Petrobras segue com desinvestimentos na América do Sul

Fachada do Centro Empresarial Senado – Edisen. Foto: André Motta de Souza / Agência Petrobras.

A Petrobras lançou, no final de julho, a etapa de divulgação da oportunidade (teaser) da venda de sua participação no bloco Tayrona, em águas profundas da Bacia de Guajira, na Colômbia. A estatal é operadora da área, com 44,44% de participação na concessão por meio de sua afiliada Petrobras International Braspetro B.V. (PIB BV), em consórcio com a Ecopetrol.

 

O anúncio foi feito pouco mais de um mês depois do início da fase vinculante da venda, também pela PIBV, de suas ações na Petrobras Colombia Combustibles (Pecoco), que atua no mercado de distribuição e comercialização de gasolina, diesel e lubrificantes no país caribenho.

 

Os desinvestimentos na Colômbia não são um movimento isolado dentro da atual estratégia da petroleira brasileira para a América do Sul. Desde 2015, quando o programa de venda de ativos da Petrobras foi acelerado – ainda na gestão de Maria das Graças Foster –, a companhia concluiu quatro processos de venda de ativos no continente:

  1. Petrobras Argentina (Pesa), para a argentina Pampa Energía, por US$ 897 milhões;
  2. Ativos na Bacia Austral Argentina, para a também argentina Compañia General de
    Combustibles, por US$ 101 milhões;
  3. Petrobras Chile, para o fundo de private equity latino-americano Southern Cross Group,
    por US$ 464 milhões; e
  4. Ativos de distribuição no Paraguai, para a paraguaia Copetrol, por US$ 383,5 milhões.

 

Hoje, além dos empreendimentos na Colômbia, a Petrobras conduz processos de venda da Compañia Mega – empresa argentina de processamento de gás natural e fracionamento de derivados líquidos do combustível – e de ativos de distribuição no Uruguai, onde, em 2019, já havia transferido concessões e ações detidas nas distribuidoras de gás MontevideoGas e Conecta ao governo do país.

 

Uma vez concluídas essas transações, a Petrobras seguirá com operações na Argentina, na concessão de Rio Neuquén (readquirida da Petrobras Argentina por ter “valor estratégico à Petrobras”); Bolívia (campos de San Alberto, Sábalo, Itaú e bloco de San Telmo Norte, no departamento de Tarija, e campos Colpa e Caranda, em Santa Cruz); e Colômbia (bloco onshore Villarrica Norte).

 

A redução da pegada ou saída integral da Petrobras de países vizinhos – em um contexto de enfraquecimento do Mercosul e da Unasul (União de Nações Sul Americanas), que previam uma série de iniciativas de integração regional – está em linha com a orientação estratégica de focar seus investimentos no pré-sal, a fim de recompor o caixa e acelerar a desalavancagem da companhia.

 

A mudança radical contrasta com a posição de vetor de integração energética sul-americana que a petroleira ocupou, ao lado da Eletrobras e do BNDES, ao menos até o fim da primeira década do século 21. Os três foram, por exemplo, agentes fundamentais para viabilização do projeto do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), um dos marcos da integração gasífera no continente, ao lado de linhas que conectaram a Argentina ao Chile e ao Uruguai.

 

Além do benefício direto de garantir o fornecimento do energético ao Brasil, o Gasbol teve (e seguirá tendo) grande valor geopolítico, ao consolidar a posição brasileira no altiplano boliviano, conhecido como “Heartland Sul-Americano”, por sua posição estratégica no continente.

 

Estabelecida em 1997 para operar o Gasbol, a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) também está incluída no atual programa de desinvestimentos da Petrobras, que assumiu, em 2019, compromisso com o Cade para sair das atividades de transporte e distribuição de gás natural no país.

 

A petroleira também chegou a fazer parte de um plano conjunto dos governos argentino, brasileiro e venezuelano que previa a construção do Gasoduto do Sul, ligando campos da Venezuela a áreas remotas da Argentina, passando pelo Brasil e o Uruguai, conforme memorando de entendimento assinado durante a XXIX Cúpula do Mercosul, em 2005, em Montevidéo, no Uruguai. Com mais de 8 mil km de comprimento, a linha demandaria investimentos na casa dos US$ 20 bilhões, mas o empreendimento não foi adiante.

 

Depois de iniciar operações em 2003 na Venezuela, a Petrobras chegou a ter produção local de 14 mil barris de óleo equivalente por dia (boed) no país em 2008, por meio da Petrobras Argentina (Pesa), via quatro subsidiárias: Petroritupano S.A., Petroven-Bras S.A., Petrowayú S.A. e Petrokariña S.A.. A petroleira brasileira encerrou, no entanto, suas operações
venezuelanas em 2016, com a venda da Pesa para a Pampa Energía.

