O esforço histórico da ONU não será suficiente para promover a transição energética

Rodrigo Leão
Broadcast Energia

A transição energética, ao contrário do que muitos imaginam, é um tema discutido em âmbito internacional, pelas instituições multilaterais, há algumas décadas. O debate remonta o final dos anos 1960 e, apesar do claro esforço dessas instituições, medidas concretas em direção à substituição da matriz suja ainda não foram exitosas. Não restam dúvidas que houve avanços significativos nesse período, todavia a matriz energética global continua predominantemente baseada em petróleo e gás natural, mesmo com os esforços promovidos nesses últimos 50 anos.

 

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Em 1968, a questão da mudança climática e da necessidade de revisão no desenvolvimento das energias ganhou relevância, porque naquele ano foi publicado o artigo de Garret Harden, “A tragédia dos comuns”. Os pesquisadores Van Bellen e Petrassi, em artigo escrito em 2011, lembram:

“Hardin aponta que quando os recursos de uso comum se encontram em regime de apropriação comunal, eles estão mais suscetíveis à sobreexploração e à degradação. Ou seja, acentuam-se os riscos de destruição dos recursos em consequência da irresponsabilidade por parte dos atores individuais na busca egoísta da satisfação de suas necessidades, em detrimento dos interesses do grupo ou da comunidade vista como um todo”

 

Naquele mesmo ano, surgiu o Clube de Roma, um grupo formado por políticos, físicos, industriais e cientistas que se reuniu na Itália para desenvolver estudos sobre sustentabilidade, meio ambiente e limites do desenvolvimento.

 

O esforço histórico da ONU não será suficiente para promover a transição energética

Sede das Nações Unidas. Foto: Mathias Reding / Pexels.

 

Quatro anos mais tarde, em 1972, com o apoio dos pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT – Massachusetts Institute of Technology), o Clube de Roma lançou um sucesso editorial, “Limites do Crescimento”. A partir de modelos matemáticos, o livro profetizou que ocorreria um caos, se a economia continuasse crescendo como vinha ocorrendo nos anos 1950 e nos 1960. Na conclusão do estudo, a continuidade do crescimento econômico no padrão da época faria com que os recursos naturais se esgotassem em menos de 100 anos.

 

Naquele mesmo ano, houve a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, onde os temas ambientais e de mudança climática ganharam muita força nas discussões entre as nações envolvidas. De um lado, as evidências de novos fenômenos climáticos, como inundações, secas, tsunamis chamaram atenção dos especialistas e, de outro, países desenvolvidos se mostraram preocupados com a poluição industrial e com a escassez de recursos energéticos. Esse cenário se juntou à grave crise do preço do petróleo, que cresceu absurdamente entre 1972 e 1973, deixando claro os limites econômicos do uso generalizado do “ouro negro” como fonte energética global.

 

A sucessão de eventos dos três primeiros anos desta década pareceu confirmar as teses do Clube de Roma e do MIT, questionando o padrão de desenvolvimento dos anos dourados do pós-guerra, com abundância e baixos preços do petróleo. Nesse momento, o papel dos órgãos multilaterais teve uma nova dimensão no debate sobre a transição energética.

 

Em vez do debate sobre a expansão do acesso do petróleo, a academia e os organismos multilaterais passaram a refletir sobre a necessidade de adoção de um novo arranjo energético para sustentar o desenvolvimento dos países a partir daquele período. Essa mudança teve como o principal protagonista a Organização das Nações Unidas (ONU) que passou a pautar uma parte relevante da agenda de estudos sobre o tema. A declaração de Cocoyoc em 1974 e o relatório da Fundação Dag-Hammarskjöld em 1975, sobre desenvolvimento e meio ambiente, que foram documentos-chave para a discussão de energia limpa à época, tiveram como base os resultados daquele evento das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrido em Estocolmo.

 

Esses documentos reforçaram a concepção implícita no conceito de ecodesenvolvimento da necessidade de redefinição do estilo de desenvolvimento, por um desenvolvimento endógeno que possa conceber alternativas ecologicamente prudentes, equitativas socialmente, politicamente descentralizadas e economicamente solidárias.

