O petróleo brasileiro na política energética estrangeira: o caso dos Estados Unidos

Foto: Agência Petrobras.

Nos anos 2000, o mercado global de petróleo e gás foi consideravelmente impactado pelo aumento da produção destes recursos de modo não convencional (tight oil e shale gas) nos Estados Unidos. Mesmo que ainda haja uma crescente produção interna estadunidense em função do novo tipo de extração a partir de rochas de xisto, há um grau de incerteza sobre a sustentabilidade desse tipo de petróleo e gás por conta, por exemplo, de perspectivas de rápido esgotamento das reservas e pela dificuldade de realizar novas descobertas em território nacional de volumes capazes de substituí-las. Independente disso, embora tal situação tenha aumentado a segurança energética dos EUA, o país permanece buscando assegurar reservas em outros países por meio de suas grandes petrolíferas, em especial a ExxonMobil e a Chevron, e, assim, ampliar seu controle sobre a produção de petróleo internacional.

Desde o início do século, documentos oficiais estadunidenses sobre a política energética do país já vinham atestando a necessidade de diversificação das fontes energéticas do país. O documento que ficou conhecido como Relatório Cheney, divulgado em 2001, apontava tal objetivo, uma vez que a dependência na obtenção de recursos do Golfo Pérsico precisava ser diminuída devido à crescente instabilidade na região. Destaca-se neste documento que a exploração e produção em águas marítimas do Brasil e do Atlântico Sul de modo geral já estavam na mira dos Estados Unidos em 2001. Tendo isso em mente, não há a menor dúvida de que a descoberta pela Petrobras das reservas de petróleo do pré-sal em território brasileiro em 2006 implicou em uma mudança de posição do Brasil no escopo de interesses dos EUA.

A maior atenção sobre o segmento de petróleo brasileiro foi também declarada e reforçada no documento denominado Blueprint for a Secure Energy Future, em 2011, no qual o Brasil aparecia em três das sete prioridades estratégicas da política energética estadunidense: como uma fonte de experiência para a produção de biocombustíveis; como um parceiro fundamental para a exploração e produção de petróleo em águas profundas; como um território estratégico para a prospecção de recursos. Na época, ainda em 2011, Barack Obama visitou as instalações da Petrobras, repetindo o gesto que havia sido realizado em 2007, após a descoberta do pré-sal, por George Bush.

O direcionamento estratégico da política energética estadunidense, dando centralidade à entrada no setor petróleo brasileiro, pode ser igualmente visto em pressões realizadas pelas grandes petrolíferas Chevron e ExxonMobil no sentido de inviabilizar a aprovação de novos regimes exploratórios referentes ao pré-sal. Contra o protagonismo da Petrobras na exploração das áreas em questão, as empresas boicotaram o primeiro leilão do pré-sal em 2013. Ainda, cabe apontar que já em 2009, o Wikileaks revelava que um dos assuntos mais abordados nas mensagens diplomáticas da embaixada dos EUA no Brasil nos anos 2000 dizia respeito à política brasileira do petróleo, havendo queixas das empresas acerca do regime de partilha adotado para o pré-sal e contatos diretos entre o senador José Serra e executivos dessas empresas. Depois, pudemos constatar que veio justamente de Serra o projeto de lei que viabilizou em 2016 a retirada da cláusula de obrigatoriedade de participação da Petrobras no regime de partilha, tendo uma série de implicações, como o favorecimento à entrada das petroleiras estrangeiras.

Embora a trajetória da ExxonMobil no Brasil contabilize mais de 100 anos, a companhia estava ausente do mercado brasileiro desde 2009, quando devolveu o bloco BM-S-22, à época o único operado no pré-sal por uma empresa estrangeira na década passada. A reentrada da empresa no mercado brasileiro começou de forma discreta em 2013 e foi intensificada após as mudanças regulatórias em 2016, o que fez com que participasse de cinco leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e adquirisse 23 novas áreas de exploração, tornando-se a empresa estrangeira com maior área de exploração líquida no país. Em 2018, a Exxon se encontrava já em 25 áreas exploratórias ou em fase de desenvolvimento da produção em vários blocos diferentes no pré-sal nas Bacias de Campos e Santos, além de Sergipe-Alagoas, Ceará e Potiguar, sozinha ou com sócios – Petrobras, Equinor, Galp, Azibrás, Queiroz Galvão, Murphy e Qatar Petroleum.