 

Com a alienação da Pesa, a Petrobras também deixou de ter operações no Equador, onde havia ingressado em 1987, mantendo participação no Bloco 18 e do Campo Unificado de Palo Azul – com produção de 2,4 mil b/d – e na Sociedad Oleoducto de Crudos Pesados S.A.

 

O Brasil vai, assim, abrindo mão de um importante instrumento para se projetar política e economicamente na América do Sul, região onde naturalmente deveria exercer hegemonia.

 

Apesar de o governo atual ser o mais militarizado do período pós-Constituição de 1988, a utilização de estatais com fins geopolíticos não se encaixa na agenda neoliberal adotada pelo presidente Jair Bolsonaro – diferentemente do que ocorreu durante o Regime Militar Brasileiro.

 

Um caso ilustrativo foi a construção da usina hidrelétrica de Itaipu, iniciada na década de 70, projeto que se inseria na estratégia de segurança nacional ao reduzir a possibilidade de conflitos com a Argentina na Bacia do Prata, enquanto fortalecia laços com o também vizinho Paraguai.

 

Naquela época, o então presidente Ernesto Geisel começava a praticar uma política externa que ficou conhecida como “pragmatismo ecumênico ou responsável”, de maior independência em relação aos Estados Unidos, projetando-se para a América do Sul e a África — onde a Petrobras começou a operar em 1979, no offshore angolano, e encerrou suas operações em janeiro deste ano, com a venda da Petrobras Oil & Gas B.V. (PO&GBV), que detinha ativos na Nigéria.

 

Desinvestimentos em outras regiões do mundo

Além das vendas de ativos na América do Sul e na África — onde atuou também na Tanzânia, Líbia, Guiné Equatorial, Moçambique e Senegal –, a Petrobras concluiu, desde 2015, dois processos de alienação na América do Norte e um na Ásia. No primeiro caso, foram vendidos ativos offshore no Golfo do México, nos EUA, para a norte-americana Murphy Oil, em 2018, por US$ 795 milhões, e a Refinaria de Pasadena, nos EUA, para a Chevron, em 2019, por US$ 562 milhões.

 

Não obstante a polêmica relacionada ao valor da operação de compra da planta texana, que teria custado US$ 1,3 bilhão à Petrobras e rendido conflitos judiciais, denúncias de corrupção e perdas financeiras à companhia¹ –, a brasileira pode ter perdido a chance de ampliar seu poder de entrega de derivados ao mercado norte-americano, que, em 2019, foi o segundo maior comprador do petróleo brasileiro, com 60 milhões de barris, atrás apenas da China, segundo dados da ANP.

 

Na Ásia, a Petrobras vendeu, em 2016, a refinaria Nansei Sekiyu, para a japonesa Nansei Sekiyu, por US$ 165 milhões, em 2016. A planta fora adquirida em 2006, na gestão de José Sérgio Gabrielli, com o intuito de ampliar a posição da companhia na Ásia.

 

Presença global remanescente

A Petrobras segue presente nos seguintes países fora da América do Sul:

  • EUA: atuação na comercialização de óleo e gás.
  • México: atuação como operadora em contratos de serviços de exploração e produção de gás natural nos blocos terrestres de Cuervito e Fronterizo, localizados na Bacia de Burgos, ao norte do país.
  • Europa: holdings na Holanda para controle de atividades fora do Brasil, e escritório de apoio comercial e financeiro no Reino Unido.
  • China: escritório em Pequim de apoio ao programa de parcerias e desinvestimentos; (ii) à cooperação financeira com bancos e instituições financeiras chinesas; (iii) relações com investidores; (iv) apoio a outras atividades da empresa na China e (v) desenvolvimento de negócios com outros parceiros asiáticos.
  • Japão: operação pela joint venture BJE (Brazil-Japan Ethanol), formada entre a Petrobras e a Nippon Alcohol Hambai.
  • Cingapura: escritório de apoio às atividades comerciais na área de petróleo e derivados para a China, a Índia, o Sudeste da Ásia e o Oriente Médio.

 


 

1 POSTIGA, B. Pasadena: o fim de um negócio mergulhado em polêmicas. PetróleoHoje, 31 de jan. 2019.
Disponível em<https://petroleohoje.editorabrasilenergia.com.br/venda-de-pasadena-encerra-mais-um-capitulo-de-
decisoes-questionaveis-na-petrobras/>. Acesso em 30 de jul. 2020.

 

Ineep

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