A desintegração do parque de refino da Petrobras

Cloviomar Pereira
Revista Fórum

Quando um país abre mão de grandes empresas em setores estratégicos significa delegar nossa trajetória de desenvolvimento a interesses que não são necessariamente os da sociedade brasileira

A Petrobras anunciou, na última semana, sua nova estratégia e modelo a ser adotado para o parque do refino no Brasil. Ainda em fase de estudo, pois precisaria ser aprovado por outras instâncias da companhia, inclusive por seu Conselho de Administração, o modelo tem os seguintes objetivos: “melhorar a composição do portfólio da companhia no médio e longo prazos, estabelecer parcerias para mitigação de riscos, viabilizar investimentos no setor por meio desses novos agentes. O programa de parcerias e desinvestimentos faz parte do Plano de Negócios e Gestão e também integra o esforço para a redução da dívida da Petrobras”.

Este anúncio não pode ser visto como uma novidade, pois desde a chegada de Pedro Parente na empresa, a Petrobras tem demonstrado o interesse em reduzir sua participação no refino. Em maio de 2017, por exemplo, em uma entrevista concedida em Houston sobre os a reformulação do plano de desinvestimentos da Petrobras, Perente afirmou que o refino deveria ser incluído na lista de ativos a serem vendidos: “os ativos são mais ou menos os mesmos, mas agora também vamos começar a falar sobre refino. Refino é importante para a Petrobras. Mas acreditamos que não é bom para a empresa nem para o país concentrar 100% do refino na mão de uma única empresa”.Vale lembrar que em março de 2017, foi lançado pelo governo Temer um documento chamado “Combustível Brasil – Setor de Combustíveis e Derivados de Petróleo” e contava com a colaboração da Petrobras, representantes do governo e da iniciativa privada em sua formulação. Nele fica claro a estratégia apontada pela Petrobras para o segmento de refino, transporte, armazenamento e comercialização de derivados. Esta estratégia teria três pilares: 1) “a promoção de uma nova política de preços e a maximização de margens na cadeia de valor; 2) a não garantia integral do abastecimento do mercado brasileiro, por entender que, em sua lógica de negócios, há a previsão do ingresso de mais agentes para o atendimento total da demanda; e; 3. o desenvolvimento de parcerias no downstream, possibilitando a introdução de outros atores no refino e na logística.”

Neste sentido, tanto na atual política implementada pelo governo Temer, como na da gestão Pedro Parente na Petrobras, a estratégia central para o refino é a de atrair investidores privados a fim de aumentar a concorrência neste setor dentro do país. As medidas adotadas pela Petrobras de reduzir a capacidade de utilização de suas refinarias, estimulando a importação de derivados por agentes privados (nacionais e internacionais), bem como a política de paridade de preços com o mercado internacional, já poderiam ser consideradas como uma “preparação” para facilitar a entrada de novos agentes.

O modelo a ser adotado para as refinarias prevê a busca de parceiros para as refinarias Abreu e Lima (RNEST) em Pernambuco, Landulpho Alves (RLAM) na Bahia, Alberto Pasqualini (Refap) no Rio Grande do Sul e Presidente Getúlio Vargas (Repar) no Paraná. O projeto inclui também os ativos logísticos (dutos e terminais) administrados pela Transpetro diretamente associados a essas refinarias. Nessa proposta, a Petrobras teria participação de 40% nas empresas formadas com os parceiros e manteria 75% da capacidade de refino nacional.

A proposta apresentada pela Petrobras é de criar 5 “blocos regionais” do seu parque de refino, como unidades de negócio do refino: Norte, Nordeste, Sudeste (menos São Paulo e Sul de Minas Gerais), Centro-oeste (mais São Paulo e Sul de Minas Gerais), Sul (com parte de Mato Grosso do Sul). Também propõe uma venda de forma integrada dos dois setores (logística e refino), com “pólos integrados”. O objetivo seria atrair empresas privadas “parceiras” pois, segundo a Petrobras, favorece poder de precificação regional, captura os ganhos dos dois setores e garante acesso aos mercados regionais. Além disso garante que investimento nos dois setores serão agora compartilhado e reduz a concorrência de outros atores nos dois setores (inclusive as próprias refinarias da Petrobras). O resultado disso será a perda de integração com outros setores da Petrobras (como E&P e Distribuição), além de criar uma competição entre as refinarias da própria Petrobras.

O mais interessante, apresentado na tabela abaixo, é que três das refinarias que serão vendidas estão com a capacidade de produção (em janeiro de 2018) muito baixa, na faixa de 56%, bem abaixo da média nacional (71%). Somente a refinaria de Pernambuco está acima desta média. Além disso, quando retiramos as 4 refinarias a serem vendidas, a média de capacidade de refino da Petrobras sobe de 71% para 75%, a mesma marca que a empresa está sugerindo atingir após a venda das 4 refinarias. A disparidade da capacidade de uso entre as refinarias que compõem o plano de parcerias e as demais sinaliza que a gestão da Petrobras, ao longo dos últimos anos, realizou uma redução deliberada da utilização dessas unidades. Com isso, aumenta-se o potencial de ganhos no curto prazo para os possíveis parceiros que ingressarem no negócio.

Tabela 1 – Informações sobre as refinarias da Petrobras anunciadas para vendas e outros ativos.

A importância do setor de refino para o Brasil

O Brasil é o 7º maior consumidor de derivados do mundo, com 2,3 milhões de barris/dia. Segundo a própria Petrobras, há uma tendência de crescimento de 1,8% neste mercado até 2030, chegando a 2,9 milhões de barris/dia. A Petrobras, até o momento, é responsável por 99% da produção de refino no país. Com uma política de redução da utilização das refinarias, a importação de derivados por outras empresas privadas (terceiros) aumentou muito, chegando a 51% do total de derivados importados em 2017 e, com isso, a Petrobras tem perdido mercado.

Segundo relatório publicado mensalmente pelo Ministério de Minas e Energia, com dados de janeiro de 2018, as 4 refinarias que serão vendidas representaram 33% do que a Petrobras produziu neste mês, e ainda 40% da capacidade instalada da Petrobras no refino brasileiro. Neste sentido, a Petrobras está abrindo mão do controle de 40% da sua capacidade de refino no país, mesmo depois de ter consolidado os investimentos (de criação e reformas) destas refinarias. Além disso, está criando competidores para si mesma, em um mercado muito rentável e que tinha total controle.

Para o Brasil, e principalmente para os estados onde estão localizadas as refinarias, não há investimento novo acontecendo. Quem comprar parte das refinarias estará repassando o dinheiro para a Petrobras e não é considerado novo investimento. Novo investimento aconteceria se fossem construídas novas refinarias ou expansão das mesmas. Não há garantias de que os potenciais parceiros irão realizar novos investimentos também, gerando renda e empregos no setor.

Outra consequência da venda destas refinarias está no abastecimento de derivados nestes Estados, uma vez que os novos parceiros podem, por exemplo, priorizar a importação de derivados a depender dos movimentos de mercado. A lógica passa a ser o lucro, não mais o atendimento à segurança energética e, além disso, não há garantias da qualidade dos bens e serviços prestados.

Por fim, quando um país abre mão de grandes empresas em setores estratégicos significa delegar nossa trajetória de desenvolvimento a interesses que não são necessariamente os da sociedade brasileira. As empresas estatais têm função essencial no desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária e abdicar delas é abdicar do próprio desenvolvimento econômico e social de um país.


Artigo publicado na Revista Fórum.

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