Petróleo, pré-sal e Petrobras: o que sobrou dos interesses brasileiros?
Jornal dos Economistas
Com a descoberta do pré-sal, o setor de petróleo e gás brasileiro ganhou crescente importância para a economia brasileira. Novos projetos de desenvolvimento e exploração de petróleo (investimentos) nesses novos campos foram realizados e muitos outros ainda estão em andamento e estão por vir (novos leilões).
Essa descoberta colocou o Brasil como um ator potencialmente relevante tanto na posição de produtor como exportador de petróleo no mundo, bem como uma nova fronteira de investimentos para a indústria nacional e internacional de petróleo.
A expansão das despesas operacionais e, sobretudo, dos investimentos (CAPEX[2]) da Petrobras para o desenvolvimento e exploração na área do pré-sal, no contexto da configuração da política de conteúdo local, ampliou a participação da indústria de petróleo na economia nacional. Entre 2001 e 2017, o Capex da Petrobras cresceu 5,8% a.a., em média, valor bem acima da FBCF brasileira (expansão de 2% em média anual).
Isso estimulou a ampliação da geração de emprego e da renda do setor como também de outros setores em virtude dos seus efeitos multiplicadores dos investimentos da indústria de petróleo (setor capital intensivo) e suas relações intersetoriais tanto a montante (cadeia de fornecedores diretos e indiretos) como a jusante.
Entre 2000 e 2017, a dinâmica da indústria de petróleo brasileira (desenvolvimento, exploração, produção e refino) refletiu as estratégias (sobretudo as decisões de investimentos) e os resultados da Petrobras (empresa estatal) nesse período, uma vez que a mesma era operadora única do pré-sal e, com isso, participava, em 2017, com mais de noventa por cento tanto da produção de petróleo como de derivados produzidos no Brasil.
É preciso observar que ao longo desse período o setor vivenciou momentos distintos, a saber:
(i) forte expansão, entre 2003 e 2010, fruto do aumento do preço do petróleo (Brent) e da descoberta do pré-sal; (ii) ajustes na Petrobras, entre 2011 e 2014, em virtude da queda do Brent, da redução na geração de caixa no refino resultante da política de preços dos derivados; e (iii) expressiva desaceleração dos investimentos, entre 2015 e 2017, em decorrência da forte redução do preço do petróleo, da elevação do endividamento da Petrobras e da crise reputacional da Petrobras em virtude da Operação Lava Jato que implicou em ajustes de governança, redução de sua capacidade decisória e também crise no setor de fornecedores com recuperações judiciais e fechamento de empresas.
Com as dificuldades, a Petrobras passou a adotar, a partir de 2015 até hoje (gestão Castelo Branco), profundas mudanças nos seus eixos estratégicos ao concentrar suas atividades no pré-sal e ao reduzir de forma acelerada o seu nível de endividamento por meio do desinvestimento e da venda de ativos. Reduzindo assim sua participação no refino, na distribuição, nos bicombustíveis, nas energias limpas, entre outras áreas.
Nesse sentido, há uma clara estratégia de desintegração vertical da Petrobras, buscando concentrar suas atividades na exploração do pré-sal que é o segmento mais rentável.
O problema desse tipo de estratégia é que pode até trazer lucros no curto prazo ao focar na produção e petróleo cru, no entanto não leva em conta as características cíclicas e a estrutura de mercado desse setor, marcado por elevadas amplitudes dos preços do petróleo.
Para reduzir esses riscos, as grandes petroleiras adotam expressiva integração vertical de suas atividades (do poço ao poste) como modelo de negócio. Carmem Alveal (1994, p. 89)[3] deixa isso muito claro ao afirmar que: “Razões de ordem econômica mais do que técnica exigem a integração vertical para realizar o elevado potencial de acumulação da indústria petrolífera, dado os riscos e custos financeiros associados a cada segmento da cadeia produtiva são diferentes”.
Além do que essa estratégia, adotada atualmente pela Petrobras, implica na redução de sua capacidade de estimular a geração de renda, emprego e desenvolvimento tecnológico brasileiro por meio de seus investimentos.
