Os diferenciais de preços de derivados no Norte do país
CartaCapital
A Região Norte enfrenta um diferencial significativo de preços dos derivados de petróleo no Brasil. Em relação aos preços finais ao consumidor, verifica-se que tanto a gasolina comum quanto o diesel S10 apresentaram valores aproximadamente 5% superiores em comparação com outras regiões ao longo dos últimos 12 meses.
Destaca-se que, no caso da gasolina, esse diferencial chegou a atingir mais de 8% em novembro do ano passado. Tal comportamento de preços diferenciados também se estende ao gás liquefeito de petróleo (GLP), conhecido como gás de cozinha.
A segunda região com menor renda per capita do país, superada apenas pelo Nordeste, arca com os maiores preços dos combustíveis no âmbito nacional. Esta situação é particularmente preocupante no caso do GLP, um insumo tão necessário à população mais pobre.
Ao avaliar a questão, existem alguns pontos importantes que devem ser levados em consideração. O primeiro deles diz respeito às distâncias na Região Norte. Essa região é extensa, com dificuldades de deslocamento na maior parte de seu território, sendo parte dele acessível apenas por transporte fluvial, o que pode ser ainda mais complicado nos períodos chuvosos.
Assim, de um lado, temos um custo de transporte que deve ser considerado; de outro, uma proteção natural contra a concorrência na formação de preços. Quem abastece determinada área da região passa a usufruir de uma vantagem significativa na formação dos preços, sendo protegidos dos concorrentes pelas grandes distâncias.
Vale observar também que a região conta com apenas uma refinaria, a antiga Refinaria de Manaus (de 1957). Originalmente privada (Refinaria Isaac Sabbá), passou à Petrobras (REMAN) nos anos 1970 e foi privatizada novamente ao apagar das luzes do governo Bolsonaro, em novembro de 2022, sendo adquirida pelo grupo Atem e renomeada como REAM (Refinaria da Amazônia).
A partir de meados dos anos 1990, essa refinaria foi modernizada e teve sua capacidade de processamento ampliada de 5 mil para 47 mil barris/dia. Inicialmente, a refinaria foi concebida para abastecer todos os estados da Região Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima), com exceção do Tocantins. No entanto, sua produção atual mal atende à demanda do Amazonas, e uma parcela considerável do consumo regional continua a ser suprida por meio de importações.
O grupo Atem, que assumiu a refinaria, manteve seu centro de atividades no transporte e na comercialização de derivados na região. Como resultado, grande parte do consumo regional é complementada por importações, e o grupo aparenta ter pouco interesse em fazer os investimentos necessários para ampliar sua capacidade de produção.
A proximidade da Região Norte com a área produtora do Golfo do México, nos EUA, facilita a importação de derivados. No entanto, é relevante destacar que, durante o surto de importações em 2023, o porto de Manaus registrou uma entrada significativa de diesel russo, apesar da distância percorrida.
E esse processo seguiu em 2024. Entre janeiro e abril de 2024, o Brasil registrou importações totais de aproximadamente US$ 2,74 bilhões. Deste montante, US$ 1,75 bilhões (64,1%) foram provenientes da Rússia.
O Porto de Manaus desempenhou um papel significativo, sendo a porta de entrada para US$ 474 milhões em importações de diesel russo, o que corresponde a 17,3% do total geral das importações e a 27,0% do total de diesel russo importado pelo Brasil, de acordo com os dados disponíveis no Comex Stat do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
A REAM, ao importar derivados, mira fortemente o Preço de Paridade de Importação (PPI) como principal referência para determinar seus preços.
Contudo, desde que a Petrobras adotou uma política mais ativa para estabilizar os preços da gasolina (a partir de outubro de 2023) e do diesel (a partir de dezembro de 2023), a REAM passou a reduzir os seus diferenciais de preços em relação ao PPI, especialmente no caso do diesel.
Possivelmente, para diversos estados como Pará e Amapá (que recebem suprimentos via transporte marítimo) e Rondônia e Acre (abastecidos pelo Centro-Oeste), a Petrobras oferece uma capacidade competitiva significativa, levando a REAM a moderar seus diferenciais de preços.
Entretanto, os demais estados do Norte estão dependentes da oferta da refinaria de Manaus, ou seja, de um quase monopólio regional privado.
A questão do abastecimento regional a preços menores é fundamental para o desenvolvimento da Região Norte.
A operação com preços mais baixos exigiria, em alguma medida, o suprimento da demanda local a partir da própria região, devido aos elevados custos de transporte e às grandes distâncias envolvidas. Isso também pressupõe a ampliação da capacidade de refino local e a implementação de uma política de preços nacionalizada que não permita a exploração das distâncias para práticas monopolistas de preços na região.
Assim, o planejamento do abastecimento regional, especialmente em relação à demanda futura, exige a articulação de uma política de desenvolvimento regional com uma política que garanta a provisão de derivados de petróleo para o Norte do país.
Essa política, além de assegurar o fornecimento de tais produtos, deve garantir a estabilidade dos preços, evitando flutuações bruscas e margens de rentabilidade que comprometam a viabilidade econômica de outros negócios dependentes desses insumos. Isso só poderia ser alcançado de forma efetiva por uma empresa que garanta o fornecimento à região, embasada em uma visão estratégica e de longo prazo.
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Entretanto, essas questões estão ainda em fase preliminar de discussão e exigem uma combinação coerente entre uma estratégia nacional de produção e abastecimento de derivados de petróleo e uma política de desenvolvimento regional.
É essencial que o objetivo de ampliar a capacidade local de refino esteja nitidamente delineado na formulação dessas políticas; contudo, hoje, podemos observar que isso ainda não é uma realidade. E essa integração de políticas públicas não é tão simples, dado que requer necessariamente uma concertação efetiva entre agentes públicos e privados, levando em consideração uma gama de fatores de ordem regional, nacional e internacional.
Artigo publicado originalmente na CartaCapital.