Governo muda tudo para viabilizar venda dos blocos Sépia e Atapu

Henrique Jager, João Montenegro
TN Petróleo
Imagem na cor azul escuro, com o logotipo do Ineep ao centro.

Após a tentativa frustrada de leiloar os excedentes de produção dos blocos do pré-sal Sépia e Atapu, em 06 de novembro de 2019, o governo decidiu realizar uma ampla mudança nos parâmetros que norteiam a oferta destas áreas. Seja diretamente, pela redução expressiva da participação governamental na riqueza que vai ser gerada (government take), seja indiretamente, com as decisões da Petrobras que corroboram a estratégia do governo ao reduzir os riscos para as empresas/consórcio que adquirirem os blocos.

 

 

Antes de mais nada, é importante contextualizar a operação: a Petrobras adquiriu o direito de produzir petróleo nos campos de Sépia (até 500 milhões de barris de óleo ou equivalente boe) e Atapu (até 550 milhões) no âmbito do último processo de capitalização da empresa, em 2010, por meio da Cessão Onerosa.

 

 

Em 2016, o governo federal decidiu leiloar os excedentes de produção nos blocos cedidos à Petrobras na Cessão Onerosa. Como a empresa já estava explorando/desenvolvendo e em alguns casos mesmo produzindo, este processo ensejou uma negociação envolvendo a estatal e a União por meio dos Ministérios de Minas e Energia (MME), da Fazenda (atual Ministério da Economia) e da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Não foi uma negociação simples, pois afetava a curva de produção planejada pela petroleira (postergação), com redução no Valor Presente Líquido (VPL) dos projetos. A Petrobras tinha que ser ressarcida por esses impactos.

 

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Fechado o acordo, o governo levou a leilão os excedentes de produção dos Campos de Búzios, Itapu, Sépia e Atapu. No entanto, não foram apresentadas propostas para Sépia e Atapu, e uma nova rodada de negociações foi anunciada com a Petrobras, o que resultou nas três medidas destacadas a seguir:

 

 

A primeira medida para reduzir os riscos e incentivar a participação de outras empresas no leilão coube à Petrobras. Em 09 de abril último, a companhia divulgou uma nota ao mercado sobre a aprovação do seu Conselho de Administração dos parâmetros negociados com a União para o cálculo da indenização devida à empresa por conta dos volumes excedentes da Cessão Onerosa referentes aos campos de Sépia e Atapu, em termos diferentes do estabelecido na portaria do MME 213/19, ainda em vigor.

 

 

De acordo com a referida portaria, a indenização da Petrobras teria por base os seguintes parâmetros:

Governo muda tudo para viabilizar venda dos blocos Sépia e Atapu

De acordo com o esclarecimento divulgado pela Petrobras, em 09 de abril, a produção dos campos de Sépia e Atapu, após os leilões dos excedentes, serão divididas da seguinte forma e com as seguintes compensações:

Em outras palavras, dos volumes produzidos em Atapu e Sépia, a Petrobras vai ficar com 39,5% e 31,3%, respectivamente, sob o regime de Cessão Onerosa. E, para tanto, vai receber indenizações pagas pelo vencedor do leilão de partilha de US$ 3,253 e US$ 3,200 bilhões, respectivamente. Cabe destacar que o preço do barril de petróleo e a taxa de desconto para fins de cálculo do fluxo de caixa foram centrais na definição do valor da compensação financeira devida à Petrobras.

 

 

A nota divulgada ao mercado informa que o percentual de 8,99%, fixado na portaria 213/19 para fins do cálculo do valor presente do fluxo de caixa, foi mantido. No entanto, a nota não fala nada a respeito do mais importante parâmetro: o preço do barril de petróleo.

 

 

Apesar de não mencionar o valor do preço do barril do petróleo negociado com a União – que, pela portaria 213/19, ainda em vigor, deve ser de US$ 72,00 –, a empresa informa que, no acordo firmado, há uma cláusula de participações em lucros futuros (earn out) se o preço do barril de petróleo tipo Brent atingir média anual superior a US$ 40,00, limitado a US$ 70,00. Assim, podemos concluir que o preço utilizado para fins do cálculo da indenização foi US$ 40,00. Valor bem abaixo dos US$ 72,00 definidos na portaria 213/19.

 

 

Com base nas informações divulgadas não há como inferir se este acordo é benéfico à Petrobras. Falta transparência para com os acionistas e, em última instância, para a sociedade Brasileira.

 

 

A segunda medida para viabilizar o leilão foi decidida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em 20/04/21, implicando redução de 70% nos Bônus de Assinatura, que serão pagos para a União pelos vencedores do leilão dos campos de Sépia e Atapu. Os valores passaram de R$ 22,9 bilhões e R$ 13,7 bilhões para R$ 7,138 bilhões e R$ 4,002 bilhões, respectivamente. O CNPE reduziu, também, a participação da União no petróleo em lucro de Sépia, que passou de 27,88% para 15,02% (-46, 13%) e Atapu, que baixou de 26,23% para 5,89% (-77,54%).

 

 

Coube à Petrobras anunciar a terceira medida para viabilizar o leilão, comunicando ao mercado, em 28/04/21, que exerceria seu direito de preferência dos volumes excedentes da cessão onerosa no percentual de 30%, garantindo à empresa a participação de, no mínimo, 51,91% no campo de Sépia e 57,65% no de Atapu. Com essa medida a Petrobras dá um sinal claro ao mercado de que acredita que tem mais petróleo nesses campos que o definido no processo de Cessão Onerosa, contribuindo para atrair outras empresas para o leilão.

 

 

Não há dúvida de que com essas medidas o leilão dos volumes excedentes de Sépia e Atapu se torna mais atrativo, mas a tendência é que apenas grandes grupos internacionais, sejam eles privados (norte-americanos e europeus) ou estatais (sobretudo chineses) se arrisquem a arrematar tais ativos, além da própria Petrobras.

 


 

 

Artigo publicado originalmente na TN Petróleo.

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