O tamanho da crise do petróleo está atrelado às políticas de armazenagem e estocagem

Rodrigo Leão, William Nozaki
EPBR

É muito difícil mensurar toda a capacidade de armazenagem global de petróleo, tanto por se tratarem de dados estratégicos que nem sempre são divulgados, quanto pelo fato de que os países utilizam métricas diferentes de medição. Foto: epbr

A redução da demanda global por petróleo e a queda nos preços do barril, provocadas pelas crises sanitária e energética, acenderam o sinal de alerta para que Estados e empresas reorganizassem suas políticas de estocagem e a gestão de suas reservas estratégicas e comerciais de hidrocarbonetos e derivados.

Enquanto países consumidores como China e Índia investem em infraestrutura de armazenagem e financiam a estocagem de óleo e derivados, países produtores como EUA e Rússia sofrem com as limitações de seus tanques e dutos.

A China, maior importadora do mundo, por meio de suas agências governamentais e empresas estatais, está conduzindo um ação coordenada de estocagem, a meta inicial é manter um estoque estatal que equivalha a 90 dias de importações líquidas nas reservas estratégicas do país, mas esse montante pode chegar a 180 dias caso sejam incluídas as reservas comerciais das petrolíferas chinesas.

A consultoria SIA Energy estimou que a China teria entre 928 milhões e 996 milhões de barris de petróleo armazenados entre março e abril. Como o tamanho atual das reservas estatais da China não é completamente conhecido, a consultoria Wood Mackenzie estima que, ao longo de 2020, o volume de petróleo adquirido pelos chineses poderia equivaler à compra de 80 milhões a 100 milhões de barris adicionais.

Na Índia, por seu turno, o ministro do petróleo, Dharmendra Pradhan, anunciou nas últimas semanas que as refinarias do país estão armazenando cerca de 234 milhões de barris, estando 183 milhões de barris em tanques e oleodutos e outros 51 milhões de barris em navios e instalações flutuantes. A fim de apoiar empresas que têm sofrido para encontrar locais de armazenagem, e sido impactadas por cobranças em função de atrasos no descarregamento de novas entregas, a Índia absorveu cerca de 5 milhões de toneladas de petróleo de algumas refinarias estatais para o preenchimento de suas reservas estratégicas.

Apesar disso, segundo Florian Thaler, CEO da consultoria OilX, a capacidade de armazenamento da Índia já está próxima do seu limite, uma vez a tal capacidade já atingiu algo entre 90-95%.

Nos EUA, de acordo com analistas do Morgan Stanley, estima-se que o armazenamento de petróleo deve atingir sua capacidade máxima de 522 milhões de barris até junho. Em Cushing, Oaklahoma, o principal centro de armazenagem do país, o estoque já atingiu cerca de 56 milhões de barris, sua capacidade total de armazenamento é de 76 milhões de barris, segundo a U.S. Energy Information Administration (EIA).

Na Rússia, a situação não é menos dramática, de acordo com Dmitry Perevalov, ex vice-presidente da petroleira Slavnet Oil & Gas, os reservatórios já começam e entrar em falta. A Transneft, operadora da rede de oleodutos da Rússia, é a responsável pela maior capacidade de armazenamento do país, cerca de 145 milhões de barris, e já se encontra com uma quantidade de petróleo além do considerado adequado para a manutenção do fluxo de embarques e desembarques.

É muito difícil mensurar toda a capacidade de armazenagem global de petróleo, tanto por se tratarem de dados estratégicos que nem sempre são divulgados, quanto pelo fato de que os países utilizam métricas diferentes de medição.

Mas os sinais de que a capacidade de estocagem está chegando ao seu limite de maneira acelerada se mostra pelo fato de que se tornam mais frequentes as notícias de que os operadores estão procurando locais cada vez menos tradicionais, além dos tanques e navios, trens e até mesmo cavernas de sal tem sido utilizadas pelos países escandinavos. Além disso, o valor de mercado das transportadoras marítimas de petróleo tem disparado nas bolsas de valores, empresas como Glencore, Nordic American Tankers, Scorpio Tankers, Trafigura e Tsakos Energy Navigation tem se valorizado significativamente.

O processo de escassez da estocagem de petróleo, principalmente em grandes consumidores, como Índia e EUA, afetam não apenas os produtores locais, como também os grandes exportadores de petróleo. Ou seja, os países cuja estratégia está calcada na venda de petróleo para o exterior podem ser obrigados a reduzir abruptamente sua produção, caso os grandes demandantes reduzam suas compras em função dessa escassez.

Dessa forma, para os grandes exportadores de petróleo, o êxito dessa estratégia no curto prazo dependerá, por um lado, se esses países conseguirão ampliar sua capacidade de armazenamento e, por outro, se retomarão de maneira acelerada suas importações de petróleo.

Nesse sentido, ainda há uma grande incerteza. Os EUA continuam com sua demanda extremamente reprimida e, por isso, já reduziram no último mês (abril de 2020) as suas importações em mais de um milhão de barris por dia. A China, que espera retomar o consumo a partir de junho, aumentou suas importações em abril, por conta da sua política de manter estoques elevados de petróleo e também em razão do aumento de fator de utilização de suas refinarias.

Nesse cenário, a Petrobras tem se aproveitado dessa política de China e Índia para elevar suas exportações de petróleo e, dessa forma, não ser obrigada a fazer um grande ajuste da sua produção. O êxito dessa solução de curto prazo esbarrará na política de estocagem desses países, bem como na velocidade em que eles recuperarão suas economias.

Embora seja importante que a petrolífera brasileira encontre saídas de curto prazo para evitar uma brusca redução da sua produção, cabe salientar que tal saída está sempre subordinada à estratégia de terceiros países. Por isso, ela deve ser uma e não a única forma de lidar com a atual crise do mundo do petróleo.

(*) William Nozaki é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep) e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

(**) Rodrigo Leão é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep) e pesquisador visitante da Universidade Federal da Bahia.

Artigo publicado originalmente em epbr.

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