Venda de receitas da PPSA é prejuízo para a União
Poder 360
Quando foi criada, em 2010, a Petróleo Pré-Sal SA (PPSA) tinha algumas funções como empresa integralmente estatal:
- representar a União nos consórcios ganhadores das áreas do pré-sal e das áreas estratégicas, com o objetivo de minimizar o custo-óleo;
- comercializar o petróleo correspondente a essa parcela e repassar as receitas para o Fundo Social;
- cuidar das áreas unitizáveis das zonas adjacentes de áreas sob controle dos consórcios e das empresas.
A PPSA diferia da Petrobras – que não era 100% estatal e tinha funções operativas e de investimento – e também da ANP – que era uma agência que cuidava das regulações e do controle das empresas petrolíferas. Os contratos de partilha, geridos pela PPSA, se diferenciam estruturalmente dos contratos de concessão porque nesses últimos o petróleo extraído pertence às empresas que investiram na sua exploração. No regime de partilha, o petróleo continua pertencendo à União que ressarce o custo-óleo às empresas e sua parcela no excedente em óleo (profit oil).
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As receitas futuras dos contratos de partilha tendem a crescer com o aumento da produção dos campos do pré-sal. É essa riqueza futura que o governo quer antecipar com a venda dos direitos de receber esse fluxo futuro. Para os que ousarem comparar, o contrato de cessão onerosa, de 2010, que viabilizou grande parte da produção atual de petróleo do Brasil, especialmente nos campos de Búzios, na Bacia de Santos, foi muito diferente do que agora se pretende com a venda das receitas futuras da PPSA.
Em 2010, a Petrobras adquiriu do governo o direito de produzir volume fixo de produção (5 bilhões de barris), de reservatórios conhecidos e identificados, com recursos atestados por certificadoras independentes, antecipadamente pagos, em substituição às participações especiais e com royalties maiores.
Agora não. O que se vende é uma receita incerta, sem localização e processo exploratório definidos, o que levará à exigência de um grande desconto por parte do mercado para antecipar essa receita futura.
Além das questões referentes ao próprio projeto de lei encaminhado pelo governo federal, há que se considerar a conjuntura econômica e seu impacto sobre os fluxos financeiros referentes a petróleo e gás natural. As incertezas sobre o comportamento futuro da demanda e da oferta mundial são componentes de riscos que baixam o valor presente dos fluxos futuros relacionados com esses produtos. Adiciona-se a isso a situação eleitoral do Brasil: com possível mudança de governo, as taxas de desconto que o mercado financeiro utilizará nos cálculos do valor presente tenderão a puxar para muito baixo esse valor.
O projeto de lei levado ao Congresso apresenta várias dúvidas técnico-operacionais. Os adquirentes das receitas futuras serão privados, substituindo um ente integralmente estatal (PPSA), criado especificadamente para cuidar dos interesses da União nos consórcios. O que garantirá que o ente privado exerça esse papel, resguardando os interesses da União? Não está claro.
Aparentemente, os termos dessa operação de securitização se aplicarão apenas às novas áreas a serem licitadas pelo contrato de partilha. O artigo 1º estabelece que os fluxos futuros a serem vendidos se referem a áreas não contratadas do pré-sal e de zonas estratégicas. Ou seja, este artigo insinua o papel do novo ator privado nos processos de unitização com áreas adjacentes às já outorgadas e novas áreas, antes das licitações das mesmas, e, portanto, sem conhecimento adequado para reduzir os riscos exploratórios. O que acontecerá se o contrato de partilha de produção for revogado por decisão legislativa? Não está claro.
Não se explicita se haverá 2 leilões, um para as áreas a serem outorgadas e outro para a gestão das receitas do governo, já que o projeto de lei possibilita a venda ou não das mesmas operações de securitização. Se existirem 2 leilões, como fica a questão do conflito de interesses e dos direitos de preferência dos consorciados? Não está claro.
Em relação aos conflitos de interesse, há menções explícitas à substituição da PPSA (§1º, Art. 1º), mas não se fala de repartição de custos e redefinição de papéis nos comitês operacionais dos consórcios, remetendo tudo para cada contrato, sem qualquer transparência. A lei de partilha (12.351/2010) explicitamente dá direito de preferência para os atuais integrantes dos consórcios em toda alteração de sua composição. Como se dará a negociação nos casos de áreas unitizáveis? O que ocorrerá nas novas licitações, antes das assinaturas dos contratos? O gestor das receitas futuras do governo, integrante principal do comitê operacional, vai aceitar qualquer resultado do processo de escolha, que pode ser paralelo ou simultâneo? Não está claro.
O processo de securitização de receitas futuras implica a definição de prazos para esse futuro. Nesse caso, o prazo será do contrato ou do mandato do ocupante do governo federal? Não está claro.
Por fim, há a implícita declaração da extinção de fonte importante do Fundo Social, criado em 2010 para carrear recursos da União ao financiamento de projetos da Educação, possibilitando, assim, passar para as gerações futuras benefícios da exploração da riqueza presente do petróleo. O projeto de lei extingue qualquer vinculação dessas receitas futuras e sua realização a valor presente ao Fundo Social. Os critérios para o uso desses recursos são outro cheque em branco em que o governo pede ao povo brasileiro, de hoje e do futuro, para explorar as riquezas do nosso subsolo.
Está claro que o projeto de lei é muito ruim, busca antecipar receitas com descontos muito elevados, com imprecisões regulatórias imensas e prejuízos ao patrimônio nacional.
Artigo publicado originalmente no Poder 360.
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