O mundo da energia dependerá cada vez mais das decisões da China e do PCC

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
O MUNDO DA ENERGIA DEPENDERÁ CADA VEZ MAIS DAS DECISÕES DA CHINA E DO PCC

O grande evento mundial deste mês de julho é a comemoração dos 100 anos do Partido Comunista Chinês (PCC). É impossível dissociar a recente ascensão da China como potência econômica, tecnológica e política ao surgimento do PCC. Desde que assumiu a direção do país, em 1949, o partido comandou diversas mudanças em várias esferas que deram uma nova projeção global ao gigante asiático.

 

» Leia também outros artigos sobre GeopolíticaClique aqui.

 

Independentemente das diferentes fases desses mais de 70 anos de comando do PCC, o fato é que a China é uma peça fundamental do atual tabuleiro geopolítico global. E, a cada ano que passa, a sua importância aumenta tornando esse tabuleiro, dominado nos últimos séculos pelo Ocidente, cada vez mais complexo.

 

Como afirma, em recente artigo, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, José Luis Fiori, a principal potência ocidental, os EUA, tem uma dificuldade crescente para lidar com a ascensão chinesa.

“(…) a nova política externa americana e a estratégia que propôs aos seus principais aliados ocidentais estão ultrapassadas e são inadequadas para enfrentar o “desafio sistêmico chinês”. A elite política e militar americana e europeia segue prisioneira do seu sucesso e de sua vitória na Guerra Fria, e não consegue perceber as diferenças essenciais que distinguem a China da antiga União Soviética. Não apenas porque a China é hoje um sucesso econômico indispensável para a economia capitalista internacional, mas também porque a China já foi a economia mais dinâmica do mundo ao longo dos últimos vinte séculos”.

 

Além da questão de política externa, o professor lembra que a

“China é uma “civilização milenar” muito mais do que um Estado nacional. E uma civilização que nasceu e se desenvolveu de forma inteiramente independente da civilização ocidental, com seus próprios valores e objetivos que não foram alterados por seu novo sucesso econômico”.

 

O MUNDO DA ENERGIA DEPENDERÁ CADA VEZ MAIS DAS DECISÕES DA CHINA E DO PCC

Foto: Ana Cristina Campos / Agência Brasil.

Essa percepção da necessidade de independência e segurança ganhou força, inclusive com a ascensão do PCC, cuja origem esteve fundamentalmente associada às humilhações vivenciadas pelas invasões japonesas no país no final dos anos 1930. A entrada dos japoneses na China ocorreu na região costeira, onde residia a base popular do partido. Ou seja, a unidade popular obtida pelo PCC ganhou respaldo também em função da sua agenda de eliminar qualquer possibilidade de invasão estrangeira e de lutar por tornar o país menos dependente do exterior.

 

Essa diretriz fez parte da condução do PCC ao longo do tempo para as mais diferentes frentes, inclusive a energética. A questão da soberania energética ganhou ainda mais força nas últimas décadas, na medida que o crescimento econômico do país exigiu um volume cada vez maior de energia. Por isso, nos últimos anos, há um duplo desafio no segmento energético: alimentar seu consumo voraz em energia e, ao mesmo tempo, se tornar menos dependente de potências energéticas estrangeiras.

 

Os dados organizados pela empresa britânica BP dão uma dimensão da necessidade crescente de energia dos chineses. Tanto em consumo, como em produção de energia, a China se consolidou como uma das nações mais relevantes. No ano de 2019, o gigante asiático já era um dos dois maiores países do mundo em consumo primário de energia, gás natural e derivados de petróleo. No segmento de produção de energia, também apresentou um extraordinário crescimento, como na produção de gás natural e de energia renovável. Em 2019, por exemplo, a China já era responsável por 26,1% da energia renovável gerada no mundo. Ainda assim, o país é que teve a maior emissão de CO2, em 2019, associada principalmente à sua gigantesca produção de carvão.

 

Fonte: BP Statistical Review. * O primeiro dado disponível é 1970. ** Não há comparação para 1965, por isso foi utilizado o ano de 2000

 

Para lidar com esse desafio do extraordinário crescimento de sua demanda, a aposta chinesa não é apenas na geração própria de energia, como de renováveis e gás natural, mas também nas conexões com o exterior visando assegurar insumos de outros países, principalmente da Ásia.

 

 

Esse processo de articulação vai desde investimentos e comércio de commodities energéticas até grandes projetos de infraestrutura energética e de construção de parques produtivos em países vizinhos.

 

A partir dos anos 2000, os países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) mais ricos em recursos energéticos registaram uma rápida expansão dos fluxos de investimento da China. Além disso, as empresas chinesas investiram fortemente em oleodutos e gasodutos, produção e transporte de energia em países como Mianmar, Camboja, Laos e Indonésia.

 

Durante as duas últimas décadas, foram realizados projetos hidrelétricos no Laos, no Camboja e em Mianmar por conta do gigantesco potencial desses três países nesse tipo de geração de energia elétrica. A ausência de financiamento e de mercado interno impulsionou as empresas da China, China Three Gorges Corporation e a China Huadian, a capitanearem a construção de centrais hidrelétricas nos três países. Entre 2006 e 2011, a China investiu mais de US$ 6,1 bilhões no financiamento de 2729 MW de adições de capacidade hidrelétrica. Outras companhias chinesas também investiram em
redes elétricas e centrais térmicas no Camboja e em oleodutos e gasodutos em Mianmar.

 

A partir de 2012, o setor energético da Indonésia também recebeu elevados fluxos de capitais chineses. No setor petrolífero, a Sinopec financiou um terminal de armazenamento de petróleo na zona franca de Batam. As companhias Sinohydro, Gezhouba Group e China Power International apostaram em projetos hidrelétricos e de energia térmica. Além disso, dada a importância da Indonésia como um importante fornecedor de carvão e gás natural para as zonas costeiras da China com elevada intensidade energética, várias empresas chinesas mantiveram operações em minas de carvão em várias partes da Indonésia.

 

Todos os projetos energéticos realizados pela China na Asean somaram um total de aproximadamente US$ 16 bilhões entre 2008 e 2013. Esse movimento também foi replicado para outras regiões da Ásia. No lançamento do Programa da Nova Rota da Seda, em 2013, havia uma pretensão de investir US$ 900 bilhões na expansão dos gasodutos chineses, principalmente ligando o país à Ásia Central.

 

Todos esses programas visam assegurar, ao mesmo tempo, o abastecimento energético interno e não depender exclusivamente de uma única região. Essa diretriz associada ao desenvolvimento às forças produtivas locais pautam a estratégia da China de segurança energética. Independentemente dos erros e acertos do PCC cometidos ao longo desses 100 anos de existência e mais de 70 de liderança na China, o fato é que o país asiático é uma potência que envolve praticamente todas as decisões econômicas e políticas do mundo contemporâneo. Isso não é diferente para o mundo de energia, cujas transformações estão e estarão associadas às decisões estratégicas dos líderes chineses e, mais
precisamente do PCC, enquanto ele estiver à frente do gigante asiático.

 


 

Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

Comentar