Redução do conteúdo local e impactos no Rio de Janeiro: desestruturação do mercado de trabalho
Revista Fórum
No Brasil há uma preocupação evidente em relação ao futuro da política de conteúdo local no Setor de Petróleo e Gás, em virtude das recentes mudanças ocorridas nas exigência da ANP. Em recente texto, pesquisadores do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) resumiram tais mudanças: “nos leilões mais recentes, houve a flexibilização das regras de conteúdo local chegando, em alguns casos, a desobrigar as empresas de utilizarem máquinas e equipamentos nacionais, como no caso do leilão da 4ª rodada de Acumulações Marginais. Na 14ª rodada de licitações, os índices estabelecidos foram os seguintes: a) para exploração em terra, o índice de conteúdo local será 50%; b) para os blocos em mar, o conteúdo mínimo será de 18% na fase de exploração, 25% para a construção de poços e 40% para sistemas de coleta e escoamento. Para se ter uma ideia da redução, na décima primeira rodada em 2013, os percentuais de conteúdo foram, na média, de 62% na etapa de exploração e nas etapas seguintes de 76%”.
Em estudo realizado pela FIESP, intitulado “A política de conteúdo local na indústria de petróleo e gás natural”, evidenciou-se que a retirada das regras de conteúdo local que vigoravam em fevereiro de 2017 diminuiria os impactos do investimento na economia, com redução em 17 vezes na produção de bens e serviços e na arrecadação de tributos; 13 vezes na geração de PIB e 11 vezes na geração de empregos e salários.
A Federação junto a trabalhadores, entidades sindicais, instituições e empresários do setor empenharam-se durante meses para sensibilizar o governo em relação aos problemas que surgiriam a partir da redução do conteúdo local e os graves riscos à economia do país. Diante disso, no estudo apresentado, a FIESP destacou a trajetória histórica de construção do setor de óleo e gás e fez um alerta em forma de apelo para que a proposta fosse repensada: “A indústria fornecedora de bens investiu nos últimos anos mais de 20 bilhões de dólares na ampliação da capacidade instalada, de forma a atender às futuras demandas do setor de petróleo e gás, o que gerou centenas de milhares de novos empregos. Postos de trabalho já existentes estão em risco, caso a política de conteúdo local seja aniquilada”.
Mesmo diante de fortes evidências de que a alteração da legislação que viria a reduzir o conteúdo local seria sinônimo de uma crise intensa no setor de petróleo e gás, provocando ainda mais desemprego no país, com fortes impactos negativos no RJ, a redução foi aprovada.
O Rio de Janeiro foi o maior prejudicado com a redução, pois é o estado com maior número de empregos no setor. Como exemplo, pode-se destacar a indústria naval, na qual, o estado concentrou 84% das vagas de emprego em 2004 e 38% em 2015. A redução desta participação ocorreu em virtude do crescimento de outros estados, entretanto, a curva de empregos em todo este período (2004-2014), segundo dados da série histórica de empregos do Sinaval, é ascendente no somatório dos estaleiros fluminenses, situação que passou a ser diferente a partir de 2015. Atualmente o estado concentra dezoito estaleiros, de um total de trinta e quatro situados em oito estados brasileiros.
Em curto prazo, e de imediato, pode-se verificar o aumento do desemprego ligado ao setor, tanto em relação aos empregos formais como informais. Este impacto já era esperado e foi amplamente exposto pelos defensores do conteúdo local, pois as regras anteriores preservavam um mínimo aceitável de encomendas do setor de petróleo e gás para a indústria nacional. Há uma carência de dados recentes, especialmente após a promulgação da alteração do conteúdo local, entretanto, os números atuais aos quais é possível ter acesso, apresentam indícios de um futuro pouco próspero e ameaçado no setor de petróleo e gás, tanto para o RJ como para o Brasil.
Segundo dados do Sinaval, a quantidade de emprego nos estaleiros brasileiros cresceu continuamente de 2004 (12.651 empregos) a 2014 (82.472). Depois de uma década com aproximadamente 552% de aumento no quantitativo de empregos, a crise atingiu os estaleiros a partir de 2015 e continuou até junho de 2016, mês de última divulgação dos dados. Em 2014 foram registrados 82.472 empregos, os quais reduziram para 43.745 em junho de 2016, ou seja, uma queda de aproximadamente 47% no quantitativo de empregos em apenas dois anos. Ao realizar uma estimativa na redução de empregos no Rio de Janeiro, considerando sua participação no total de empregos no ano de 2015 (37,99% em relação a todo Brasil), percebe-se também uma brusca redução, de 30.014 para 16.618, ou seja, o quantitativo de empregos em estaleiros no RJ, através desta estimativa, despenca aproximadamente 45%.
Embora os dados do Sinaval não extrapolem junho de 2016, o fluxo de empregos na cadeia de petróleo e gás apresentado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) ilustra a redução contínua de empregos principalmente no Rio de Janeiro. Conforme dados do CAGED, a média do saldo trimestral de empregos celetistas na atividade da cadeia produtiva de petróleo, considerando, o apoio à extração de petróleo e gás natural, a extração de petróleo e gás natural e a fabricação dos produtos de refino do petróleo no estado do Rio de Janeiro, foi negativa a partir do terceiro trimestre de 2013 até o final de 2017.
De acordo com a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicada em 2018, o Rio de Janeiro é o segundo estado com maior número de desempregados (14,9%). Entre 2014 e 2017, o número de desempregados no estado pulou de 494 mil para 1,2 milhão, um aumento de 157%, e dentre os fatores responsáveis pela crise, destaca-se a desmobilização da cadeia do petróleo, a qual atingiu negativamente a economia fluminense.
Embora a redução do conteúdo local e novas regras sejam recentes, o impacto negativo destas ações são iminentes, pois ameaçam as conquistas já realizadas no setor, como o desenvolvimento tecnológico proveniente da cadeia produtiva e técnica no país e a formação de clusters nacionais, as quais são decorrentes de um processo histórico de construção e de investimento contínuo para atender às demandas do setor de petróleo e gás brasileiro. Além de desarticular as cadeias produtivas intensivas em tecnologias e ameaçar os clusters nacionais pioneiros em tecnologias do setor em petróleo e gás, as novas regras de conteúdo local induzem a importação de máquinas, equipamentos, e tecnologia para o atendimento da demanda, e, por conseguinte, torna ainda mais caótica a situação de desemprego no país, e em especial no Rio de Janeiro, o qual já sofre impactos decorrentes desta mudança.
Artigo publicado na Revista Fórum.
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