O programa Abastece Brasil favorece os grandes players do setor de distribuição de derivados
Foto: EPE.
O Ministério de Minas e Energia (MME) do governo Bolsonaro por meio do programa Abastece Brasil estabeleceu um conjunto de medidas visando a abertura do setor de distribuição de derivados de petróleo no Brasil.
Entre os aspectos destacados, as seguintes prioridades para o setor de combustíveis são as seguintes: (i) estimular os investimentos nos segmentos de refino e infraestrutura para a movimentação de combustíveis; (ii) promover a prática de preço único e de mercado para o GLP; e (iii) reduzir a sonegação e adulteração de combustíveis.
Para alcançar tais intentos, o MME partiu da ideia de que esses objetivos poderiam ser alcançados, simplesmente, com a promoção da livre concorrência no segmento de abastecimento brasileiro. Ou seja, a segurança de abastecimento – que é garantia do abastecimento de combustíveis seguro para o conjunto da população salvaguardando possíveis quebras de fornecimento – seria obtida exclusivamente pelos mecanismos de mercado.
Nesse escopo, e seguindo o alinhamento desde 2016, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) recomendou – por meio do art. 2 da Resolução nº 12 de 4 de junho de 2019 – que o MME, em conjunto com o CADE (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência), Casa Civil, entre outros órgão governamentais, realizassem estudos e proposição de medidas voltados a promoção da livre concorrência no abastecimento de combustíveis e demais derivados de petróleo e bicombustíveis.
Esses estudos foram desenvolvidos em três grandes áreas temáticas, a saber: (i) verticalização entre os agentes atuantes (produtor, importador, distribuidores, postos revendedores de combustíveis) no segmento de abastecimento com o objetivo de estimular a concorrência; (ii) as novas formas de comercialização de GLP; e (iii) acesso de terceiros a dutos de transporte e terminais terrestres.
Entre essas três medidas, a verticalização do setor de combustíveis líquidos no Brasil tem um potencial importante para reorganizar o mercado de distribuição, afetando os atores que participam de tal mercado.
Atualmente, a cadeia produtiva de combustíveis brasileira é formada por refinarias, importadores e formuladores de combustíveis, distribuidores de combustíveis ou transportadores-revendedores-retalhistas (TRRs) e postos revendedores de combustíveis (40.524 revendedores, sendo que deste 18.061 com bandeira branca).
Os principais agentes fornecedores da cadeia de combustíveis brasileira são as 17 refinarias, com capacidade de refino de aproximados 2,4 milhões de barris por dia, os 50 produtores de biodiesel, com capacidade total de produção de 140 mil barris por dia e as 382 usinas de etanol com capacidade total de produção de 570 mil barris por dia. Cabe observar que o parque nacional de refino foi estruturado pela Petrobras, empresa estatal e operadora do monopólio até 1997, levando em conta a segurança do abastecimento de derivados nacional e buscando maximizar economias de escala e reduzir as redundâncias de infraestrutura regionais.
Diante das características do setor, o MME está propondo medidas para reformulação dos modelos de negócios e arranjos societários para o abastecimento de combustíveis que permitam o processo de verticalização dos agentes da cadeia de abastecimento. Em outras palavras medidas que permitam que a mesma empresa possua integração entre a refinaria e a distribuição ou entre a distribuição e revenda, por exemplo.
Isso é no mínimo contraditório, pois o MME e o CADE têm apontado a integração vertical da Petrobras como um empecilho para a concorrência da cadeia de abastecimento e a redução dos preços e agora está propondo medidas que permitem e estimulam a integração vertical para as empresas privadas.
Mas como isso é possível? Como a integração vertical entre distribuidores e postos de revenda, por exemplo, vai aumentar a concorrência se isso provocaria a diminuição do agentes de mercado? Para o MME, a concorrência ocorrerá pela infraestrutura para os movimentos de combustíveis provenientes da importação e não pelo número de agentes dada a estrutura desse mercado.
As principais medidas propostas no Sumário Executivo do Estudo do art. 2º da Resolução CNPE para a questão da verticalização do setor de combustíveis líquidos são:
• permitir que o produtor (refinador): a) realize mistura de Gasolina A com etanol anidro nas plantas de refino (Resoluções ANP no 40/2013 e no 777/2019); b) venda combustível para posto revendedor e, caso opte por isso, tenha em contrapartida obrigações similares a do distribuidor para formação de estoques e preservação de qualidade (Resoluções ANP no 16/2010, no 67/2011 e no 44/2013); c) preste serviços para outros segmentos; e d) alugue estrutura para outros agentes interessados em operar a unidade de refino;
• remover a obrigatoriedade do importador de comprovação de estoque para o etanol anidro (Resolução ANP no 67/2011 e Resolução CNPE no 11/2017); eliminar a vedação de o importador comercializar produtos com outros importadores (Resolução ANP no 777/2019);
• extinguir a proibição de o importador poder importar correntes de hidrocarbonetos (Resolução ANP no 777/2019);
• encerrar a vedação de o importador importar produto (combustível líquido) já misturado, ou fazer mistura (Resolução ANP no 777/2019);
• manter a vedação de o importador comercializar combustível com o posto revendedor;
• eliminar vedação de comercialização gasolina e querosene de aviação – GAV e QAV por TRR (Resolução ANP no 8/2007);
• eliminar vedação de aquisição de GAV diretamente do produtor do combustível, sem a intermediação dos distribuidores, por TRR (Resolução ANP no 8/2007); eliminar vedação ao compartilhamento de infraestrutura de armazenagem de gasolina, etanol hidratado, GAV e QAV, por TRR (Resolução ANP no 8/2007); eliminar reserva de mercado do TRR – consumidor de até 15 m3 (Resolução ANP no 34/2007);
• atualização dos requisitos para produção de combustíveis em Centrais Petroquímicas (Portarias ANP no 317/2011 e no 84/2001); e
• permitir integração vertical entre distribuidor e revendedor (Resoluções ANP no 58/2014 e no 41/2013); ou entre refinador e distribuidor; ou entre qualquer agente da cadeia.
Essas medidas implicariam num processo de concentração do mercado nessa cadeia produtiva por meio da verticalização sem que isso amplie a concorrência. Pelo contrário, isso tende a provocar uma concentração nas revendas e uma tendência de desaparecimento dos postos bandeira branca, além de dar uma maior força aos grandes distribuidores – capazes de se integrar com importadores e postos – em relação aos pequenos.
Ademais, essas medidas vão beneficiar os futuros compradores das refinarias da Petrobras e as grandes fornecedores de etanol que poderão expandir os seus modelos de negócios para outros ramos da cadeia ganhando escala e lucrando mais. Ou seja, vão ser os grandes ganhadores dessas novas medidas em detrimento dos pequenos e médios agentes da cadeia de combustíveis brasileira.
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