Há espaço para impulsionar o mercado brasileiro de energias renováveis

Nathalia Pereira Dias
CartaCapital
Há espaço para impulsionar o mercado brasileiro de energias renováveis

O mercado de refino no Brasil sofre inúmeras transformações devido, principalmente, à política de desinvestimentos adotada pela Petrobras nos últimos anos. No início de 2022, os investimentos previstos para os próximos cinco anos da estatal, em processos de obtenção de hidrocarbonetos com diferentes propriedades físicas e químicas, correspondia a cerca de 14% do seu lucro. Isso corresponde a cerca de R$ 31,4 bilhões em média, ou US$ 6,0 bilhões, considerando 1 dólar americano = 5,22 reais. Entretanto, este número já chegou a ser mais de US$ 16 bilhões em 2010, quando foi observado o ápice dos investimentos nesse segmento. A discrepância numérica torna evidente a despriorização da indústria de refino pela maior produtora de óleo e gás do país desde então, tendo sido intensificado a partir de 2015 (CAPEX abaixo de US$ 2,0 bilhões).

 

Há espaço para impulsionar o mercado brasileiro de energias renováveis

Foto: Johann Piber / Pexels.

O desinvestimento não é observado apenas no segmento do refino, mas também no de energia limpa. A Petrobras segue fazendo movimentos que vão na direção contrária à transição energética, ainda que há alguns anos a estatal tenha se inserido no mercado de produção de etanol e, consequentemente, mostrado interesse em atuar de forma mais expressiva no de biorrefinarias. Este, por sua vez, tem estado cada vez mais em alta nas discussões atuais sobre como reformular o cenário econômico brasileiro pós-pandemia da Covid-19. O uso da biomassa como fonte de energia elétrica e de biocombustíveis vislumbra grande participação. Entretanto, o volume de investimento necessário para se estruturar uma biorrefinaria é alto e tem variado de acordo com: (i) a complexidade das instalações; (ii) com os tipos de unidades operacionais que a compõem; e, consequentemente, (iii) com a atividade fim da operação.

 

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A biomassa consiste na matéria orgânica com alto potencial de geração de energia a partir de seu processamento. A capacidade energética é influenciada por sua origem, que pode ser florestal, agrícola ou de rejeitos urbanos e industriais, além da especificidade da tecnologia que é aplicada em seu processo de conversão. Essa fonte de energia renovável contribui não só para uma maior segurança energética do país por priorizar o uso de um recurso abundante na natureza, reduzindo então a dependência de fontes fósseis, como também para a diversificação da matriz nacional e reutilização de rejeitos. Todos esses fatores a tornam altamente competitiva no mercado de biorrefino nacional e até frente aos fósseis, capaz de complementar a geração de energia do país.

 

Assim, no Brasil, os principais biocombustíveis produzidos e comercializados são oriundos do processamento de matérias orgânicas advindas de origens distintas: cana-de-açúcar (vegetal) e da soja (oleaginosas), sendo eles o bioetanol e o biodiesel, respectivamente. O destaque para essas duas fontes de biomassa se deve ao fato do Brasil ser um grande produtor e exportador nessas commodities.

 

A grande disponibilidade em território nacional de matérias-primas verdes tende a acelerar o mercado de biorrefinarias, atraindo inúmeras oportunidades de investimentos em novas instalações de conversão ou potencializando outras unidades já destinadas a fontes de energias limpas. O conceito de biorrefinarias está atrelado ao conjunto de unidades de conversão de biomassa em combustíveis verdes, energia e produtos químicos com alto valor agregado.

 

Os produtos a serem obtidos, junto ao tipo de matéria-prima a ser explorada, definem a complexidade estrutural dessas unidades de conversão. Segundo a Aneel (2005), existem cerca de 10 tipos de processos de conversão que são aplicados e/ou combinados de modo a se obter o energético desejado. A madeira, por exemplo, que se apresenta como vegetal lenhoso, pode ser convertida por meio de hidrólise seguida de fermentação (etanol), liquefação (combustão líquida), combustão direta (calor), processo mecânico (lenha), pirólise (carvão) e gaseificação (metanol e gás combustível). Por outro lado, quando se tem resíduos orgânicos industriais, menos processos de conversão são identificados, como combustão direta (calor), gaseificação (metanol e gás combustível) e biodigestão (biogás).

 

Para alavancar essa cadeia produtiva, são necessários gigantescos investimentos no Brasil. A Zona Franca de Manaus, por exemplo, já está recebendo o investimento de R$ 1,8 bilhão pela Brasil BioFuels (BBF) para implantação de uma biorrefinaria para a produção de diesel verde e combustível sustentável de aviação, sendo a primeira a ser instalada em território nacional, com operação prevista para 2025. Produzido majoritariamente a partir do processamento de palma e soja, a obtenção de diesel verde também permite a mistura de outras matérias-primas.

 

Quando se avalia a participação das empresas de O&G nesse contexto, percebe-se que a Petrobras não está aproveitando o alto potencial brasileiro na contramão de outros players do setor, como, por exemplo, a TotalEnergies. A privada, que objetiva se tornar um dos líderes do mercado de biocombustíveis, vem convertendo refinarias e direcionando processos antes destinados à produção de fósseis para a obtenção de energia limpa. Um dos casos que pode ser citado é a conversão da refinaria francesa La Mède em biorrefinaria com capacidade de geração de 500.000 toneladas/ano de combustível verde do tipo HVO.

 

Este panorama geral do mercado de biorrefinarias reforça a tratativa de que há grandes oportunidades para o Brasil, uma vez que seu potencial de produção das principais commodities é referência no mundo. Ainda que seja preciso movimentar capital em larga escala para implementação dessas unidades de alta complexidade operacional, o caminho é de sucesso e haverá retorno não só em termos de lucro, mas também em termos de avanço na transição energética do país com menos emissão de carbono.

 

A conjuntura atual mostra que a estatal já prevê direcionar seus investimentos para biorrefinarias nos próximos anos, com foco na produção de bioquerosene de aviação, a fim de alavancar ainda mais a descarbonização. Porém, ainda é um movimento tímido frente as demais empresas do setor. O que nos leva a concluir que há espaço para impulsionar as atividades voltadas para o mercado brasileiro de renováveis, mas é indispensável maior patrocínio do governo quanto a construção de um planejamento energético pautado em fontes alternativas de energia limpa.

 


 

Artigo publicado originalmente na CartaCapital.

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