Novo plano da Petrobras soa como vingança ao NE

Rodrigo Leão
Carta Capital
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Venda de ativos e a saída da estatal da produção tendem a inibir investimentos em óleo e gás

 

No fim de setembro, a Petrobras anunciou um conjunto de diretrizes estratégicas para seu Plano de Negócios dos próximos cinco anos. Entre as medidas adotadas chamaram atenção a iniciativa de “sair integralmente” da distribuição e do transporte de gás, deixar os “negócios de fertilizantes, distribuição de GLP e de biodiesel” e de focar as atividades de refino e comercialização de derivados “nas operações do Sudeste”. Além disso, a estatal reforçou que as suas atividades na área de exploração e produção ficarão cada vez mais restritas aos campos do pré-sal, que representaria o abandono dos segmentos de produção terrestre e em águas rasas.

Tais medidas apontam para um forte redirecionamento geográfico na atuação da Petrobras. As áreas de biocombustíveis e fertilizantes estavam concentradas no Nordeste, assim como a atuação nos campos terrestres. As vendas no refino e no transporte de gás natural também são majoritárias nos estados nordestinos.

Desde 2015, a petroleira vendeu inúmeros campos de produção de petróleo e gás na Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará, bem como aceitou uma oferta da Mitsui para adquirir a participação da Gaspetro nas distribuidoras estaduais de gás natural. Além disso, a estatal descontinuou as atividades da usina de biodiesel de Quixadá, no Ceará, e vendeu sua participação da Petroquímica Suape e da Citepe para a mexicana Alpek. No anúncio do pacote de desinvestimentos no parque de refino, das oito unidades colocadas à venda, três estão no Nordeste: RLAM na Bahia, Lubnor no Ceará e RNEST em Pernambuco.

Ao se confirmarem essas vendas, a participação da estatal na indústria de petróleo se resumirá à refinaria Clara Camarão no Rio Grande do Norte, à usina de biodiesel em Candeias e a alguns campos de terra. Entretanto, ao tomar como referência as diretrizes apresentadas pela empresa, sua presença no Nordeste será apenas na refinaria potiguar. Somadas às vendas de ativos, a Petrobras interrompeu grandes blocos de investimentos que foram estruturados principalmente para expansão do parque de refino.

Até meados desta década, estavam previstas as construções de mais duas refinarias – uma no Maranhão e outra no Ceará – que, juntamente com a conclusão das obras da RNEST, possibilitariam reduzir significativamente o déficit da oferta nacional de derivados de petróleo. Estimativas do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a partir dos dados da empresa britânica BP, mostram que a manutenção das obras do segundo trem da RNEST e da refinaria do Maranhão permitiria que, em 2018, o parque de refino brasileiro fosse de 2.895 mil barris por dia, montante quase equivalente ao consumo de petróleo e derivados, de 3.081 mil barris por dia.

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As vendas de ativos e a interrupção dos investimentos deságuam numa terceira e grave consequência: a inibição de potenciais investimentos do setor privado e/ou estrangeiro. O parque de refino é novamente um exemplo interessante.

Quando a Petrobras anunciou a interrupção das obras das refinarias do Maranhão e do Ceará, algumas empresas chinesas demonstraram interesse em assumir a continuidade das construções. Todavia, logo após divulgar a venda das atuais unidades no Nordeste, as mesmas companhias surgiram como potenciais compradoras. Isso significa que a venda da RLAM, da RNEST e da Lubnor deve inibir um possível interesse das chinesas na construção de novas refinarias. Ou seja, em vez do risco de um investimento novo, elas devem buscar a segurança das refinarias em operação.

Equívoco estratégico

Esse é um ponto fundamental da discussão. Não se trata de contrapor o investimento da Petrobras ao do setor privado ou estrangeiro. Na verdade, o equívoco da estratégia atual da política energética do governo e da companhia é que esse processo agressivo de venda e redução de investimentos simplesmente gera uma transferência de ativos do setor estatal para o estrangeiro principalmente, podendo aniquilar possibilidades de expansão de novos investimentos do mercado externo.

Além disso, o ritmo acelerado dessa “ruptura estratégica” resulta num desaquecimento de diversos segmentos da indústria petrolífera, principalmente do Nordeste. Nesse caso, os dados da exploração e produção em terra são exemplares.

Embora a estatal argumente que novas empresas mais especializadas na exploração de petróleo em terra poderiam aumentar a eficiência da produção, os resultados observados têm caminhado numa trajetória oposta.  Em recente estudo, o Ineep mostrou que no Rio Grande do Norte a produção em terra tem despencado continuamente desde janeiro de 2013, de 53 mil para 36 mil barris por dia em janeiro de 2019. Nesse período, a produção da Petrobras no estado diminuiu 18 mil barris por dia (caiu de 52 mil para 34 mil). Enquanto isso, a produção do setor privado, que é muito menor, teve um aumento que nem de longe compensa essa queda, de mil para 2 mil barris por dia. Esses dados evidenciam a incapacidade das empresas privadas de ocupar o espaço da estatal num curto espaço de tempo, dada a diferença da capacidade de financiamento, centralização de capital e recursos tecnológicos, entre outros.

Em resumo, a redução dos investimentos e a venda de vários de seus ativos não apenas por si só tem um impacto grave para a indústria do Nordeste, mas pode, inclusive, impedir a geração de novas oportunidades de investimento. A forma abrupta de saída da estatal gera “vazios” econômicos em razão da ausência de centralização de capital privado nacional ou falta de interesse do grande capital internacional.

Tais vazios demonstram não apenas o fim da atuação da Petrobras no Nordeste, mas alertam que, no futuro, não haja mais a indústria de petróleo naquela região.


Rodrigo Leão é economista e coordenador-técnico do Ineep. Artigo publicado originalmente na revista Carta Capital

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