A saga dos conselheiros de Administração da Petrobras no governo Bolsonaro

Henrique Jager
Poder 360
A saga dos conselheiros de Administração da Petrobras no governo Bolsonaro

A Petrobras é a maior empresa de petróleo da América Latina e uma das maiores petrolíferas de Capital Aberto (com ações negociadas em Bolsas de Valores) do Mundo. Em uma companhia deste porte era de se esperar relativa estabilidade nos principais cargos da administração da empresa, garantindo continuidade e visão de médio/longo prazos. Mas não é isso que tem acontecido no governo Bolsonaro. Em três anos e 7 meses ocuparam a presidência da empresa 4 presidentes, uma média de permanência de 10,75 meses, o último ex-presidente ficou apenas 3 meses e 14 dias. No Conselho de Administração, composto por 11 membros, as mudanças também foram recorrentes. Entre os atuais e os que saíram são 29 e o governo já comunicou a empresa que vai trocar, no mínimo, mais 4, na assembleia que está marcada para o próximo mês agosto. A média de permanência de um conselheiro (15,27 meses), não é muito maior que a observada para o presidente da companhia e não soma nem um mandato, que é de dois anos, sendo que o conselheiro pode ser reconduzido por 2 vezes. Trocar presidentes da empresa com essa frequência não é normal, muito menos os membros do Conselho de Administração.

 

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De acordo com o Código de Governança do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC):

O Conselho de Administração, órgão colegiado encarregado do processo de decisão de uma organização em relação ao seu direcionamento estratégico, é o principal componente do sistema de governança. Seu papel é ser o elo entre a propriedade [acionistas] e a gestão [presidente e diretores] para orientar e supervisionar a relação desta última com as demais partes interessadas [com a sociedade ganhando cada vez mais importância entre estes últimos].

Não há dúvida que essas trocas frequentes no Conselho de Administração da Petrobras fragilizam o colegiado no cumprimento de suas funções.

 

Como destacado acima, o Conselho de Administração da Petrobras e composto por 11 membros e a indicação do conselheiro está regulada por diversos instrumentos: Lei das Sociedades por Ações (lei N° 6404/76 – Lei das S.A.); Lei das Estatais (13.303/16) e decreto regulamentador (Decreto N° 8.945/16); Incisos 1°, 2° e 3° do artigo 21 do Estatuto Social da Petrobras e; a política de indicação da empresa.

 

No Começo do governo Bolsonaro, com a União detendo direta ou indiretamente (por meio do BNDES/BNDESPAR e da Caixa Econômica Federal – CEF), 63,55% das ações ordinárias (com direito a voto na assembleia onde os membros do Conselho de Administração são eleitos) o Estado brasileiro indicava 8 conselheiros, os acionistas privados 2 e os trabalhadores da empresa elegiam um. Em junho/19, a CEF vendeu os 3,2% e, em fevereiro de 2020, o BNDES os 9,9% das ações ordinárias que controlavam. Com isso a participação da União nas ações ordinárias caiu para 50,5%. Após estas vendas os acionistas privados se organizaram e aumentaram sua participação no CA da empresa para 4 membros, a União ficou com 6 e os empregados mantiveram a indicação de um membro.

 

O aumento de 100% nos conselheiros eleitos pelos acionistas minoritários foi conquistado por meio do crescimento da participação acionária destes e da adoção do mecanismo de voto múltiplo na assembleia, previsto na Lei das S.A. Com o voto múltiplo, o acionista vota tantas vezes quanto o total do número de ações que ele tem multiplicado pela soma dos membros do Conselho de Administração, no caso da Petrobras é a quantidade de ações vezes 11; e a lei permite que esses votos sejam concentrados em um único nome, aumentando a capacidade dos minoritários elegerem seus representantes.

 

Nos Termos dos instrumentos legais vigentes e dos instrumentos internos, o Estatuto Social e a Política de Indicação de Membros da Alta Administração e do Conselho Fiscal, todos os indicados para o Conselho de Administração da Petrobras passam por um processo de análise de Conformidade e Integridade, com foco na análise do preenchimento dos requisitos, da idoneidade do conselheiro e na observação de possíveis conflitos de interesse.

A saga dos conselheiros de Administração da Petrobras no governo Bolsonaro

Foto: Rubem Porto Jr / Flickr.

Quando o atual presidente do Conselho de Administração da Petrobras foi indicado para o colegiado, o nome do mesmo passou pelo processo de checagem interna da empresa e o resultado foi enviado ao Comitê de Pessoas (COPE), composto por dois membros do Conselho de Administração e dois membros externos. Segundo registro da ata da 242° reunião do COPE, realizada em 08/04/2021, “O COPE, (…) não reconheceu o preenchimento dos requisitos previstos na Lei n° 13.303/2016 e na Política de Indicação da Petrobras” por parte dele, indicando impedimento em função de conflito de interesses. Quando da Assembleia o governo desconsiderou a manifestação do COPE/CA e elegeu o indicado, tendo este se tornado presidente deste colegiado tempos depois. Fato semelhante acontece neste momento, com o COPE/CA da empresa se manifestando contra a nomeação de dois conselheiros indicados na chapa da União, por ocuparem cargo comissionado no executivo federal – o que é vedado pela legislação, e o governo desconsiderando estes questionamentos e mantendo os nomes dos mesmos para avaliação da assembleia que vai ocorrer no próximo mês de agosto.

 

A ata da reunião 274° do COPE, concluída em 13/07/2022, que conclui pelo impedimento dos dois indicados ao Conselho de Administração destacados acima, apresenta outros dados interessantes, com destaque para: no agregado, os oito indicados respondem a 44 processos, seja administrativo – inclusive na CVM, seja na justiça; alguns em segredo de justiça. Um único indicado responde a 24 processos na justiça.

 

As informações apresentadas acima permitem concluir que os representantes dos acionistas privados aumentaram sua influência no Conselho de Administração da Petrobras em um momento que este colegiado se encontra fragilizado pelas constantes trocas de conselheiros, principalmente os indicados pelo governo. O problema é qual o perfil destes acionistas? São de curto prazo, que querem rentabilizar o máximo o capital no curto prazo, ou são acionistas de longo prazo que apostam no crescimento e na perenidade da empresa? A julgar pelo que vem sendo aprovado no CA, sempre com o voto favorável dos minoritários, tem prevalecido os interesses de curto prazo em detrimento da estratégia de longo prazo da Petrobras. Só isso justifica a privatização de ativos altamente rentáveis e estratégicos, antecipando resultados, mas fragilizando a empresa no futuro; a redução da diversificação da empresa, aumentando os riscos; e a saída de segmentos estratégicos para o futuro da Petrobras, como a produção de energia elétrica, por meio de parques eólicos em terra e no mar; o de biocombustíveis; fertilizantes e petroquímica. Só isso justifica os pagamentos bilionários de dividendos, superando os R$ 136 bilhões no primeiro semestre de 2022, com saque inclusive na conta de reservas de lucro. Em sintese, a venda destes ativos eleva os dividendos no curto prazo, mas coloca em risco o futuro da empresa e o Conselho de Administração da Petrobras vem conduzindo esse processo.

 


 

Artigo publicado originalmente no Poder 360.

 

Fontes:
COPE (2022) – Atas 242 e 247
IBGC (2009), Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa – 4° Edição

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