Irresponsável política para a Covid-19 e para o petróleo

José Sérgio Gabrielli
Revista Fórum

A proposta de extinção do modelo de partilha só se justifica se a intenção for realmente reduzir a parcela do governo na renda petroleira e aumentar a parcela dos ganhos para as empresas internacionais. Foto: Agência Petrobras

Adriano Pires, conhecido analista que defende os interesses das empresas internacionais de petróleo no Brasil, termina seu artigo no blog Poder 360 com uma frase de Lulu Santos: “Tudo passa, tudo sempre passará”.

Ele parece esquecer as duas frases anteriores desta na bela canção “Como uma onda”: 

“Nada do que foi será

De novo do jeito que já foi um dia”

Adriano Pires, da mesma forma que vem fazendo desde a década de noventa do século passado, quer continuar defendendo na política petroleira e para o gás tudo do jeito que já foi um dia.

Propõe o aprofundamento da atual politica de desmonte do aparato produtiva do Estado no setor de petróleo e gás, com a manutenção do calendário das rodadas de entrega das áreas, extinção do modelo de partilha, redução da política de conteúdo local, redução de royalties dos campos maduros, aceleração das licenças ambientais, manutenção da venda das refinarias, aumentar impostos sobre os preços dos derivados para arrecadação fiscal, com a redução dos preços nas refinarias.

Mas “nada do que foi feito será de novo do” velho jeito. Manter o calendário das rodadas neste momento vai exigir uma profunda redução de bônus de entrada e aceitação de baixas participações no lucro-óleo, entregando as riquezas futuras para as empresas internacionais a preços extremamente baixos. O mercado internacional está contraindo seus investimentos exploratórios e só “oportunidades excelentes” – para as empresas internacionais – atrairão investimentos neste momento. 

Ao contrário, deveríamos retardar as rodadas, para esperar momentos melhores momentos e eventualmente obter maiores recursos de curto prazo, para compensar a entrega de riquezas de longo prazo.

A proposta de extinção do modelo de partilha só se justifica se a intenção for realmente reduzir a parcela do governo na renda petroleira e aumentar a parcela dos ganhos para as empresas internacionais. Elas estão acostumadas a trabalhar, tanto com contratos de partilha de produção, como com concessões – e até com contratos de serviço -, movendo-se pelas oportunidades de acesso a potenciais reservatórios, em função da economicidade esperada em cada momento.

A partilha de produção não transfere a propriedade do petróleo para o produtor, enquanto na concessão esta transferência é efetivada. A questão essencial é o grau de controle estatal sobre a produção nos dois tipos de contrato: a partilha permite maior controle estatal. Adriano Pires quer menos.

No que se refere à política de conteúdo local, não há dúvidas sobre as dificuldades da engenharia pesada nacional e sua capacidade de fornecer os equipamentos e serviços necessários para o gigantesco desafio de expansão da produção do pré sal brasileiro.

A situação econômica das empresas, preços declinantes e crises de financiamento, além dos efeitos da operação Lava Jato sobre a viabilidade física da existência destas empresas, requerem uma certa adaptação desta política, mas não seu desaparecimento, ainda que gradativo, como sugerido pelo autor.

As vendas dos campos maduros, em terra e no mar, serão ainda mais estimuladas com a redução dos royalties cobrados. Acredito que esta proposta de redução, “inclusive de forma retroativa”, tem mais como objetivo mais facilitar as vendas dos campos maduros da Bacia de Campos, do que do nordeste brasileiro.

Em termos de fluxo de caixa, aqueles com resultados positivos não deveriam sequer estar sendo colocados à venda neste momento. Por outro lado, no Nordeste, os ganhos financeiros deste desinvestimento serão muito pequenos em relação ao enorme impacto negativo sobre as economias regionais.

A aceleração das licenças ambientais, apesar de reivindicado pelas empresas, tem provocado o aumento dos riscos ambientais com consequências imprevisíveis. A melhoria dos seus procedimentos deveria ser a meta e não sua pura e simples aceleração.

Na contramão do mundo, o autor parece estar de pires na mão, querendo manter o programa de venda das refinarias, em uma conjuntura de profunda incerteza sobre a dinâmica futura do mercado, com as empresas com problemas de caixa e com o mercado brasileiro se contraindo.

As vendas serão na bacia das almas e o capital investido será destruído, com sua transferência da propriedade destas refinarias para os compradores a preços muito baixos.

Quanto aos preços dos derivados, a ideia de um colchão regulador dos preços já foi tentada no Brasil, com a CIDE, e talvez a melhor política fosse a manutenção da integração vertical da empresa estatal Petrobras, uma política amortecida de ajuste dos preços internos aos preços internacionais e o acompanhamento cotidiano do comportamento dos preços nas bombas para ajustar a política de preços da companhia.

Por fim, a dissonância de Adriano Pires se apresenta também na sua análise macroeconômica. Para ele, as disputas geopolíticas da Arábia Saudita-Rússia e EUA são meras “desavenças” e a crise mundial vem somente da crise do coronavírus na China.

Esquece os sinais, anteriores à atual pandemia, da tendência de contração da atividade econômica, expansão de uma bolha especulativa devido ao acúmulo dos ganhos financeiros, concentrador dos enormes fluxos econômicos do mundo. Quanto ao Brasil, vale a pena continuar com a canção de Lulu Santos:

Não adianta fugir

Nem mentir

Pra si mesmo agora

Há tanta vida lá fora

A crise brasileira não vem principalmente da crise externa. Ela se agrava pela falta de política econômica adequada do atual governo, numa fé cega na ideologia do mercado, que abandonou as possibilidades de intervenção produtiva das politicas públicas, que desmontou os instrumentos de política social e que, no momento da pandemia, atrasa a implantação dos instrumentos emergenciais aprovados pelo Congresso, com o apoio dos governadores, e a resistência do governo de Bolsonaro. 

Querer fazer mais do mesmo, quando o mundo está em frangalhos, só fará agravar a crise. Isto vale para o mundo, para o Brasil e especialmente para o setor de petróleo e gás.

(*) Jose Sergio Gabrielli de Azevedo é ex-presidente da Petrobras e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep).

Artigo publicado originalmente no portal Revista Fórum.

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