 

No final dos anos 1970, com um novo ciclo de alta dos preços do petróleo, a necessidade dos grandes consumidores de petróleo de encontrar novas formas de (nova) geração de energia se somou a agenda da mudança climática e do meio ambiente em favor de uma discussão mais efetiva sobre a construção de uma nova matriz energética.

 

No começo dos anos 1980, surge uma nova abordagem teórica sobre desenvolvimento e território que trouxe como pano de fundo possíveis impactos ambientais, principalmente no espaço rural. Essa abordagem elevou a preocupação do desenvolvimento com a qualidade de vida dentro do território e, neste sentido, os usos dos recursos naturais e do meio ambiente assumiram grande relevância. “Ao incluir no debate a categoria de análise da territorialidade juntamente com a discussão sobre a sustentabilidade, abr[iu]-se caminho para o conceito de desenvolvimento territorial sustentável”, lembram os mesmos pesquisadores.

 

O avanço destes estudos e das pesquisas sobre desenvolvimento, meio ambiente e energia obteve um novo impulso, em 1985, quando a ONU criou o programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) com o objetivo de definir estratégias e metas ambientais a partir de 2000.  A primeira iniciativa desse novo grupo foi a elaboração de um documento, denominado de Relatório Brundtland, que visou discutir um modelo desenvolvimento que tivesse a gestão sustentável dos recursos naturais como um dos seus elementos centrais. Foi nesse documento que surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável, visto como capaz de suprir as necessidades atuais sem comprometer a capacidade de futuras gerações suprirem suas próprias necessidades.

 

Como resultado desse relatório, a ONU decidiu organizar uma nova agenda sobre temas ambientais, que foi realizada a Rio-92 – uma conferência para discutir as mudanças climáticas e os impactos para ode desenvolvimento. Uma das resoluções desse evento foi a realização anual das chamadas Conferência das Partes (COP), para avançar nas discussões ambientais e energéticas.

 

As Conferências das Partes (COP) reuniriam anualmente as “partes”, ou seja, os países que assinaram a convenção das Nações Unidas sobre mudança climática na reunião de 1992 no Rio de Janeiro. A primeira conferência (COP1) foi realizada em Berlim em 1995. A COP3 foi em Kyoto (1997), a COP15 em Copenhague (2009), a COP17 em Durban (2011), a COP21 em Paris (2015).

 

A COP21, na visão de uma parte dos especialistas, foi um marco na discussão da mudança climática em função dos compromissos que foram firmados, incluindo metas para lidar com o aquecimento global. O ano de 2015 parecia trazer uma nova perspectiva para a discussão da mudança climática e da transição energética.

 

A COP21, que sacramentou o “Acordo de Paris”, selou o compromisso dos países-membro de imporem limites para o aquecimento global, seguindo as orientações do Painel Cientifico Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). De acordo com o IPCC, era necessário um acordo global para limitar em 2ºC o aumento da temperatura média do planeta quando comparado ao período pré-industrial. Além disso, recomendava que os esforços deviam ser contínuos para que o aumento se limitasse a 1,5ºC, considerando evidentemente os impactos dessa redução mais brusca. Nesse sentido, alguns autorespontam que o Acordo de Paris foi um marco na discussão climática e da transição energética. Nessa perspectiva, este acordo foi uma espécie de “reconhecimento internacional” da possiblidade de se criar um processo sólido e sustentável de transição para uma economia global de baixo carbono.

 

Apesar disso, a resistência de vários de países de adotar medidas mais restritivas no curto prazo para alcançar os objetivos dos acordos climáticos deixam dúvidas sobre o real compromisso para que as energias limpas tomem espaço do petróleo e do gas natural. Não há dúvidas que o papel da ONU e de outros órgãos multilaterais é importante nessa discussão, mas ela avançará de maneira definitiva com a articulação dos Estados Nacionais em direção a uma transformação da estrutura produtiva e do consumo energético global. Embora hajam esforços iniciais nesse sentido, eles ainda estão longe de marcar a efetiva transição energética que, por isso, ainda não tem data clara para ocorrer.

 


 

 

Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

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