Peru: pequeno produtor enfrenta protestos indígenas e várias crises
Brasil de Fato
A indústria do petróleo no Peru enfrenta grandes protestos dos indígenas e corre sérios riscos para sua continuidade. O país tem a mais alta taxa de letalidade do Covid do mundo, com 932,8 mortos por milhão de habitantes (o Brasil é o sexto nessa corrida macabra com 604,6 mortes por milhão em início de setembro) e adotou restritas medidas de isolamento social para reduzir a contaminação. As atividades econômicas pararam, inclusive as remotas atividades de exploração e produção de petróleo. As contaminações, no entanto, continuaram por ineficiência nas outras medidas que deveriam se seguir ao isolamento social. A economia também é recordista na queda, com um tombo de mais de 27% no PIB do primeiro semestre de 2020, a maior queda do mundo.
A PetroPeru, estatal que cuida do setor de hidrocarbonetos, suspendeu as atividades do Oleoducto Norperuano (ONP), com capacidade de 100 mil barris por dia, que liga a produção dessa região do país com o porto de Bayovar. A chinesa CNPC é a maior produtora do Peru, a partir dos campos na fronteira com o Equador. No estado de Loreto, a canadense Petrotal, que em 2017 adquiriu da Gran Tierra e atualmente opera o campo de Bretaña, é o centro dos ataques das populações indígenas, drasticamente reprimidos com mortes dos índios Kukama que vivem na região.
Os protestos começaram contra o retorno às atividades com a pandemia, mas se estenderam para as condições ambientais da produção do óleo pesado no meio da floresta amazônica, perto da fronteira com o Brasil. A natureza dos protestos relaciona o Peru com o caso do Parque Yasuni no Equador, em que o governo de Rafael Correa iniciou uma frustrada campanha internacional para captar recursos que viabilizassem a não produção e a preservação da reserva Ishpingo-Tambococha-Tiputini (ITT). O governo atual do Equador está acelerando a exploração do ITT.
A operação do Bloco 95 no estado de Loreto já tem mais de 15 anos, mas só começou efetivamente a produzir em 2018. É um campo de 40 milhões de barris de óleo recuperável e tem uma produção pequena de dez mil barris por dia, mas é o maior campo produtor de petróleo do país.
Figura 1 – Mapa de atividades petrolíferas no Peru e da morte por covid-19 por milhão de habitantes em várias regiões do Peru
A estatal Petroperu, que opera o ONP, havia alcançado um acordo para transportar a produção do Bloco 95 (Bretaña) em finais de 2019, antes da eclosão do Covid 19, mas a pandemia reabriu velhas feridas dos protestos das populações originárias, ameaçando a continuidade das operações na região.
A importância dos episódios referentes ao estado de Loreto vem da natureza e repercussão política dos protestos que questionam o modelo de exploração e produção de recursos de hidrocarbonetos em áreas remotas com populações locais afetadas, sem as devidas compensações e cuidados.
O presidente Martin Vizcarra está sob intensa pressão das multinacionais para intervir e garantir as atividades, não só referentes ao petróleo. Já houve bloqueios de estradas para impedir o escoamento da produção de cobre e de outros minerais, que representam parcelas mais significativas do PIB peruano, em comparação com a pequena parcela dos hidrocarbonetos.
Além da crise indígena, o presidente Vizcarra está sob intensa pressão pela alta letalidade do COVID no país. Mudou recentemente seu gabinete, substituindo 11 Ministros, numa tentativa de recuperar a economia e evitar o contágio de dezenas de milhares de pessoas que se expõem a contaminação nos transportes públicos que continuam lotados devido à informalidade das relações de trabalho no país. Os leitos de UTI já não são suficientes para atender aos que precisam. A maioria dos novos ministros se alinha com uma política neoliberal favorável aos mercados e ao setor privado.
Apesar de indicado como um hábil negociador, o primeiro ministro sugerido pelo presidente, o veterano político Pedro Cateriano, foi rejeitado pelo Congresso agravando a crise política do país.
A alta letalidade do Peru ocorre apesar das extremas medidas de isolamento tomadas pelo governo. O Instituto Nacional de Estatística e Informática do Peru calculou que o PIB havia caído 40% em abril, quando as medidas de confinamento incluíam o confinamento obrigatório e o toque de recolher. O governo prorrogou até 7 de dezembro o estado de emergência no país, manteve o fechamento de fronteiras e o toque de recolher noturno, em vigor desde 16 de março.
Erros na gestão dos auxílios acabaram agravando a situação de contagio, especialmente nas comunidades indígenas da Amazônia. O governo ao invés de aumentar o uso de testes moleculares PCR, que identificam o contágio, aumentou apenas o uso de testes sorológicos, que identificam os contaminados que já se recuperaram, induzindo a erros de intervenção.
Também houve falha na gestão do oxigênio, fundamental para o tratamento ambulatorial e hospitalar, fora das UTIS, explicando parte do aumento da letalidade, especialmente nas áreas indígenas, mais pobres e região de produção de petróleo. Com pouco petróleo, profunda crise econômica, desigualdade crescente e desastre humanitário no tratamento do COVID 19 a situação politica do Peru tende a se agravar, com consequências ainda difíceis de antecipar.
José Sérgio Gabrielli é professor aposentado da UFBa, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep).
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