Petroleiras e países terão de se adaptar aos choques simultâneos de demanda e oferta

 

As inúmeras crises que atingiram a indústria do petróleo até 2019 tinham como ponto focal a oferta do energético. A produção de óleo e gás, em excesso ou em falta, ditava os rumos estratégicos e econômicos dessa indústria. A Covid-19, porém, traz um ineditismo até então inimaginável, mesmo em tempos de transição energética: uma redução enorme e abrupta da demanda por petróleo, gás e derivados. Tal fato exige um posicionamento de empresas e governos que deve considerar não apenas as mudanças de curto prazo, mas uma possível reconfiguração de toda a dinâmica do comércio global de óleo, gás e derivados.

Esta foi a principal conclusão entre os especialistas que participaram do webinar “Preços dos derivados, exportações e autossuficiência”, realizado nessa segunda-feira (15/6), o terceiro da série de quatro webinares promovida pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP) sobre os impactos da Covid-19 no setor de óleo e gás, em parceria com a agência epbr. O evento marcou ainda o lançamento do novo portal do INEEP (www.ineep.org.br), que reúne textos para discussão, notícias, livros, vídeos, podcasts e outras produções do INEEP sobre a indústria de energia.

O debate contou com a participação de Henrique Jager, pesquisador do INEEP; Helder Queiroz, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Grupo de Economia da Energia (GEE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Sérgio Araújo, presidente executivo da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (ABICOM). As diferentes experiências profissionais e formações dos especialistas mostraram variados pontos de vista sobre os desdobramentos da atual crise global causada pela pandemia.

Comportamentos anticíclicos

Henrique Jager, do INEEP, mencionou os comportamentos anticíclicos entre os segmentos de exploração e produção (E&P) e de refino, que têm margens complementares. E embora o momento atual tenha derrubado também o consumo, comprometendo as margens da produção de derivados, ele reforçou a necessidade de fortalecimento do refino e da petroquímica para o futuro da indústria do petróleo, inclusive considerando a transição energética e o debate ambiental provocado pela Covid-19.

“Alguns países estão discutindo de forma profunda as relações entre a deterioração ambiental e o aparecimento da Covid-19 ou de outras doenças provocadas por vírus e bactérias. Por isso, o refino e a petroquímica se tornam estratégicos nesse cenário. Um dado que corrobora isso é o desempenho das principais petroleiras do mundo na Bolsa de Nova York após a pandemia. Todas as grandes petroleiras globais perderam valor de mercado, exceto a Sinopec, que tem foco no refino e na petroquímica, não na exploração e produção.”

Para Helder Queiroz, da UFRJ, a crise catalisou alguns efeitos que já estavam na indústria do petróleo em termos estruturais. Ele mencionou a alta volatilidade dos preços do petróleo nos últimos 12 meses, e mesmo ressaltando a importância geopolítica da produção, apontou que a indústria deve ter um olhar maior a partir de agora para o lado da demanda.

“Temos o hábito de falar em mercado de combustíveis com algo agregado, mas cada combustível tem sua dinâmica particular. Mas, se pegarmos o setor de transportes, por exemplo, que usa gasolina, óleo diesel e querosene de aviação, a incerteza quanto ao comportamento da demanda é tremenda.”

Já Sérgio Araújo, da ABICOM, mencionou recente nota técnica publicada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre projeções da demanda de derivados no Brasil. Segundo o executivo, os três cenários apontados no estudo simulam que o Brasil continuará dependente da importação de óleo diesel nos próximos dois anos, mas tende a se tornar exportador de gasolina e de QAV.

“São dois choques acontecendo simultaneamente, de demanda e de oferta, refletindo em preços. Saímos rapidamente de um barril a US$ 60 para um barril a US$ 30, uma queda bastante expressiva.”

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