A primeira produção no Brasil será no campo de Carcará, onde existe um reservatório com mais de 2 bilhões de barris de petróleo no bloco BM-S-8. A Exxon comprou da Equinor, que é a operadora, uma participação de 36,5% por US$ 1,3 bilhão. Posteriormente a Exxon adquiriu 40% dos direitos de produção da área Carcará Norte na 2ª rodada de partilha. Assim, a área será explorada com os sócios sob dois regimes: a parte do reservatório de Carcará dentro do BM-S-8 sob o regime de concessão e a área Norte sob a partilha. O início da produção está previsto para 2023 ou 2024.

Ademais, a empresa está já habilitada para participar da oferta permanente de exploração e produção de mais de 600 blocos onshore e offshore e já demonstrou interesse em participar do 16º leilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal, em que serão ofertadas 4 áreas no pré-sal – Atapu, Búzios, Itapu e Sépia – e da 6º rodada do pré-sal no regime de partilha. Além disso, importa apontar também que recentemente a ExxonMobil contratou João Vicente de Carvalho Vieira, ex-secretário da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME) nas gestões dos presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro, para reforçar seu quadro no Brasil. Contratação ocorrida três meses antes dos leilões do excedente e da 6ª rodada de partilha, cabe mencionar que João Vicente participou do processo para definição das novas rodadas de concessão, partilha e do excedente da cessão, assim como das negociações relacionadas à revisão do contrato da cessão onerosa com a Petrobras. Sendo a primeira petroleira estrangeira a contratar um ex-executivo do alto escalão do MME, no mínimo, o fato reforça o interesse da ExxonMobil pelo Brasil.

A Chevron, por sua vez, contando com mais de 100 anos também no Brasil, passou a atuar na área de exploração e produção somente após quebra de monopólio da Petrobras em 1997. Sua trajetória no Brasil, contudo, é marcada pelo vazamento de petróleo em 2011 no Campo do Frade, na Bacia de Campos, no qual era operadora. Em função disso, a ANP aplicou multa e suspendeu temporariamente a possibilidade da empresa de perfurar o campo. Já em 2013, a petrolífera estadunidense fechou um acordo que pôs fim às ações, e em 2019, vendeu sua participação em Frade. Nos últimos anos, tem buscado renovar sua imagem no Brasil e, concomitantemente, tem afirmado que seu interesse é focar no pré-sal brasileiro. A partir de 2018, a Chevron garantiu dois blocos – Três Marias (30%), em parceria com a Petrobras (30%) e a Shell (40%), e Saturno (50%), em parceria com a Shell (50%) – no pré-sal na Bacia de Santos. Ademais, com a compra da Anadarko, a Chevron ampliou sua presença no segmento brasileiro, assumindo mais dois blocos na Bacia de Campos.

Embora não seja foco desta nota, é interessante salientar que tanto a ExxonMobil quanto a Chevron têm como estratégia central atuar como empresas integradas, o que indica a possibilidade de ingresso dessas empresas de forma mais acelerada em outras atividades no país, sobretudo em um contexto em que a Petrobras intensifica seu programa de desinvestimentos e assume um papel coadjuvante no setor nacional de petróleo.

Desse modo, assim como no caso da França, o caso dos Estados Unidos aqui abordado chama atenção não só em função do claro direcionamento de sua política energética para o segmento de petróleo brasileiro nos anos 2000, mas também devido à sintonia entre os interesses nacionais do país, com envolvimento do Estado no delineamento de estratégias nacionais para atuação internacional, e os interesses empresariais estadunidenses, que miram conjuntamente o objetivo de assegurar a segurança energética do país no longo prazo. Pode-se dizer assim que tanto a manutenção da extração não convencional de petróleo e gás, como o controle da produção de petróleo internacional continuarão sendo dois alvos da política energética do governo americano. Aqui se aponta, portanto, que o Brasil está no alvo estadunidense de maneiras variadas, e que, por conseguinte, há mais uma evidência da maior visibilidade entre as potências ocidentais das potencialidades do Atlântico Sul no âmbito do setor energético.

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