Transição energética e o debate da Margem Equatorial
Jornal dos Economistas
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No contexto do enfrentamento da crise climática, aumenta a pressão para que os países diminuam ou cessem suas atividades produtivas de combustíveis fósseis. No Brasil, essa realidade aumenta os questionamentos em torno da ampliação das fronteiras exploratórias de petróleo e gás no país, particularmente sobre a Margem Equatorial Brasileira.
Entretanto, a transição energética é um processo lento, não linear, que depende de uma série de variáveis, a começar pelo interesse dos Estados Nacionais.
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Margem Equatorial brasileira localiza-se entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. (Foto: Divulgação/Petrobras.)
Ademais, representa um movimento contraditório, um esforço de cooperação internacional para frear as mudanças climáticas, mas também a busca pela segurança energética dos países, sendo o setor energético fator de vulnerabilidade. Como sabem os países da União Europeia, pressionados pela Guerra na Ucrânia e por sua dependência do gás russo.
As guerras na Europa e no Oriente Médio e a conformação de novos espaços de articulação multilaterais do Sul Global, como o Brics+, aumentam a preocupação quanto à segurança energética e trazem mais incertezas quanto ao futuro no Ocidente.
Assim, o que deveria ser um ambiente de cooperação internacional para enfrentamento das mudanças climáticas acirra uma corrida tecnológica e industrial pela transição energética.
O cenário de incertezas aumenta com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, já que os EUA são um grande produtor de energias fósseis (e se propõem inclusive a aumentar as suas exportações desses produtos) e de derivados, e não há compromisso por parte do novo presidente em avançar na transição energética – em verdade, ele nem assume que há um problema climático.
O debate sobre a Margem Equatorial Brasileira precisa ser feito, portanto, levando em conta os elementos geopolíticos, das disputas interestatais e, sobretudo, as necessidades do Brasil.
Qualquer decisão estratégica, no caso dessa exploração, deve ser feita tomando elementos que dizem respeito aos rumos do desenvolvimento.
Em particular, em se tratando da maior empresa de energia do país, a Petrobras, e sendo esta uma empresa cujo acionista majoritário é o Estado brasileiro, a operação da empresa deve derivar de orientações emanadas pelo governo nesse caso, visando a cumprir suas funções estratégicas.
O Brasil, diferente de outros países grandes produtores e consumidores de energia, não tem no setor energético sua maior fonte de emissões. De acordo com dados do Observatório do Clima (2023), em 2021, 49% das emissões foram por manejo e uso da terra e 25% causadas por atividades agropecuárias. O setor energético brasileiro respondeu por apenas 18% das emissões de gases de efeito estufa.
O Brasil já tem uma das matrizes energéticas mais baseadas em recursos renováveis do mundo. Segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE) e relatório da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com base na Oferta Interna de Energia, em 2022, a participação dos renováveis foi de 47,4%, enquanto a média mundial era de 14,1%. Esses dados demonstram que a nossa “pressa” pela transição deve se dar mais pela oportunidade, diante de um país com vantagens comparativas, detentor de recursos naturais essenciais para o desenvolvimento de novas rotas tecnológicas, do que pela necessidade de substituição imediata, uma vez que já percorremos parte desse caminho.
Portanto, a exploração da área da Margem Equatorial Brasileira deveria ser pautada, no Brasil, a partir de dois pilares centrais:
i) a garantia da segurança e soberania energética nacional; e
ii) a necessidade de promoção da transição justa de nossa matriz energética, indissociável do desenvolvimento industrial e tecnológico do setor energético brasileiro, em especial da indústria de óleo e gás, que deve ter um papel ativo e central no avanço da transição energética através da inovação tecnológica, financiamento e geração de empregos e renda de qualidade em solo nacional.
De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE-2034) da EPE, a curva de produção de petróleo no Brasil atingirá seu pico a partir da década de 2030, e tenderá a entrar em declínio, mesmo com a entrada em produção de recursos ainda não descobertos. Além disso, de acordo com a ANP, a relação reserva-produção do país em 2023 é de cerca de 13 anos.
Nesse sentido, considerando que no ambiente offshore, o tempo médio para realizar atividades exploratórias e desenvolver a produção é de aproximadamente 10 anos, avanços exploratórios, especialmente em direção a novas fronteiras, são essenciais para a reposição das reservas, a manutenção dos níveis de produção, a transição e a segurança energéticas.
Nesse contexto, ressalta-se a relevância dos avanços exploratórios na Margem Equatorial brasileira, que se estende do litoral do Rio Grande do Norte até o Amapá e abrange a porção offshore das bacias Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas.
Essa região representa uma fronteira promissora, especialmente em virtude das suas características geológicas e das recentes descobertas em áreas adjacentes, como Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
Para uma ideia, só na Guiana até 2022 já tinham sido descobertos 11 bilhões de barris, e naquele ano o PIB do país teve um incremento de 62% em função das atividades petrolíferas.
