O que está em jogo e quais são as perspectivas com a venda das refinarias da Petrobras?
Foto: Agência Petrobras.
Desde que assumiu a presidência da Petrobras, Roberto Castello Branco colocou como prioridade da sua gestão a venda de parte do parque de refino da estatal brasileira. Segundo notícia veiculada pela Forbes, em uma de suas primeiras declarações como presidente da Petrobras, Castello Branco, em janeiro de 2019 afirmou que não pretendia se “prender a um programa tímido de venda do refino, [como por exemplo] vender 60% de ‘clusters’(…) restringir compradores. Qualquer um [agente do setor] pode entrar”. Um de seus argumentos na época era de que a Petrobras deixaria de ser “o endereço onde as pessoas batem na porta para reclamar de preço da gasolina, diesel”. Complementando esse raciocínio, o novo presidente da companhia acreditava que, com a venda dos ativos, seria possível construir um novo mercado de derivados mais “vibrante e competitivo”.
Em março de 2019, numa entrevista dada ao jornal “O Globo” o novo presidente da petrolífera brasileira expôs com mais detalhes seus objetivos para o programa de venda do refino: “Minha ideia é ficar com menos de 50% da capacidade do refino. Estamos estruturando como fazer, porque queremos criar um mercado competitivo. (…) Vamos ter pelo menos uma venda de refinaria este ano. O projeto de venda vai ser diferente do que já foi anunciado. A empresa pode comprar a refinaria e alugar serviços [de infraestrutura]”.
Já em 26 de abril de 2019, a Petrobras anunciou ao mercado as “Novas Diretrizes para Gestão do seu Portfolio” oficializando as bases do programa de venda do parque de refino da Petrobras. Foram incluídas, no programa de vendas, sete refinarias da estatal (RLAM, Rnest, Regap, Repar, Refap, Reman e a Lubnor), além da unidade de industrialização de Xisto no Paraná (SIX) com o objetivo de transferir para outros atores cerca de 1,1 milhão de barris/dia da capacidade de processamento da Petrobras.
Vários são os atores que podem se interessar pelos ativos do refino, desde empresas globais do setor até grupos de investimentos internacionais. Todavia, na avaliação do Ineep, há um conjunto de operadoras que atuam no mercado de exploração e distribuição no Brasil que podem ser considerados potenciais compradores de algumas dessas refinarias. Cabe ressaltar, inclusive, que algumas delas tem se movimentado desde 2018 para ampliar e/ou ingressar no mercado brasileiro de exploração e produção bem como no de distribuição, o que pode sinalizar que há um interesse de tais operadores em atuar de forma integrada (do poço ao posto) no setor de petróleo brasileiro.
Em recente texto, os pesquisadores do Ineep, Rodrigo Leão e William Nozaki, afirmam que “podem-se apontar como algumas das potenciais interessadas para ingressar nas refinarias da Petrobras, empresas como: (i) a Shell, que é operadora de campos petrolíferos brasileiros e distribuidora de derivados há mais de uma década; (ii) a malaia Petronas, que já está na cadeia de distribuição de lubrificantes e recentemente comprou campos de exploração de petróleo no país e; (iii) a francesa Total bem como a chinesa CNPC, que recentemente adquiriram ativos de exploração e produção bem como de distribuição no Brasil”.
O raciocínio do presidente Castello Branco parece muito mais de um órgão de regulação da concorrência, como o Cade, do que propriamente de uma empresa capitalista que atua num mercado em que busca maximizar não só sua rentabilidade, mas também sua posição de mercado nos diferentes setores que atua. E, diferentemente do que podem estar realizando as outras operadoras citadas – como a Shell, a Petronas, a Total e a CNPC –, a estratégia empresarial da Petrobras está se norteando pela redução do seu “grau” de verticalização no mercado de petróleo e gás.
Em todo caso, o programa já está anunciado e fica a questão: o que exatamente a Petrobras está se propondo a vender para os seus futuros concorrentes?
Ao todo, as sete refinarias colocadas a venda pela Petrobras possuem uma capacidade de processamento de 1.133.728 barris equivalente de petróleo por dia (bep/d), o que representa cerca de 48% de toda a capacidade de refino da estatal que atualmente é de 2.348.498 bep/d. A pressuposição de que isso estimularia concorrência negligencia algumas características do mercado de derivados, como a concentração regional. Por exemplo: se, uma futura compradora, adquirir conjuntamente a Repar e a Refap será criado um monopólio regional, uma vez que as duas refinarias possuem uma capacidade de processamento de 433.950 bep/d (18% do mercado nacional) para abastecer a demanda da região Sul de 383.835 bep/d (dados de 2018).
Embora apresentem uma capacidade de 1.133.728 bep/d, as sete refinarias, na média de 2018, estavam processando apenas 797.170 bep/d. Em apenas quatro anos, desde 2014, o volume processado de derivados nessas refinarias caiu 121.638 bep/d, fazendo com que taxa de utilização média caísse de 85% em 2014 para 70% em 2018. Cabe ressaltar ainda que essa taxa de 70% estava abaixo do uso total do parque de refino da Petrobras em 2018, que foi de 75%. Ou seja, há uma capacidade ociosa maior nas refinarias anunciadas para venda em relação às que ficarão no portfólio da Petrobras.
Por fim, tais refinarias processam derivados para mais de 20 estados brasileiros (cerca de 60% da demanda por derivados no país), sendo que, em alguns casos, como a Reman na região Norte, há uma clara situação de monopólio regional. Tendo em vista as dimensões continentais do Brasil, em certas regiões é inviável que se configure uma situação de concorrência em função dos elevados custos logísticos. Por exemplo: é muito difícil que uma refinaria de São Paulo ou do Paraná possa competir com a Reman no mercado nortista.
As sete refinarias que compõem o programa de venda da Petrobras seriam capazes de atender todo o mercado australiano – o vigésimo maior demandante de derivados de petróleo do mundo – o que, por si só, já seria um grande atrativo para possíveis compradores. Aliado a isso, por se tratar de refinarias com elevada capacidade de processamento, tal atrativo pode ser ainda maior, pois há uma real possibilidade dos futuros proprietários se estabelecerem como atores monopólicos em seus respectivos mercados.
O cenário de forte crescimento da produção de petróleo por operadoras estrangeiras que, cada vez mais, estão se posicionando no mercado de distribuição do Brasil, também podem reforçar os interesses de tais operadoras no parque de refino brasileiro.
De tal forma, há uma conjuntura bastante favorável para a entrada de novas empresas atuando de forma integrada no mercado nacional de petróleo e constituindo monopólios regionais no refino e distribuição. Esse é um bom exemplo do que é a “dinâmica de concorrência” na indústria de petróleo.
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