Regulação no preço dos combustíveis: o caso da França

Foto: Pixabay.

 

Desde a crise dos preços do diesel no Brasil em 2018, o Ineep tem se aprofundado no debate discutindo, por exemplo, a forma de gestão dos preços dos derivados em vários lugares do mundo. Recentemente, por exemplo, um artigo escrito por Rafael da Costa e Isadora Coutinho discutiu as diferentes políticas de estabilização de preços existentes na Áustria e na Dinamarca, a fim de equilibrar as oscilações do mercado dando maior previsibilidade aos consumidores. Outro exemplo interessante é o da França.

 

De acordo com a Energy Information Administration (EIA), o país é o segundo maior consumidor de energia na Europa, depois da Alemanha, e importa a maior parte do seu petróleo e gás. Sua produção é de cerca de seis milhões de barris de hidrocarboneto por ano, contabilizando apenas 1% do seu consumo. A França é, portanto, um país consideravelmente refém da volatilidade do preço internacional de petróleo, tendo em vista a sua alta dependência de importações para atender o mercado interno. Por essa razão, o país buscou encontrar medidas que suavizassem os efeitos das variações internacionais dos preços dos derivados para os consumidores franceses.

 

A adoção desse tipo de medida se mostrou urgente no final dos anos 1990, quando houve uma forte elevação do preço internacional. Em função disso, entre 2000 e 2002, a França apostou na implementação de um mecanismo automático de tributação que amortecia a volatilidade por meio do ajuste de 15 em 15 dias do imposto sobre o consumo dos derivados petrolíferos, a chamada TIPP (Taxa Interior sobre os Produtos Petrolíferos) flutuante. Se o valor do preço internacional passasse por um aumento superior a 10%, a TIPP era reduzida no mesmo montante. Quando ocorria a queda de mais de 10% no preço internacional, a TIPP retornava ao seu valor inicial, determinado anualmente na lei orçamentária.

 

Contudo, as constantes altas no preço do barril não eram contrabalanceadas pelas suas baixas, com perdas constantes para o orçamento nacional. Embora muitos, como o CEO da Total, ainda hoje sejam favoráveis ao retorno da taxa flutuante e estudos apontem que essa experiência francesa se configura como um exemplo internacional virtuoso de amortecimento das variações dos preços, a TIPP foi substituída pela TICPE (Taxa Interior sobre o Consumo de Produtos Energéticos), determinada também anualmente na lei orçamentária. No caso da TICPE, como o seu valor é calculado com base no volume consumido dos produtos e não no preço de venda, isso possibilita uma relativa suavização das flutuações do preço do petróleo em uma determinada porcentagem para o consumidor, uma vez que a taxa não é impactada diretamente pelas oscilações internacionais.

 

O uso de combustíveis específicos para determinada categorias de usuários finais é apoiado por meio de isenções parciais ou totais não só da TICPE, mas também do imposto sobre o valor agregado (IVA) incidente sobre os produtos petrolíferos. Contudo, cabe salientar que no que diz respeito às regiões do país, cada uma tem a possibilidade somente de ampliar a TICPE dentro de um limite máximo para cada combustível, podendo levar a taxas diferentes dependendo da região. Ademais, desde 2014, o governo francês introduziu um elemento de carbono na tributação sobre o consumo de combustíveis fósseis, mas adotou medidas para não aplicar esse novo imposto em indústrias intensivas em energia.

 

É interessante salientar que, na legislação francesa, assim como na de outros países, os preços de derivados de petróleo são publicados toda segunda-feira na plataforma online da Direção Geral de Energia e Clima (DGE). Cada operador informa um preço médio nacional de varejo para cada produto que distribui, declarando um preço excluindo todos os impostos e outro preço os incluindo. Assim, além de promoverem transparência ao mercado, facilitam a supervisão regulatória, trazendo informação tanto a Comissão Reguladora de Energia (CRE) como ao público consumidor.

 

Embora a carga fiscal sobre os combustíveis seja uma das mais altas da Europa (em maio de 2018, os impostos computavam 61,4% do preço do litro da gasolina SP95 e 58,6% do preço do litro do diesel na bomba) e a França apresente uma das gasolinas mais caras do mundo – média de US$ 1,61 por litro em 2018, segundo o último levantamento da Bloomberg – um motorista francês gastou em 2018 uma média de 0,57% de seu salário com combustíveis. Uma diferença enorme quando comparada à realidade brasileira, que apesar de ter registrado uma média de preço inferior ao país europeu (US$ 1,12 por litro), apresenta, em contrapartida, uma proporção muito maior na renda do motorista brasileiro, o qual gastou no mesmo período, em média, 2,8% de seu salário para abastecer o seu veículo mensalmente.

 

Desse modo, chama atenção que, embora a França ainda conte atualmente com medidas interessantes, a experiência francesa de regulação por meio da TIPP flutuante, entre 2000 e 2002, parece ser a mais exitosa quando se pensa na eficácia de um instrumento que visa à proteção do consumidor das oscilações do preço internacional do barril de petróleo. Por exemplo, enquanto que, entre janeiro e dezembro de 2002, o preço em euros do diesel variou 2,32%, já em 2018, entre o primeiro e o último mês deste ano, houve uma variação de 16,29%. Essa alta volatilidade tem sido reprovada pela população francesa, tendo inclusive figurado como o estopim das já recorrentes manifestações do movimento dos coletes amarelos.

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