Os riscos da financeirização do setor de óleo e gás brasileiro
CartaCapital
Apesar do heterodoxo modus operandi da indústria petrolífera mundial, em função de sua importância para a estratégia de segurança nacional dos países, o Brasil vem conduzindo um amplo processo de liberalização das atividades de exploração, produção, refino e comercialização de óleo e gás natural.
Após medidas como o fim da operação única da Petrobras no pré-sal e flexibilização das exigências de conteúdo local para construção de plataformas, a abertura, hoje, se dá por meio da venda de ativos da empresa, incluindo campos petrolíferos, refinarias e gasodutos.
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Tal movimento aponta para um potencial descolamento da atividade petrolífera no país em relação à estratégia de segurança energética brasileira, na medida em que sua gestão é crescentemente submetida a interesses privados.
Entre os novos agentes estão corporações transnacionais detentoras de enorme poder financeiro e político, cuja estratégia, em muitos casos, se encontra com os objetivos de seus países de origem.
Mais recentemente, porém, tem se notado um aumento de participação de fundos de investimentos no setor de óleo e gás do país, o que tende a acelerar o referido descolamento.
Entre os exemplos estão os dos fundos canadenses Brookfield e Caisse de dépôt et placement du Québec (CDPQ), que adquiriram, respectivamente, a Transportadora Associada de Gás (TAG) e a Nova Transportadora do Sudeste (NTS), e do árabe Mubadala Capital, que comprou a Refinaria Landulpho Alves (RLAM).
Algumas das pequenas e médias empresas que estão comprando ativos terrestres e marítimos da Petrobras também são fortemente dependentes ou, na prática, controladas por fundos de investimentos, como a 3R Petroleum, com o fundo Starboard, a Karavan Oil, com o Seacrest Capital, e a Trident Energy, com o Warburg Pincus.
A própria Petrobras tem como acionistas relevantes o maior gestor de ativos financeiros do mundo, o norte-americano Blackrock, e a Capital Research and Management Company, os quais detêm, cada um, 5% de suas ações preferenciais.
A estatal também vendeu ativos de energia elétrica e biocombustíveis para fundos de investimento, como as usinas eólicas Mangue Seco para o FIP Pirineus e Vinci Energia, termelétricas para o Global Participações em Energia, a produtora de etanol Bambuí Bioenergia para o Turdus Participações, e a produtora de biodiesel BSBios para o RP Participações em Biocombustíveis.
O professor e pesquisador da UERJ Roberto Machado Pessanha alerta que as transformações produzidas a partir do controle financeiro sobre as companhias não apenas reforçam o poder do mercado de capitais sobre a produção e o emprego – favorecendo pagamentos em dinheiro aos acionistas e valorização das ações em detrimento do investimento produtivo de longo prazo –, como interferem diretamente na produção do espaço onde estão as instalações fixas e as bases produtivas das companhias.
Outro ponto sensível é a potencial ameaça da financeirização à soberania dos estados nacionais. Em 2019, por exemplo, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump tentou utilizar dois fundos sediados no país (BlackRock e Vanguard), que detinham excedentes da renda petrolífera e títulos da dívida da Venezuela, para transferir a gestão dos recursos da presidência da república para a Assembleia Nacional do país sul-americano, favorecendo o então opositor de Nicolás Maduro, Juan Guaidó.
Pessanha observa que, em maio de 2018, o Brasil decidiu pela extinção do Fundo Soberano do Brasil (FSB), transferindo os recursos de seu patrimônio – constituído por rendas geradas pela produção de petróleo – para o pagamento da dívida pública brasileira, perdendo a oportunidade de…
fazer como outros países que possuem riquezas naturais e utilizam há a algum tempo este instrumento de poder do Estado para projetos estratégicos da nação.
Ou seja, além de abrir mão de um modelo de desenvolvimento do setor de óleo e gás pensado como vetor para formação um complexo tecnológico e industrial nacional, o Brasil pode estar colocando sua soberania em risco ao deixar suas riquezas energéticas cada vez mais sob orientação da “mão invisível” do mercado, a qual, em última análise, responde aos interesses de potências estatais globais.
Não se trata, aqui, de discriminar a participação da iniciativa privada no setor de óleo e gás brasileiro – a qual cumpriu e segue desempenhando papel importante em seu desenvolvimento –, mas de atentar para a importância de um planejamento estatal que considere a natureza geopolítica de tais commodities.
Artigo publicado originalmente na CartaCapital.
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