Os EUA usam as exportações de GNL para ganhar espaço na geopolítica energética

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
Os EUA usam as exportações de GNL para ganhar espaço na geopolítica energética

Os EUA alcançaram, agora em 2022, a posição de maior exportador de gás natural liquefeito do mundo (GNL), superando o Qatar e a Austrália. Os EUA, que eram o terceiro maior exportador de GNL em 2020, alavancaram sua produção nos últimos dois anos ultrapassando os dois países. Além do aumento da produção, os EUA redirecionaram significativamente suas exportações da Ásia para a Europa, num movimento que visa, ao mesmo tempo, minar o papel da Rússia na região e a política chinesa de maior uso do gás natural como fonte de transição energética.

 

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Segundo dados da IGU, até 2020, Qatar e Austrália lideraram o ranking dos maiores exportadores bem à frente dos EUA. Naquele ano, os dois países venderam cerca de 11 bilhões de pés cúbicos por dia (pcd), enquanto os EUA apenas cerca 6,5 bilhões bcd. Já nesse ano, as exportações dos dois primeiros países ficaram estagnadas e as do EUA subiram para 11,5 bilhões.

 

Os EUA usam as exportações de GNL para ganhar espaço na geopolítica energética

Foto: Divulgação.

Em 2020, de acordo com a bp, cerca de 42% das exportações americanas se destinavam à Europa e 43% à Ásia. A China era responsável por 17% de tudo que exportado para o continente asiático. Todavia, aproveitando-se desse fenomenal aumento da produção e do acirramento das relações com China e Rússia por conta guerra envolvendo a Ucrânia, os EUA alteraram radicalmente o fluxo do seu comércio de GNL.

 

No primeiro trimestre de 2022, o GNL americano foi redirecionado para a Europa, reduzindo fortemente a participação dos mercados asiáticos. A Cheniere Energy Inc., o maior exportador de GNL dos Estados Unidos, estima que 75% dos embarques para sair de seus terminais desde o início do ano foram para a Europa. No mesmo período, os embarques de GNL para a China, Japão e Coréia caíram 11%, 14% e 7%, respectivamente, em comparação com a mesma época do ano passado, segundo a Wood Mackenzie.

 

A justificativa dos especialistas para esse redirecionamento foi a dificuldade encontrada no mercado spot de GNL para exportar à Ásia. Valery Chow, analista da Wood Mackenzie, disse:

“A demanda asiática de GNL continua a diminuir em face da alta demanda de importação europeia. Os compradores asiáticos exigem GNL adicional, mas a alta volatilidade e os problemas de liquidez perturbaram o funcionamento normal do mercado spot de GNL.”

 

Embora esse fator seja importante para entender a migração do mercado asiático ao europeu, é impossível dissociar essa mudança do contexto geopolítico. Ao elevar suas exportações para a Europa, os americanos buscam reduzir o peso do gás russo no continente europeu, o que facilitaria a implementação de mais sanções ao gás russo. Simultaneamente, criam uma dificuldade adicional para a China continuar utilizando o gás natural como energético para limpar sua matriz, obrigando o país asiático a recorrer a fontes mais sujas para continuar atendendo seu consumo interno.

 

Não por acaso, por conta da sua alta demanda, a China tem sido obrigada a aumentar rapidamente sua produção doméstica de gás e elevar as importações de gasodutos da Rússia. Todavia, esse processo tem claros limites no curto prazo, ou seja, há uma barreira física tanto para aumentar a produção interna, como para importar gás natural russo. Com efeito, o país já voltou a queimar mais carvão para compensar uma diminuição nos embarques de GNL.

 

Esse cenário atinge outros países da Ásia, como o Japão. O país concordou, em fevereiro desse ano, abrir mão de GNL americano para a Europa, por conta da guerra. Como contrapartida, os japoneses estão considerando elevar o uso da energia nuclear. O apoio público ao reinício das usinas nucleares do país vem crescendo, de acordo com uma recente pesquisa de opinião. O Japão tem 34 unidades nucleares que poderiam ser reiniciadas eventualmente, com nove já permitidas, disse Nakano. Mas, mesmo que reinicie todas as 34 unidades amanhã, isso não substituiria todos os requisitos de importação de GNL do país.

 

Todavia, há uma diferença importante entre o caso chines e japonês. Enquanto um renascimento nuclear no Japão pode ajudar a reduzir as emissões de carbono, a China se voltou para o carvão a fim de reabastecer parcialmente seus suprimentos de GNL perdidos. O rápido crescimento da demanda de eletricidade chinesa, resultante da pandemia de Covid-19, elevou a geração de carvão chinês e ajudou a impulsionar as emissões globais de gases de efeito estufa da eletricidade para novos patamares em 2021.

 

Isso reduz a pressão sobre a indústria de óleo e gás americana sobre a redução das emissões de carbono e coloca sobre os chineses uma maior responsabilidade nessa questão. Com o impulso do uso do carvão, especialistas do Ocidente já estão questionando se o país conseguirá cumprir seu compromisso de atingir o pico de emissões até 2030 e de eliminá-las até 2060.

 

Além disso, as maiores exportações para a Europa vão reduzindo a dependência da região de gás russo. Quando o período tempo frio mais rigoroso se encerrar, isso pode reduzir a força da Rússia para lidar com as sanções ocidentais, embora uma eventual interrupção generalizada de gás russo para a Europa possa representar um grande drama para o abastecimento local.

 

Independentemente disso, o que fica claro é que a aceleração das exportações de GNL e a condução do seu comércio não é apenas um fenômeno economicamente vantajoso, mas, como sempre na indústria energética, é um ativo geopolítico valiosíssimo para pressionar seus principais rivais.

 


 

Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

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