No plano regulatório do setor, o governo federal, sob gestão Temer, após o impeachment (golpe parlamentar) da Dilma em 2016, realizou em mudanças regulatórias profundas, tais como:
1) retirada da Petrobras como operadora única no pré-sal; 2) redução da exigência do conteúdo local (que caiu de 55% no leilão de Libra em 2013 para 35% nos últimos leilões), inclusive para o excedente da concessão onerosa; 3) aceleração das novas rodadas de leilões; e 4) ampliação dos incentivos tributários do Repetro (regime aduaneiro especial para a importação de bens de capital direcionados a exploração e produção).
Essas medidas forma adotadas como instrumentos de incentivos para atrair petroleiras estrangeiras para investirem no pré-sal, sob o argumento de que era necessário reduzir o custo de produção/break even dos projetos do pré-sal (preço mínimo do barril que é economicamente viável a produção), pois a queda do preço do petróleo (Brent) em 2016 tornaria inviável a exploração dessa nova fronteira.
A questão é que, mesmo depois da recuperação do preço do petróleo em 2017 e da queda dos custos de produção/break even, os incentivos para as petroleiras internacionais foram mantidos. Dado o atual preço (Brent) e os custos de produção do pré-sal é possível afirmar que investimentos viriam independentes dos incentivos que beneficiaram as petroleiras estrangeiras.
Ou seja, a política de incentivo proporcionará um aumento do excedente para as petroleiras internacionais que poderiam ser utilizados em políticas públicas de educação e desenvolvimento industrial e tecnológico (atrelados ao conteúdo local). A redução do conteúdo local irá gerar enormes perdas futuras no emprego e na renda.
No âmbito de pesquisa realizada pelo Ineep/FUP (relatório de pesquisa no prelo denominada Impactos Econômicos do Investimento da Indústria de Petróleo), estimamos (eu e a Esther Dweck, professora do IE/UFRJ) essas perdas por meio por método da Matriz de Absorção do Investimento (MAI) desenvolvido pelo Grupo de Indústria e Competitividade do IE/UFRJ.
Essa pesquisa no prelo mostrou os seguintes resultados:
1) R$ 1 bilhão investido na exploração e produção de petróleo impacta na geração de 1,28 bilhão no PIB e de 26.319 ocupações, com conteúdo local de 55%; 2) R$ 1 bilhão de reais investidos, com conteúdo local de 35%, implica na geração de 1,08 bilhão no PIB e de 21.428 ocupações.
Ou seja, a redução do conteúdo local implicará na perda futura de 4.891 para cada novo bilhão investido. Essa perda parece pequena, mas não é.
Vejamos a situação do leilão excedente da concessão onerosa em curso. Para essa área, a ANP estimou que os investimentos serão de U$ 105 bilhões (cerca de R$ 416 bilhões), realizados nos próximos 12 anos (investimento médio anual de R$ 34 bilhões). Somente nesse leilão em curso, a sociedade brasileira irá perder por ano cerca de 166 mil ocupações durante o período de investimentos. Nesse sentido, a estratégia de redução do conteúdo local somente gerou ganhos para as petroleiras e a ampliação da geração de emprego e renda no exterior.
É evidente que a retomada dos investimentos no setor de Petróleo e Gás (mesmo que num montante menor do que o projetado pela ANP) impactará na maior geração de emprego e renda se comprado com os investimentos deprimidos entre 2015 e 2017. A questão que se coloca é que não se fazia necessário reduzir tão fortemente o coeficiente de conteúdo local para atrair novos operadores para investirem no pré-sal.
Quem perde com isso é a sociedade brasileira. O pré-sal que poderia ser uma benção está se tornando uma maldição para o Brasil em virtude da atual estratégia da Petrobrás e dos segmentos governamentais responsáveis pelo setor de petróleo e gás que estão muito mais preocupados com interesses das grandes petroleiras (mudança dos índices de conteúdo local e subsídios tributários) do que com os interesses nacionais.
Eduardo Costa Pinto é Professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do INEEP/FUP. E-mail: eduardo.pinto@ie.ufrj.br.
[2] CAPEX são as despesas de capital na forma das despesas incorridas com bens físicos e serviços destinados a instalações e equipamentos para a atividade da empresa, tais como as: sísmica, equipamentos para perfuração de poços; compra de unidades produtivas; sistema de dutos de escoamento, etc.
[3] ALVEAL, C. Os desbravadores: a Petrobrás e a construção do Brasil. Rio de Janeiro: ANPOCS, 1994.
Artigo publicado originalmente no Jornal dos Economistas, edição de novembro de 2019.
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