O petróleo e a transição energética: um falso dilema diplomático – por André Leão

Le Monde Diplomatique Brasil
Parque eólico perto de Barbate, Cádiz (Espanha).

Durante a realização da última Cúpula da Amazônia, ocorrida em agosto em Belém, o Brasil – mesmo diante de pressões dos seus vizinhos, como a Colômbia, e de outros atores políticos importantes, como as ONGs – evitou comprometer-se com a não exploração de combustíveis fósseis na região amazônica.

 

Este objetivo acabou ficando de fora da resolução final do encontro, o que ilustra as dificuldades que a diplomacia brasileira enfrenta na construção de uma narrativa que posicione o país como um dos líderes da agenda ambiental global.

 

Agenda ambiental x Exploração e produção de petróleo

 

Como lidar com as críticas externas de que o Brasil supostamente se contradiz ao querer se projetar como “potência verde”, ao mesmo tempo em que segue investindo no segmento de exploração e produção de petróleo?

 

Por um lado, é natural para o Brasil, uma nação com tamanha biodiversidade, portar-se como uma liderança ambiental, sobretudo em um momento em que as mudanças climáticas estão se tornando cada vez mais evidentes. Apresentar-se como um ator protagonista, procurando conter os danos ao meio ambiente – principalmente, o desmatamento e as emissões provenientes do uso da terra –, significa a remodelagem de sua imagem no exterior.

 

Por outro lado, a construção da figura de “potência verde” poderia ser vista como uma ação contrária à necessidade de aproveitamento dos recursos naturais, ou seja, da exploração de um combustível fóssil como o petróleo.

 

Petróleo não é um entrave

 

Contudo, é preciso afastar essa ideia de contradição. Deve-se encarar a transição energética e as oportunidades financeiras oriundas da agenda verde como locomotivas da chamada “neoindustrialização”.

 

Ainda há um longo caminho a ser percorrido para que ocorra a transformação da principal matriz energética global para outras fontes renováveis. E as grandes majors de petróleo são atores-chave nesse processo.

 

Ou seja, o petróleo não deve ser visto como um entrave, mas como parte da transição, já que grande parte dos investimentos realizados pelas petrolíferas em combustíveis renováveis provém justamente dele. Por exemplo, a Petrobras já anunciou que pretende ampliar seus investimentos em biocombustíveis em até 15% no seu próximo plano estratégico, de 2024-2028.

 

Burocracias estatais e a política externa do Brasil

 

A propósito, no âmbito internacional, o Brasil tem se concentrado no potencial econômico dos biocombustíveis. Essa inserção externa depende de uma maior integração de suas burocracias estatais. Importante ressaltar que a política externa deve ser vista como uma política pública, sujeita à influência de diversos atores, como os ministérios, agências governamentais, o Congresso Nacional etc. Nesse sentido, sua formulação exige a interação entre as pastas de Minas e Energia, de Meio Ambiente e Mudança do Clima e de Relações Exteriores.

 

A experiência de técnicos das áreas da energia e do meio ambiente é fundamental para o desenho de uma estratégia de inserção internacional por parte dos diplomatas brasileiros.

 

A despeito de notícias que dão conta de possíveis conflitos entre as pastas, foi justamente essa interlocução que possibilitou o ingresso do Brasil como um dos líderes da Aliança Global para Biocombustíveis, lançada em setembro deste ano. Em outras palavras, uma cooperação “interburocrática” também ajuda a aproximar a agenda ambiental e a agenda de segurança energética, superando um entendimento de que há oposição entre ambas.

 

São necessárias ações que induzam ao desenvolvimento nacional

 

A formação desse novo agrupamento pode trazer benefícios econômicos, servindo como plataforma para impulsionar as exportações brasileiras de biocombustível. Essa aliança global, entretanto, evidencia a dificuldade para o país abandonar sua vocação de mero exportador de commodities.

 

Ainda que a nova iniciativa global possa ser vista como um mecanismo importante de inserção externa, ela deve servir para se pensar em como se reverter o processo de desindustrialização do Brasil.

 

Nesse sentido, é preciso implementar políticas que visam a um maior aproveitamento de fontes renováveis, ao mesmo tempo em que se executem ações que induzam ao desenvolvimento nacional. E é isso que tem sido feito.

 

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Segundo dados de 2022 da consultoria Enerdata, o Brasil já é o segundo maior produtor de energia limpa do mundo, atrás apenas da Noruega. Além disso, de acordo com a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, na sigla em inglês), o país também se destaca na esfera laboral, tendo em vista que já é responsável por 10% dos empregos “verdes” – aqueles gerados na indústria de biocombustíveis, solar, hidrelétrica e eólica – em todo o globo.

 

Importância do petróleo para a transição energética

 

E, como dito, maiores investimentos nesses segmentos serão possíveis sobretudo por causa da exploração e produção de petróleo.

 

No curto e no médio prazo, ele contribui para o avanço da agenda da transição energética, com inegável importância para o progresso econômico. Por exemplo, encontrar petróleo na margem equatorial pode representar uma chance de reduzir as desigualdades regionais ao fomentar o desenvolvimento dos estados do Norte e do Nordeste do país.

 

Talvez por esse motivo, recentemente, a Petrobras tenha recebido licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para começar a perfurar poços de petróleo nessa região. 

 

Essas ações indicam que é possível ao Brasil conciliar a narrativa de líder ambiental global com políticas que foquem no desenvolvimento interno. Tendo em vista que nossa matriz é uma das mais limpas do mundo, a diplomacia pode apresentar o país como vanguarda da transição energética e, concomitantemente, defender o interesse nacional de garantir a segurança energética e explorar uma atividade econômica que ainda é crucial ao país.

 


 

Artigo publicado originalmente em Le Monde Diplomatique Brasil.

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