A Petrobras e o plano Nova Indústria Brasil

André Tokarski
CartaCapital
Refinaria Riograndense (Repar). Foto: João Paulo Ceglinski/Agência Petrobras.

A agenda proposta pela Nova Indústria Brasil anima expectativas quanto à reestruturação do Estado sob um viés democrático e emancipatório.

 

Com o propósito de promover o avanço tecnológico e o desenvolvimento de novas atividades produtivas, a nova política industrial foi elaborada de forma coordenada entre o setor público e a iniciativa privada. Entidades da classe industrial, como a Fiesp e a CNI, já manifestaram apoio à iniciativa.

 

Refinaria Riograndense (Repar). Foto: João Paulo Ceglinski/Agência Petrobras.

Revigoramento da indústria e sustentabilidade; adensamento das cadeias produtivas; elevação da complexidade econômica e tecnológica; as três premissas da nova política industrial se relacionam diretamente com a atividade da Petrobras, embora não haja menção à empresa no plano. (Na imagem, a Refinaria Riograndense – Repar. Foto: João Paulo Ceglinski/Agência Petrobras.)

 

O plano apresenta a política industrial que o Governo brasileiro pretende implementar nos próximos 10 anos. De modo sintético, tem como objetivos: (i) estimular o progresso técnico e o aumento da produtividade; (ii) ampliar o aproveitamento das vantagens comparativas do país; (iii) reposicionar o Brasil na divisão internacional do trabalho e no comércio internacional.

 

A criação de empregos de qualidade, o crescimento econômico e a definição de prioridades nacionais, a produção de energias limpas e de baixo carbono e a inovação nos sistemas de saúde figuram entre as prioridades anunciadas.

 

A indústria 4.0 recolocou no centro do debate o papel do Estado na coordenação e liderança de políticas de inovação tecnológica, acirrando a concorrência empresarial e interestatal pelo domínio da fronteira do conhecimento científico.

 

As três maiores economias do mundo, EUA, China e Alemanha, também adotaram estratégias explícitas de políticas industriais integradas a objetivos de inovação tecnológica. Em comum, visam desenvolver a manufatura avançada, implementam políticas de inovação articuladas com políticas industriais, elevado investimento em educação, forte cooperação com o setor privado, estratégias de transferência de tecnologia e fortalecimento dos instrumentos de financiamento de longo prazo, como bancos de desenvolvimento e agências de fomento[1].

 

Imagem retangular com fundo branco e bordas azuis; o texto chama o público a se inscrever na lista de transmissão do Ineep no WhatsApp.

 

 

Uma das missões do NIB trata da valorização da bioeconomia, da descarbonização, da transição e segurança energética. O Brasil possui a vantagem comparativa de já dispor de abundantes fontes de energias renováveis, o desafio é melhorar o seu aproveitamento em benefício do desenvolvimento e do aumento da complexidade econômica.

 

Em que pese a previsão de um detalhamento futuro a respeito do papel das empresas estatais, chamou a atenção a falta de menção à Petrobras e ao setor de produção e exploração de petróleo no plano de ação apresentado até aqui.

 

A Petrobras foi decisiva para a implementação e capacitação da indústria local de bens de capital[2]. A política de compras nos anos iniciais, após a sua criação na década de 1950, foi determinante para a construção de um parque nacional de produção de equipamentos e serviços, inicialmente focado na estruturação de um parque de refino, o que contribuiu para a formação do setor de bens de capital.

 

Segundo o Balanço Energético Nacional de 2023, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a participação de renováveis na matriz elétrica brasileira no ano de 2022 foi de 87,9%, já nos países membros da OCDE os renováveis representaram, em média, 30%. Ou seja, um bem ou serviço produzido no Brasil teria uma pegada de carbono três vezes menor do que o equivalente produzido em um país integrante da OCDE.

 

O país ainda dispõe de um enorme potencial de expansão da oferta de energia eólica e solar a um custo altamente competitivo, entretanto não possui uma indústria de fornecedores de máquinas e equipamentos para a produção de energias renováveis e a maior parte dos projetos em implantação para produção de hidrogênio de baixo carbono visa a exportação para suprir a demanda europeia de renováveis.

 

No caso do petróleo, o Brasil enfrenta um impasse: o país tornou-se exportador de petróleo cru, mas é dependente da importação de derivados para garantir o abastecimento do mercado interno de combustíveis. No ano de 2022, o petróleo ocupou a segunda posição na pauta brasileira de exportações (43,1 bilhões de dólares)[3], ao passo que o primeiro item da pauta de importação foram os derivados, especialmente diesel e gasolina (23 bilhões de dólares)[4].

 

Caso o país retome uma trajetória de crescimento do PIB a taxas superiores a 3% ao ano, dependerá ainda mais da importação de combustíveis. Sem a ampliação do parque de refino, o Brasil deverá desembolsar quantias bilionárias para importar cada vez mais derivados.

 

A superação do subdesenvolvimento não decorre do mero acúmulo quantitativo de crescimento econômico: ela só se dará por meio de uma mudança qualitativa da estrutura produtiva e social.

 

Essa mudança qualitativa está diretamente relacionada ao aumento da complexidade econômica do país, associada à diversificação produtiva, à agregação de valor na produção nacional e seria definida pela ubiquidade e variedade de produtos na pauta exportadora[5].

 

A retomada da política de conteúdo local, da margem de preferência nas compras públicas e das encomendas tecnológicas são instrumentos fundamentais para a estruturação de uma cadeia nacional de fornecedores competitiva e preparada tecnologicamente para fazer frente à demanda por bens e serviços de média e alta tecnologia.

 

Nesse sentido, não se pode prescindir da Petrobras e da produção de equipamentos e serviços voltados à indústria do petróleo no processo de reindustrialização do país. É preciso reverter a tendência da especialização da exportação de petróleo cru e importação de derivados. Também deve-se levar em conta a revisão dos acordos de leniência envolvendo o STF e as grandes empresas de engenharia nacional.

 

A tentativa de recuperar a trajetória do crescimento econômico do país não pode prescindir das tecnologias e conhecimentos acumulados por essas empresas. O desafio de promover a nacionalização da produção de equipamentos para a geração de energia renovável (presente na Missão 5 da NIB) não substitui a relevância econômica e o conhecimento tecnológico acumulado no setor de produção de equipamentos e serviços para a indústria do petróleo. 

 

 

Referências

 

[1] Ver mais em: Inovação, manufatura avançada e o futuro da indústria: uma contribuição ao debate sobre as políticas de desenvolvimento produtivo (p.641-647) / Organizador: Jackson De Toni – Brasília : ABDI, 2017.

 

[2] ALVEAL CONTRERAS, Edelmira del Carmem. Os desbravadores: a Petrobras e a construção do Brasil industrial. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ANPOCS, 1994.

 

[3]Dados extraídos do Observatory Economic Complexity:  https://oec.world/en/profile/bilateral-product/crude-petroleum/reporter/bra. Acessado em 06/03/2024.

 

[4] Dados extraídos do Observatory Economic Complexity: https://oec.world/en/profile/bilateral-product/refined-petroleum/reporter/bra. Acessado em 06/03/2024.

 

[5] GALA, Paulo. Complexidade econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Contraponto: 2017.

 


 

Artigo originalmente publicado na CartaCapital.

Comentar