A guerra e a pandemia mostram que a transição energética na Europa ainda está distante

Rodrigo Leão, William Nozaki
Broadcast Energia
A guerra mostra que a transição energética na Europa ainda é muito mais desejo do que realidade

Nesta semana, a Alemanha anunciou a estruturação de um plano de contingência visando se preparar para uma possível escassez de petróleo e gás russo nas próximas semanas ou meses. Esse plano passa muito mais por medidas de contenção da demanda do que pela adoção de fontes renováveis para substituir o gás natural russo. E, caso essas medidas sejam insuficientes, a estratégia não é apostar em energias limpas, mas sim em outras fontes como nuclear. O peso relevante de petróleo e gás no consumo energético associado a inúmeras dificuldades técnicas e regulatórios são barreiras consideráveis para alavancar as fontes limpas no curto prazo.

 

Nesta semana (30/03), o ministro da Economia, Robert Habeck, divulgou o início da montagem de um plano de contingência energética por conta das crescentes tensões para manter o comércio de gás russo. “Não há escassez de oferta atualmente, mas devemos aumentar nossa preparação e estar prontos para o caso de uma escalada da Rússia”, disse o ministro.

 

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O presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que pretende operacionalizar todo o comércio de gás por meio do rublo em substituição ao euro. Isso seria uma forma de “escapar” de uma das sanções econômicas impostas pelo Ocidente de proibir negócios em rublos. Ou seja, Putin quer forçar os países europeus a voltar a utilizar o rublo para reinseri-lo no circuito financeiro global.

 

A guerra mostra que a transição energética na Europa ainda é muito mais desejo do que realidade

Terminal de gás natural Dimlington, no Reino Unido. Foto: Mat Fascione.

Nesse cenário, as empresas alemãs teriam duas opções: (i) ceder às pressões russas e não cumprir as sanções estipuladas pelos países europeus ou; (ii) interromper a compra do gás russo e colocar a segurança energética alemã sob ameaça.

 

Apesar da motivação do plano ser uma possível escassez de oferta, o plano privilegia medidas que visam conter a demanda por energia do país. Num primeiro estágio, o plano busca negociar medidas para redução de industriais não essenciais. Nos estágios seguintes, outras indústrias e serviços não essenciais também são objeto de ações de contenção de demanda. E, num último estágio, o alvo é o consumo residencial.

 

A priorização pela redução do consumo como forma de se proteger de uma escassez de gás natural russo é a proposição de outras institutos especializados em energia. O think tank europeu IDDRI também sugere um conjunto de ações focadas no consumo para diminuir a dependência energética da Rússia.

 

Em um Policy Brief publicado esta semana, o IDDRI propõe alguns princípios para acelerar o fim das importações de gás natural da Rússia para a Europa. Para conseguir isso, os países europeus devem acelerar a implementação de suas políticas de descarbonização, em particular estratégias de redução da demanda de energia. Isto significa aumentar a ambição na área de modernização de edifícios, o que pode ter um impacto a curto prazo. Além disso, existem medidas cujo efeito se limita ao curto prazo, como o racionamento voluntário ou regulado do consumo de energia e a diversificação dos suprimentos, desde que não conduzam a um bloqueio do consumo de energia fóssil.

 

Todavia, a depender do grau de redução da oferta de gás russo, o foco apenas na demanda pode ser insuficiente para evitar um cenário ainda mais devastador. Nesse caso, seriam necessárias a adoção de medidas para ampliar a oferta de outras fontes energéticas que não o petróleo e gás natural.

 

Os defensores das energias renováveis alegam que esse seria o momento adequado para acelerar a substituição do petróleo e gás russo por fontes limpas. Esse desejo, porém, esbarra numa série de dificuldades.

 

 

No petróleo, por exemplo, de acordo com dados da bp, a dependência líquida da Europa de importações em 2020 girou em torno de 9 milhões de barris por dia (mbpd) – o equivalente a 18,77 exajoules –, sendo que 44% de petróleo foi oriundo da Rússia (4 milhões de barris por dia ou 8,25 exajoule). O consumo total da Europa de renováveis naquele ano foi de 8,94 exajoule. Ou seja, para substituir todo o uso de petróleo russo, a Europa teria de praticamente dobrar a produção de renováveis. Se incluirmos o gás natural nessa conta, o valor seria consideravelmente maior.

 

Além da gigantesca escala necessária para substituir o petróleo e gás russo, há inúmeros desafios técnicos e regulatórios a serem superados para alavancar o desenvolvimento de energia limpa na Europa.

 

A capacidade de gerar, transportar e armazenar a baixo custo um combustível de substituição limpo como o hidrogênio ainda está a anos luz de distância.

 

A Siemens Gamesa, que é a principal fabricante mundial de turbinas eólicas offshore, investe em um veículo chave para atingir as metas climáticas. A empresa também está trabalhando em uma turbina gigante que seria dedicada exclusivamente à produção de hidrogênio verde. No entanto, os resultados financeiros do projeto, até o momento, têm sido frustrantes, o que tem aberto uma discussão na empresa se agora é o momento ideal para alavancar o negócio.

 

Os executivos da indústria dizem que, apesar das enormes ambições climáticas de muitos países, a Siemens Gamesa e seus concorrentes estão lutando para ter lucro e manter os pedidos que chegam com rapidez suficiente para financiar suas fábricas.

 

Há ainda questões regulatórias essenciais. Morten Pilgaard Rasmussen, diretor de tecnologia da unidade eólica offshore da Siemens Gamesa, disse que a identificação de áreas adequadas para turbinas eólicas e a obtenção de licenças necessárias para a construção levam “muito tempo”. Os impactos sobre a atividade de pesca e exercícios navais, por exemplo, são alguns dos aspectos que dificultam o aval para o início dos negócios.

 

Isso mostra que uma completa substituição de gás russo por energia renovável ainda é algo completamente inviável e exige um conjunto imenso de ajustes empresariais, regulatórios e tecnológicos. Por isso, no curto prazo, já há alguns países trabalhando na possibilidade de aumentar o uso de energia não limpas, como a nuclear.

 

A própria Alemanha já manifestou o interesse de instalar novas usinas nucleares com baixo emissão. Na Grã-Bretanha, o governo já cogitou a possibilidade de construir uma série de pequenos reatores de fusão nuclear, uma tecnologia promissora, mas ainda não comprovada, de acordo Patricia Cohen e Stanley Reed do The New York Times.

 

Essa dificuldade não se manifestou somente no período de guerra. Durante a pandemia da COVID-19, por exemplo, Dada a queda histórica no preço do barril de petróleo, as empresas do setor passaram a adotar planos de resiliência e ajustes financeiros e operacionais. Os países com empresas especializadas passaram a sofrer mais intensamente com a redução na demanda por QAV, óleo diesel e gasolina provocada pela pandemia. Nesse sentido, alguns players chegaram a reduzir negócios em energia limpa, tendo em vista a dificuldade financeira de realizar novos investimentos por conta da queda do preço do barril do petróleo.

 

Voltando à guerra, evidentemente que os renováveis são parte do portfólio de negócios que auxiliam nesse processo da redução de dependência da energia russa. Todavia, no curto prazo, eles são insuficientes e, muito provavelmente, nem mesmo o uso de outras fontes é capaz de eliminar totalmente a necessidade do petróleo e do gás russo.

 

Não apenas a transição energética tem um longo caminho a percorrer, mas a própria “transição” para reduzir a dependência europeia do petróleo e do gás russo.

 


 

Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

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