Mudança na política de dividendo coloca em risco futuro da Petrobras

Henrique Jager
Valor
Mudança na política de dividendo coloca em risco futuro da Petrobras

Nos últimos anos, a Petrobras realizou alterações importantes na sua política de remuneração dos acionistas. Por um lado, tais mudanças permitiram um crescente pagamento de dividendos, mas, por outro, estiveram associadas a um forte encolhimento da companhia via redução dos investimentos e venda de ativos. Essa estratégia de expandir a distribuição de dividendos no curto prazo e, ao mesmo tempo, diminuir o patrimônio da companhia (atual e futuro) deixa muitas dúvidas sobre a sua capacidade de resiliência nos próximos anos.

 

Nos primeiros seis meses de 2022, a Petrobras já distribuiu R$ 136,3 bilhões a título de pagamento de dividendos dos seus acionistas. Somando-se esse valor ao que foi pago no ano fiscal de 2021 (R$ 101,3 bilhões), a Petrobras distribuiu R$ 237,6 bilhões em dividendos, o que foi superior ao lucro líquido acumulado no mesmo período, de R$ 205,9 bilhões.

 

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Mas como a empresa pagou mais dividendos do que o lucro líquido do período? A resposta é simples: reduziu seu patrimônio líquido, ou seja, valeu-se do capital próprio para remunerar o mesmo capital. Em outras palavras, usou dinheiro dos acionistas, que deveria ser utilizado para investir, para pagar dividendos para os mesmos acionistas.

 

Mudança na política de dividendo coloca em risco futuro da Petrobras

Foto: Pexels / Pixabay.

O Estatuto Social da Petrobras determina que a empresa deve distribuir, no mínimo, 25% de seu lucro líquido. Além disso, o mesmo estatuto garante às ações preferenciais um mínimo de 5% calculado sobre a parte do capital representada por essa espécie de ações ou de 3% do valor do patrimônio líquido da ação, prevalecendo sempre o maior. Mas não foram estas regras que balizaram as distribuições de dividendos dos anos 2021 e 2022.

 

Em 15 de março de 2018, o Conselho de Administração (CA) da Petrobras determinou que a companhia realizasse estudos com a finalidade de alterar seu Estatuto Social visando propor novas regras para distribuir os dividendos, como possibilitar a realização de pagamentos utilizando recursos disponíveis na conta “Reserva de Lucro”, que é formada pelos lucros gerados pela empresa, mas não foram distribuídos aos seus acionistas e sócios. Após a realização deste estudo, a Petrobras efetivou três modificações que reestruturaram a forma da distribuição dos dividendos para os acionistas.

 

A primeira delas ocorreu em 28 de agosto de 2019, quando a Petrobras comunicou ao mercado que o CA havia aprovado uma nova política de remuneração aos acionistas. Na essência, a nova política definiu que no caso do endividamento bruto inferior a US$ 60 bilhões a empresa poderá distribuir aos acionistas 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional (gerado pelas atividades produtivas da companhia) e os investimentos.

 

A segunda foi implementada 14 meses depois, em outubro de 2020, quando o CA da Petrobras aprovou o pagamento de dividendos, mesmo com a companhia não tendo lucro, se o endividamento estivesse abaixo de US$ 60 bilhões.

 

Ainda como desdobramento dos estudos solicitados pelo CA em 2018, uma terceira mudança na política de remuneração aos acionistas foi implementada em novembro de 2021. Neste momento, os conselheiros aprovaram um pagamento anual mínimo de dividendos, independente do resultado, de US$ 4 bilhões; subiram o patamar de endividamento de US$ 60 para US$ 65 bilhões e previram a possibilidade de a companhia distribuir dividendos extraordinários por meio de saque na conta reserva de lucros.

 

Dessa forma, as três mudanças promovidas entre 2019 e 2021 propiciaram melhores condições para os pagamentos de dividendos, a partir das seguintes diretrizes: (i) assegurou um valor mínimo de pagamento anual se a empresa mantiver níveis baixos de endividamento; e (ii) garantiu novos mecanismos para aumentar o pagamento de dividendos, para além daqueles parâmetros determinados pelo Estatuto Social da Petrobras.

 

Para efetivar essas mudanças, seria necessário o crivo da assembleia de acionistas, conforme deliberação do CA, em 15 de março de 2018, algo que não ocorreu. Ou seja, embora a política de remuneração dos acionistas seja matéria do Estatuto Social da companhia, ela foi alterada três vezes, ao longo do governo Bolsonaro, sem passar pela análise da assembleia.

 

Além disso, os novos parâmetros adotados para o pagamento de dividendos afetaram diretamente o nível de investimentos praticado pela empresa. Quanto menor o investimento, maior a remuneração dos acionistas. O volume de investimentos da empresa se reduziu a um dos seus menores níveis nos últimos 20 anos. Em 2011, por exemplo, a companhia investiu US$ 43,1 bilhões e, dez anos depois, somente US$ 8,7 bilhões. No primeiro semestre deste ano, os investimentos realizados pela Petrobras foram de apenas US$ 2,1 bilhões.

 

Mais grave do que a redução de investimentos é que o caixa da companhia tem sido gerado, para além das próprias atividades da companhia, pelas constantes vendas de ativos lucrativos e estratégicos. Embora essa estratégia turbine os resultados de curto prazo e, consequentemente, o pagamento de dividendos, compromete o futuro da companhia, uma vez que há um acelerado encolhimento do portfólio de ativos da empresa que seria responsável por garantir os resultados de longo prazo.

 

A dúvida crescente, que deve preocupar os próprios acionistas, é até quando será possível sacrificar o futuro da companhia para turbinar a remuneração presente. A história mostra que para as empresas de petróleo renunciar ao futuro pode significar não apenas um encolhimento, mas sua capacidade de sobreviver a um futuro incerto e volátil, que sempre foi a principal característica da indústria.

 


 

Artigo publicado originalmente Valor.

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