Brics+, o Brasil e a transição energética

Fernanda Brozoski, Ticiana Alvares
Poder360

A 15ª Cúpula dos Brics, ocorrida de 22 a 24 de agosto deste ano, na cidade de Joanesburgo, na África do Sul, aprovou a ampliação do grupo a partir de 2024. O bloco surgiu no contexto pós-crise de 2008 e de um mundo em transição multipolar, quando os países em desenvolvimento ganharam maior peso relativo frente às grandes potências tradicionais. Desde 2011, conta com cinco membros – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A partir do próximo ano, será composto por mais seis países: Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.

 

 

 

Hoje, a expansão dos Brics surge como uma estratégia de fortalecimento da cooperação entre o Sul Global. A proposta é construir uma ampla rede de integração a partir de processos regionais já existentes, tendo como elos catalisadores países que exercem a liderança a nível regional, promovendo, assim, a chamada “integração da integração”.

 

 

 

Parque eólico em região costeira. Foto: Jose Roberto Jr. Del Rosario / Pixabay.

 

 

 

De fato, a entrada dos novos membros amplia de forma considerável o peso econômico do bloco, com destaque para a inclusão de países do Oriente Médio, detentores de grandes populações e economias. Segundo o Banco Mundial (2022), o Brics+ representará, a partir de 2024, 29% da economia mundial (29 trilhões de dólares correntes), 36%, se medido em paridade de poder de compra, e uma população de 3,6 bilhões de habitantes (46% da população mundial).

 

 

Além disso, incorpora potências médias, muitas delas grandes produtoras de petróleo, que alteram o mapa dos recursos energéticos no mundo. A inclusão desses países elevará substancialmente, a partir de janeiro de 2024, a participação do Brics+ na produção global de petróleo. Segundo dados do Anuário Estatístico de 2023 do Energy Institute, o bloco dobrará a sua produção com o ingresso dos novos membros e passará a deter 43% de todo o petróleo produzido mundialmente, superando a soma de 36% representada pelos países da OPEP.

 

 

Destaca-se ainda a grande complementaridade energética intra Brics, uma vez que China e Índia são grandes compradoras. Sendo assim, o debate sobre o uso de moeda alternativa ao dólar para o comércio pode alterar significativamente o volume dos recursos energéticos comercializados em dólar.

 

 

O crescimento do bloco vem sendo apontado como uma vitória para a China e como uma derrota para as economias menores, como a brasileira. Há ainda muitas incertezas sobre as reais vantagens dessa expansão para o Brasil. Conflitos internos e contradições intra bloco também levantam dúvidas quanto à força, o futuro e a capacidade de uma atuação comum dos Brics+. No entanto, apesar do ceticismo do Ocidente com relação ao grupo, trazendo à tona as assimetrias existentes, caberá ao Brasil buscar o seu interesse nacional dentro da nova configuração.

 

 

 

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Considerando o grande reforço no setor energético do bloco e o papel central que as petroleiras têm no processo de descarbonização, o Brasil poderia aproveitar esse potencial para imprimir maior escala e velocidade a sua transição energética. Adicionalmente, o crescente interesse das demais potências energéticas na transformação de suas matrizes tende a ampliar o leque de oportunidades nesse setor e, assim, além de avançar em direção a uma economia mais sustentável, o Brasil poderia ainda ganhar know how em um dos mercados mais promissores do futuro.

 

 

É notória a liderança do Brasil no desenvolvimento de energias renováveis e de outras vias tecnológicas para a transição energética, visando a mitigação de emissões de gases de efeito estufa. Além do crescimento acentuado da participação de energias eólica e fotovoltaica na matriz energética brasileira, muitos países também buscam o país para experiências e possibilidades para o uso de hidrogênio verde e seus derivados.

 

 

O Brasil possui uma das matrizes mais limpas do mundo e mesmo a produção de petróleo e gás é pouco emissora de CO2, se comparada à média dos países produtores. Entretanto, sabemos que a transição energética é um processo lento e não linear, que levará décadas e que exigirá enormes investimentos em ciência, tecnologia e inovação.

 

 

Nesse sentido, outro ponto relevante é a retomada dos aportes ao Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) e seu fortalecimento com a incorporação dos novos associados. Desde 2021, o banco também busca aumentar seu número de membros com o objetivo de ampliar a mobilização de fundos e a diversificação de seu portfólio. Uma das linhas centrais de atuação definida pela instituição é o suporte financeiro a projetos que ajudem os países membros a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, financiando energias renováveis e infraestruturas verdes. O NDB pode ser um importante instrumento de destinação de parte da renda petroleira investida em suas linhas de crédito para o financiamento em energias limpas e eficiência energética.

 

 

Os dados evidenciam que a questão energética terá centralidade no Brics+ e isso certamente interessa ao Brasil por seu pioneirismo no desenvolvimento e uso de energias limpas e na descarbonização de fontes fósseis. Entretanto, avançar nesse processo e desenvolver novas vias tecnológicas exigirão ampla articulação e capacidade de atrair investimentos, além de fazer o adensamento tecnológico interno, visando transformar essa vocação em vetor de desenvolvimento nacional e dando ao Brasil um novo papel na divisão internacional do trabalho.

 

 

Por isso, o novo cenário levanta dois importantes questionamentos aos quais o Brasil deve empenhar-se em responder: como pautar as energias renováveis dentro de um grupo que tem enorme força na renda petroleira e como criar uma janela de oportunidades para o desenvolvimento de novas tecnologias e inovação em direção à transição energética intra Brics, tendo o Brasil como liderança desse processo?

 


 

Artigo originalmente publicado em Poder360.

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