O preço do gás natural na Europa deve se elevar em 2021, mesmo com a entrada de novos ofertantes

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
Imagem na cor azul escuro, com o logotipo do Ineep ao centro.

Ainda há uma grande incerteza sobre a retomada da economia no mundo, o que vem afetando expectativas de crescimento de diversos setores. Isso não é diferente na indústria de gás natural. Embora considere a possibilidade da oferta e da demanda de gás voltarem a crescer em 2021, a Agência Internacional de Energia (AIE) acredita que os vetores dessa retomada são bastante frágeis e incertos.

 

 

A Europa é uma das regiões onde a recuperação, do ponto de vista da AIE, deve ocorrer de forma mais lenta e com grande incerteza. Apesar disso, o inesperado aumento do consumo de gás natural no início do ano, por conta da onda de frio que varreu a região, já reduziu fortemente os estoques no continente. Essa “ameaça” de escassez tem alimentado uma expectativa altista para o preço até o fim de 2021.

 

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Mesmo que haja um aumento do número de ofertantes para atender a Europa, principalmente em razão dos produtores de gás natural liquefeito (GNL), há impactos significativos sobre o preço do produto, seja pela elevada especulação existente nesse mercado, seja para evitar qualquer risco de desabastecimento. A força da concorrência com os novos produtores, nesse caso, acaba desempenhando um papel menor na formação de preço do gás natural no mercado internacional.

 

 

No relatório “Gas Market Report”, lançado em abril de 2021, a AIE prevê um crescimento de 3,2% da demanda global por gás natural neste ano (cerca de 125 bilhões de metros cúbicos), em relação à 2020. Todavia, a AIE alerta:

“que esta é uma recuperação frágil e bastante assimétrica, pois os setores e regiões que sofreram as maiores perdas podem não ver os maiores ganhos. Além disso, a perspectiva de um impacto prolongado da pandemia na economia global acrescenta mais incerteza ao ritmo de crescimento da demanda de gás a curto prazo.”

 

 

O relatório segue dizendo que “embora a projeção seja de retomada da demanda global de gás natural, as disparidades regionais devem permanecer, com os mercados mais maduros da Europa, Eurásia, América do Norte e Ásia apresentando um crescimento mais lento – com apenas a recuperação parcial para alguns deles. Enquanto isso, nas economias de crescimento mais rápido na Ásia, Oriente Médio e África”, a retomada do consumo deva ser mais rápida.

 

 

No caso da Europa, a expectativa é que a demanda por gás natural apresente um aumento anual de 3% em 2021, retornando ao nível pré-crise. Tal crescimento, por sua vez, deve ser puxado pelo primeiro trimestre deste ano, quando a onda de frio que assolou o continente exigiu volumes crescentes de gás natural para geração de energia. A AIE informou que, durante o inverno, o consumo europeu de gás natural subiu mais de 5% em relação ao mesmo período do ano anterior.

 

 

Entre fevereiro e março deste ano, os países do norte da Europa foram atingidos pelo fenômeno conhecido como “tempestade Darcy”. Na Holanda, houve uma forte tempestade de neve, a primeira em 10 anos, que perturbou o tráfego ferroviário e rodoviário.

 

 

Na Alemanha, os serviços ferroviários foram também afetados. A circulação dos trens no trajeto Renânia do Norte-Vestfália (oeste da Alemanha), a mais populosa do país, assim como nas partidas de Hamburgo (norte) foi suspensa em alguns momentos. As rodovias foram igualmente afetadas, tendo sido registrados, pelo menos, 222 acidentes até meados de fevereiro.

 

 

A mesma situação se observou no Reino Unido, onde as condições geladas e a forte nevasca causaram a interrupção em massa dos serviços ferroviários gerando uma grande dificuldade de locomoção na região, uma vez que, em muitos casos, as cidades não tinham outro meio de transporte disponível.

 

 

De acordo com a Standard & Poor’s (S&P), em artigo assinado por Neil Hunter e Gary Hornby, por conta da tempestade Darcy, a demanda de gás natural nos centros da Europa, em fevereiro, estava se aproximando dos recordes de todos os tempos, superando até mesmo o frio que ocorreu, em 2018, durante a época conhecida como “The Beast from the East”.

 

 

Segundos o artigo da S&P:

“Na Holanda, a demanda já havia superado à de 2018, ao atingir 209 milhões de metros cúbicos em fevereiro de 2021, acima dos 198 milhões de metros cúbicos de março de 2018. No Reino Unido, a expectativa era de que o consumo de gás natural atingiria seu recorde histórico. Dados da operadora de rede National Grid mostraram que a demanda prevista para 10 de fevereiro era de 425 milhões de metros cúbicos, 8 milhões acima do pico da demanda diária durante a fase do The Beast from the East.”

 

 

Na Alemanha, a projeção era que a demanda poderia alcançar até 560 milhões de metros cúbicos em fevereiro de 2021, ultrapassando o recorde do país que ocorreu em 28 de fevereiro de 2018. Para atender os elevados níveis de consumo, o volume de retirada de gás natural dos reservatórios alemães havia aumentado 88% na primeira semana de fevereiro, em relação ao mesmo período do ano passado, conforme mostraram os dados da Platts Analytics.

 

 

A Alemanha não tem sido um caso isolado. De acordo com a especialista da Oil Price, Irina Slav, até a chegada do verão europeu, seria necessário estocar cerca de 65 e 70 bilhões de metros cúbicos de gás natural. Esse volume representa cerca de 60% a mais do que a Europa precisava no ano passado para manter suas instalações de armazenamento de gás cheias.

 

 

Como se observa no gráfico abaixo, os estoques de gás natural em toda a União Europeia atingiram seu nível mais baixo dos últimos dois anos neste mês de abril, se aproximando o percentual abaixo de 30%.

 

 

Gráfico – Capacidade ociosa dos estoques de gás natural na União Europeia

Capacidade ociosa dos estoques de gás natural na União Europeia

Fonte: GIE.

 

As expectativas de uma melhora da demanda europeia associadas à queda dos estoques, num cenário de profundas incertezas o que alimenta as especulações em torno do gás natural, têm motivado pressões altistas sobre o preço. Mesmo com a entrada de novos ofertantes no mercado europeu, por conta dos produtores de GNL como Qatar e os EUA, a AIE projeta que o preço spot do gás natural no mercado europeu em 2021 deve ficar num patamar bem mais elevado do que em 2020.

 

 

O principal benchmark de preços do gás natural na Europa – o Title Tranfer Facility (TTF) que reflete o hub virtual de trading de gás na Holanda e é calculado pela Argus – superou a barreira dos US$ 9 por milhão de BTU em fevereiro deste ano, depois de oscilar de US$ 2 a US$ 5 por milhão de BTU, entre agosto e dezembro de 2020. De acordo com a AIE, a expectativa é que, ao longo do ano, o preço do TTF fique acima dos US$ 6 por milhão de BTU.

 

 

Esses dados mostram que, mesmo com uma recuperação de mercado ainda frágil, uma queda nos estoques do gás natural, num cenário de profunda incerteza e especulação, tem gerado pressões altistas sobre o preço na Europa. Essa é mais uma prova de que a “necessidade estratégica” do gás e sua comoditização no mercado internacional têm efeitos mais significativos sobre os preços do que a existência ou não de múltiplos ofertantes.

 


 

 

Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

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