O balanco financeiro reflete o desmonte da Petrobras

Eduardo Costa Pinto
Carta Capital

O prejuízo de 446 milhões de reais da companhia no ano passado não se explica pelo acordo com os acionistas norte-americanos. O balanço financeiro reflete o desmonte da Petrobras. Parente conseguiu com facilidade convencer os meios de comunicação

A Petrobras acaba de divulgar o balanço financeiro anual da estatal, bem como seu relatório de sustentabilidade. Por trás das informações e dados apresentados nestes documento, pode-se observar a construção de uma diretriz estratégica que transforma o conceito de empresa integrada no segmento energético formulada entre 2003 e 2014.

É essa mudança que norteia as análises do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP) organizadas nesta série de artigos denominada “Análise crítica dos resultados de Petrobras de 2017”. Neste primeiro texto, o enfoque é a análise dos resultados financeiros da estatal brasileira no último ano.

Em 2017, a Petrobras registrou um prejuízo líquido de 446 milhões de reais. Segundo a companhia, esse resultado negativo teria sido fruto de despesas não-recorrentes, sobretudo com o acordo fechado no valor de 11,12 bilhões de reais para encerrar os processos judiciais movidos por acionistas norte-americanos (acordo Class Action).

Quando se exclui essa despesa, segundo as contas da companhia, seu lucro líquido seria de 7 bilhões de reais. Além disso, destacou o crescimento tanto do lucro operacional quanto na geração caixa livre para afirmar que estaria em curso um processo de recuperação econômica e financeira.

Segundo as palavras do presidente da Petrobras, Pedro Parente: “Estamos numa trajetória consistente de recuperação, seguindo à risca o que nos propusemos no nosso plano de negócios. Os maiores impactos no balanço de 2017 refletem despesas não recorrentes que reduziram incertezas e riscos em relação ao futuro da companhia”.

Uma análise mais atenta dos dados desmente o atual presidente da Petrobras e, principalmente, ressalta que os problemas de gestão/estratégia empresarial comprometem a geração de caixa operacional, ou seja, recursos gerados pela operações antes do pagamento de impostos, juros, depreciação e amortização (EBITDA ajustado) – principal indicador financeiro-econômico das firmas –, mesmo com uma melhora das variáveis que deveriam ter alavancando as suas receitas (elevação do preço do petróleo e expansão do consumo nacional de derivados).

Ademais, e mais grave, compromete a sua atuação estratégica no setor de energia enquanto empresa integrada de diferentes ramos da cadeia produtiva energética.

Ao contrário do que Parente afirmou, declaração replicada de forma simplória por boa parte dos meios de comunicação, o prejuízo registrado não teve como principal causa as despesas extraordinárias efetuadas nos últimos meses do ano (acordo Class Action), uma vez que a empresa também obteve receitas extraordinárias de 14,8 bilhões (com vendas de ativos e de participação acionária sem perda do controle). Se tais receitas forem levadas em conta, o suposto lucro se reverte em prejuízo de 7,8 bilhões.

Portanto, é no mínimo inconsistente a Petrobras excluir apenas as despesas não-recorrente do acordo Class Action para mostrar solidez financeira sem considerar as receitas não-recorrentes. Nesse sentido, saltam aos olhos o fato de que o montante recebido com a venda de ativos em 2017 praticamente equivale aos gastos com o acordo judicial com os acionistas norte-americanos.

Além disso, o destaque dado pela Petrobras aos aumentos do seu lucro operacional e da sua geração caixa livre deixou, para um segundo plano, o pífio resultado da sua geração de caixa operacional em 2017, mesmo com aumento de 15% do preço de petróleo Brent e de expansão de 1,2% nas vendas de derivados no mercado brasileiro.

O crescimento do lucro operacional (108%) e a expansão de 6% na geração caixa livre (da ordem 2,5 bilhões de reais entre 2016 e 2017), destacada no balanço, tem forte relação com a politica de desinvestimentos.

No caso da geração de caixa livre, cabe observar que ela é totalmente explicada pela redução de 12% dos investimentos (de 5,7 bilhões). Em relação ao lucro operacional, no qual 70% do resultado é explicado por um componente contábil, a redução dos impairments (despesas/baixas contábeis), sua expansão apresenta uma relação com a queda dos custos de exploração, influenciados entre outros aspectos (como a elevada produtividade do pré-sal) pelos desinvestimentos na Bacia de Campos.

A melhora desses indicadores reflete a redução de investimentos que são despesas (no curto prazo), mas geram no médio e longo prazo ampliação da capacidade de geração de caixa operacional.

A redução dos investimentos em diferentes segmentos da companhia, como refino e petroquímica, embora tragam recursos imediatos para a Petrobras, impede a diversificação produtiva que poderia auxiliar a estatal brasileira em momentos de variação de preços e/ou demanda por petróleo cru.

O que chama mais atenção no resultado do balanço, entre 2016 e 2017, foi a queda de 32% na geração de caixa operacional (EBITDA ajustado) (de 88,7 bilhões para 76,6 bilhões de reais). Queda que ainda ocorre (cerca de 1%) mesmo excluído as despesas do acordo Class Action. Esse aliás é um dos principais aspectos que explicam o crescimento da relação dívida líquida/EBITDA no último ano em relação a 2016.

Esse resultado pífio é explicado pela forte redução do market share da Petrobras no mercado interno (refino, comercialização e distribuição), sobretudo a sua participação no refino e distribuição (queda de 93% em 2016 para 84% em 2017 no seu consumo aparente em relação ao mercado).

Isso implicou numa queda de 18,9 bilhões de reais na geração de caixa operacional nos segmentos de refino, transporte e comercialização. Os ganhos com a elevação das exportações de petróleo foram mais do que anulados pelas perdas no refino e distribuição. Somente com a venda da gasolina e do diesel a Petrobras perdeu 8,7 bilhões e 3 bilhões de reais, respectivamente, entre 2016 e 2017.

Pelo lado da dívida, verificou-se reduções de 6% e de 11% no endividamento bruto (valor de 361,5 bilhões em dez/2017) e no líquido (montante de 280,8 bilhões em dez/2017), respectivamente, em virtude das amortizações da dívida e da apreciação cambial.

Cabe destacar que a expressiva diferença entre a redução da dívida bruta e líquida deve-se ao aumento da disponibilidade de recursos, sobretudo na forma de títulos públicos federais e time deposits (vencimento superior a 3 meses), expansão de cerca de 4 bilhões de reais e crescimento de 144%. Esse indicador, associado ao pagamento de 137 bilhões em juros e amortizações, sinalizam o avanço da financeirização da empresa.

Esses resultados pífios do balanço da Petrobras evidenciam enormes equívocos estratégicos/gerenciais que têm criado dificuldades para alavancar a sua geração de caixa operacional mesmo com a elevação dos preços dos derivados e com o aumento do preço do petróleo.

Quem ganha com isso tudo são os segmentos financeiros, os importadores/refinadores internacionais, as grandes empresas petrolíferas integradas que ampliam sua atuação no pré-sal e agora os acionistas norte-americanos.

Artigo publicado na Carta Capital

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