasil.

Nos últimos anos, a Petrobras tem sustentado seu crescimento na exportação de petróleo cru. As receitas da companhia com exportação de petróleo cru aumentaram de 18% para 24% entre 2018 e 2019. Mais grave é que essas exportações são concentradas na Ásia, principalmente na China. Em 2019, 71% das exportações de petróleo cru da Petrobras foram para o gigante asiático.

Uma alternativa para a Petrobras lidar com a possível queda das receitas de exportações é aumentar a taxa de utilização de suas refinarias, elevando a produção de derivados a fim de abastecer o mercado interno. Isso mostra a importância de a companhia possuir um amplo parque de refino que tem um papel essencial nos momentos de queda do preço do petróleo.

Em suma, a menor demanda asiática ocorre num momento em que os Estados Unidos vinham se consolidando como grande país exportador líquido de petróleo enquanto a Europa vivia sua própria crise com o coronavírus. Ou seja, com o agravamento do atual cenário, a Petrobras terá dificuldade de encontrar mercados compradores para suas exportações. Como a petrolífera brasileira ainda conta com um amplo parque de refino, uma opção para a petrolífera seria redirecionar as exportações de óleo a preço baixo para a fabricação e venda de derivados no mercado interno.

Tudo isso levanta questionamentos importantes sobre a estratégia da Petrobras de depender cada vez mais das exportações do petróleo do pré-sal e das vendas para o mercado asiático que, num cenário como o atual, prejudica muito a rentabilidade do setor de exploração e produção (E&P). Qual o limite da queda de preços do barril de petróleo para o setor de E&P da Petrobras? E, após a venda das refinarias, como a estatal conseguiria atenuar a redução das receitas neste segmento?

As respostas a essas perguntas dependerão do que irá acontecer com os preços do barril do petróleo e com o ritmo de venda das refinarias. Mas, a se julgar pelo pânico das bolsas de valores na segunda-feira – o que persistiu nos dias seguintes – o mercado está “em alerta” para os elevados riscos da estratégia da petrolífera brasileira.

(*) Rodrigo Leão é economista e diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo (Ineep).

Artigo publicado originalmente no portal Valor.

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