É fundamental destacar também que a região em questão já passou por perfurações no passado, especialmente na década de 1980, realizadas pela Petrobras. Naquela época, as campanhas exploratórias concentravam-se principalmente em águas rasas, devido a limitações tecnológicas e outros fatores.
Entre 1970 e 2024, foram perfurados aproximadamente 815 poços na Margem Equatorial, dos quais 432 estão na bacia Potiguar e 228 na bacia do Ceará, onde foram realizadas descobertas em escala comercial e houve desenvolvimento da produção.
Além disso, as bacias da Foz do Amazonas, Pará-Maranhão e Barreirinhas somam mais 155 perfurações nesse mesmo período, todas até 2011. Assim, a perfuração de poços na Margem Equatorial brasileira em águas rasas, onde há maior riqueza de biodiversidade marinha, não é uma novidade.
A Petrobras demonstra um forte interesse em explorar a Margem Equatorial, contando até aqui com o sinal verde de seu acionista majoritário.
De acordo com seu Plano de Negócios 2025-2029, a estatal planeja investir US$ 3 bilhões e perfurar 15 poços. Esses investimentos marcam um retorno da Petrobras a uma área que, na última década, praticamente não avançou em termos exploratórios.
Atualmente, a empresa conta com novas tecnologias e concentra seus esforços na exploração em águas profundas e ultraprofundas, um segmento em que se destaca como referência operacional mundial. Entretanto, o desconhecimento sobre a área e as particularidades dos mares da região ainda são um importante desafio.
Os avanços exploratórios na Margem Equatorial são essenciais tanto para a Petrobras quanto para o Brasil, por três razões principais.
Em primeiro lugar, essas atividades são cruciais para a reposição das reservas da companhia e do país, garantindo a sustentabilidade a longo prazo do setor e a segurança energética do Brasil.
Em segundo lugar, a exploração gera um impacto significativo no desenvolvimento econômico da região e do país, estimulando a demanda e a criação de infraestruturas e serviços que são indispensáveis para o fortalecimento de toda a cadeia produtiva de óleo e gás.
Ademais, as receitas oriundas do petróleo têm potencial de transformar as bases econômicas dos municípios e estados envolvidos, promovendo crescimento regional robusto.
Finalmente, o terceiro aspecto está vinculado à transição energética. A exploração em uma região tão singular exige a adoção de novas tecnologias que possibilitem operações sustentáveis, com uma menor pegada de carbono e uma abordagem responsável em relação ao meio ambiente e à sociedade.
Esses elementos são fundamentais para assegurar a continuidade da exploração e produção de petróleo e gás dentro do contexto de uma transição energética que respeite as demandas atuais e futuras.
Por fim, é fundamental ressaltar que os avanços exploratórios e potencial produção de petróleo na região pela Petrobras devem ser acompanhados pela expansão do parque de refino nacional.
Essa estratégia é crucial para a soberania do país, pois pode romper com o modelo atual, de caráter colonial, no qual o Brasil exporta petróleo cru e importa derivados. Essa mudança permitiria, de fato, a verdadeira autossuficiência nacional.
A crise climática existe e deve ser enfrentada por todos os países, inclusive pelo Brasil. No entanto, com nosso potencial já desenvolvido em termos de diversificação energética, ela deve ser um passaporte para um futuro mais desenvolvido e socialmente justo, e não uma condenação a uma inserção internacional subordinada e colonial.
Nossa bússola deve ser o interesse nacional e um plano de desenvolvimento para o setor energético que opera no Brasil, que observe critérios de eficiência energética, sustentabilidade ambiental, proteção às comunidades locais, garantia de desenvolvimento industrial e regional, geração de emprego e distribuição da renda gerada à sociedade brasileira.
Os recursos oriundos da renda petroleira devem ser canalizados para a própria transição energética e para o desenvolvimento regional. Sendo assim, é uma chance para o incremento dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, além da qualificação do nosso parque industrial e financiamento de novas rotas tecnológicas de produção de energia de fontes renováveis.
É a possibilidade de integrar a Amazônia ao Brasil, de forma não predatória, impulsionando o desenvolvimento regional dos estados das regiões Norte e Nordeste.
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E, se confirmado o potencial exploratório da Margem Equatorial, é preciso torná-la área estratégica para o país, retomando o modelo jurídico-fiscal de partilha da exploração e produção de petróleo, com a Petrobras como operadora única, assegurando financiamento para:
(i) a transição energética justa;
(ii) a pesquisa e inovação em busca de novas rotas tecnológicas;
(iii) o desenvolvimento regional;
(iv) o combate à pobreza e a desigualdade social; e
(v) garantia de condições de autonomia dos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas da região.
Artigo publicado originalmente no Jornal dos Economistas.