O que explica o lucro recorde da Petrobras?
CartaCapital
A Petrobras divulgou os resultados do balanço anual de 2022. Mesmo diante da queda de indicadores operacionais e comerciais, o lucro líquido da empresa foi de 43,3 bilhões de reais no quatro trimestre. No ano, a companhia acumulou lucro líquido de 188,3 bilhões de reais, o maior de sua história.
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Os principais vetores dos resultados extraordinários foram sua atual política de preços de paridade e importação (PPI), que reajusta os preços dos derivados a partir das variações nas cotações internacionais do petróleo, na taxa de câmbio e custos logísticos de importação, e o processo de desverticalização e desmonte da empresa, com a venda acelerada de seus ativos estratégicos.
Quando se compara o resultado da companhia em 2022 com ano anterior, nota-se que o lucro líquido cresceu 76,6% e o pagamento de dividendos duplicou no período. Seus indicadores operacionais, por outro lado, registraram deterioração, em decorrência da redução sistemática do volume de investimentos da companhia nos últimos anos. As produções de óleo e gás natural e de derivados retraíram, respectivamente, 3,2% e 5,9%, na comparação anual.
Todo o lucro extraordinário auferido pela companhia teve como destino prioritário o pagamento de megadividendos. A companhia distribui um total de 209,5 bilhões de reais em dividendos a seus acionistas em 2022, valor 11% superior ao lucro líquido acumulado pela Petrobras no ano. Durante o governo de Jair Bolsonaro, a petroleira distribuiu 332,5 bilhões em dividendos a seus acionistas, montante 4,8 vezes superior a todo o volume de dividendos distribuídos pela empresa nos 12 anos anteriores (2007-2018), isto é, desde a descoberta do pré-sal.
Tais fatos atestam, de maneira irrefutável, a política de desmonte e transferência do patrimônio e riqueza gerada pela Petrobras nos últimos quatro anos para seus acionistas – Grupo de Controle (União e BNDES), investidores privados brasileiros e estrangeiros – e outros players da cadeia produtiva de óleo e gás.
Em resumo, o resultado positivo apurado pela Petrobras em 2022 foi fortemente impactado pelo aumento de 41,7% de sua receita de vendas e pela entrada de itens não recorrentes, com destaque para venda de ativos da companhia, que ao longo de 2022 resultou na arrecadação de 24,8 bilhões.
A receita total de vendas da Petrobras saltou de 452,6 bilhões de reais, em 2021, para 641,2 bilhões, em 2022. Esse expressivo aumento de 41,7% é explicado, principalmente, pelo aumento médio de 51,9% no preço básico dos derivados no mercado interno em 2022, em comparação com ano anterior.
A elevação dos preços compensou a retração de 2,9% no volume de derivados comercializados no mercado interno no presente ano. Apenas o Diesel, derivado mais comercializado pela estatal, registrou um incremento de 58% em suas receitas (206,9 bilhões), em virtude da alta de 48% em seu preço médio no mercado interno. O mercado nacional continua como principal fonte de receitas da Petrobras e , em 2022, representou 76% da receita total de venda da companhia, quatro pontos percentuais acima do registrado em 2021.
No mercado externo, o bom desempenho da companhia com o aumento de 26,5% das receitas de vendas resultou exclusivamente do aumento dos preços internacionais do petróleo brent (51,9%) e seus derivados no mercado internacional. Visto que a empresa registrou queda em suas exportações (12%) em 2022, em especial, de petróleo cru (10,8%) e óleo combustível (8,1%). Essa estratégia comercial significou uma perda de market share da Petrobras no mercado asiático (exceto China) e América latina, porém reforçou sua posição no mercado europeu e estadunidense.
O volume de importações também registrou incremento em 2022. Com o objetivo de suprir o aumento da demanda de derivados no mercado interno, a companhia ampliou em 7,0% suas importações de derivados, que saltaram de 856 mil de barris por dia, em 2021, para cerca de 916 mil barris por dia, em 2022. Essa expansão das importações associada à elevação do nível de utilização (FUT) de suas refinarias de 81%, em 2021, para 86%, em 2022, por um lado, reforça a necessidade de investimentos na ampliação do parque de refino nacional e, por outro lado, coloca em xeque a estratégia da empresa de vender suas refinarias. Durante a gestão Bolsonaro a empresa vendeu três de suas refinarias estratégicas: RLAM, na Bahia; REMAN, no Amazonas; e LUBNOR, no Ceará. A tentativa de venda da REGAP, em Minas Gerais fracassou e, por isso, foi cancelada.
Em 2022, a Petrobras reduziu consideravelmente o seu nível de endividamento, a sua dívida bruta caiu 8,4% em comparação a 2021, de 58,7 bilhões de dólares para 53,7 bilhões da moeda norteamericana. Com isso, a companhia alcançou uma relação dívida líquida/EBITDA de 0,63 neste ano – valor muito inferior do que a meta de 2,5 estabelecida em 2017 e que justificava a manutenção de sua atual política de desinvestimentos. Essa redução do endividamento foi possível com a ampliação de 25,7% na geração de recursos operacionais em 2022.
Por fim, é preciso destacar que no quarto trimestre do ano passado, a Petrobras anunciou a distribuição de 35,8 bilhões na forma de dividendos, contudo, dado que o montante proposto ultrapasso os parâmetros da fórmula prevista no item 4.2 da Política de Remuneração aos Acionistas, o Conselho Administrativo da empresa (CA) propôs a distribuição de 29,3 bilhões em dividendos neste trimestre e recomendou a criação de uma Reserva Estatuária no valor de 6,5 bilhões, que será avaliada em futura Assembleia Geral dos Acionistas. Em caso de recusa dessa sugestão, o CA recomendou o pagamento desses 6,5 bilhões apenas em dezembro deste ano, corrigidos pela taxa SELIC.
O resultado da Petrobras no acumulado do ano de 2022 reitera que a geração de valor no curto prazo e a distribuição de megadividendos foram as prioridades na era Bolsonaro, mesmo que a um alto custo para empresa e a sociedade brasileira. Os três pilares da estratégia de negócios da Petrobras nesse período foram (i) a redução dos investimentos produtivos da companhia, cada vez mais concentrados no upstream offshore no polígono do pré-sal; (ii) o aprofundamento de um processo de desverticalização e venda acelerada de ativos estratégicos da companhia; e (iii) adoção de uma política de preços danosa aos consumidores brasileiros.
Como resultado, observou-se, para além da redução do endividamento da companhia, a transferência quase integral da renda petrolífera gerada nos últimos quatro anos aos seus acionistas, o desmonte e desnacionalização da Petrobras e a deterioração de seus indicadores operacionais, inclusive, no upstream offshore. Tal processo fragilizou a sustentabilidade financeira e operacional da empresa no longo prazo.
Por isso, é urgente a revisão do atual Plano Estratégico 2023-27 como elemento inaugural da nova direção da Petrobras, com vistas a retomada de seus investimentos exploratórios e na ampliação do parque de refino, além da inserção definitiva da companhia na agenda da transição energética e justa. Esses elementos são essenciais para realinhamento da Petrobras ao interesse público e ao desenvolvimento nacional.
Artigo publicado originalmente na CartaCapital.
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