O lugar do Brasil nas mudanças do refino mundial no século XXI
Foto: Paulo Whitaker / Reuters.
Neste século XXI, as grandes descobertas de novas reservas de petróleo e as crescentes incertezas relacionadas à demanda futura por estes recursos direcionaram os debates e as análises dos especialistas para os temas de exploração e produção, bem como do consumo de petróleo no longo prazo. Todavia, embora tenham chamado menos a atenção, as mudanças no mercado mundial de refino também foram importantes nesse período, incluindo o próprio Brasil.
Segundo dados da British Petroleum (BP), em 2018, a capacidade mundial de refino era 100 milhões de barris por dia (mbbl/d), sendo que 18,8% estava concentrada nos Estados Unidos (18,8 mbbl/dia), 15,7% na China (15,7 mbbl/dia) e 6,6% na Rússia (6,6 mbbl/dia). Somando às participações desses três países, às da Índia (5,0%) e da Coreia do Sul (3,3%), que possuem respectivamente o quarto e o quinto maior parque de refino do mundo, pode-se afirmar que metade da capacidade está concentrada em apenas cinco países.
Esse quadro tem diferenças relevantes daquele observado no início do século XXI. Em 2001, a capacidade global de refino era quase 17 mbbl/dia inferior e, embora as maiores participações estivessem também nos Estados Unidos, na China e na Rússia, a distância entre americanos e chineses caiu abruptamente. Naquele ano, os Estados Unidos detinham 20,1% (16,8 mbbl/d) do refino global, a China apenas 7,4% (6,1 mbbl/d) e a Rússia 6,1%. Atrás desses países, vinham Japão e Itália responsáveis por respectivamente 5,6% e 3,0% – em 2018, eles ficaram na sexta e na décima segunda posição entre os maiores parques de refino do mundo.
A ascensão de Coreia do Sul e Índia, algo que também ocorreu em vários países do Oriente Médio, a redução da distância da China para os Estados Unidos, bem como a perda de posição de Japão e Itália são episódios que sugerem uma mudança importante no mercado global de refino. Houve, de um lado, um claro esforço dos países em desenvolvimento (em especial da Ásia) para expandir sua capacidade de refino e, de outro, investimentos mais modestos dos países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, nesse segmento ou até desinvestimentos, principalmente nos países europeus. Mas, no caso do Brasil, como o país se comportou nesse cenário?
Em 2001, o Brasil ocupava a décima primeira posição com uma capacidade de 1,8 mbbl/d de processamento de derivados refino. Já em 2018, o Brasil subiu para oitava posição atingindo uma capacidade de 2,3 mbbl/d, o que significou um crescimento de 23,6%, o equivalente a 436 mil barris por dia. Tal crescimento somente não foi maior do que em oito países (China, Índia, Estados Unidos, Rússia, Arábia Saudita, Coreia do Sul, Irã e Emirados Árabes), ou seja, fora da Ásia, o Brasil foi o país em desenvolvimento com a maior expansão do seu parque de refino e, incluindo os países desenvolvidos, ficou atrás apenas de Estados Unidos e Rússia. Apesar disso, a participação do Brasil no refino mundial ficou relativamente estável em 2,2%-2,3% ao longo desse período.
Analisando com mais detalhes os dados, a maior parte desse aumento ocorreu na década atual, uma vez que, entre 2011 e 2018, a capacidade de refino no país aumentou 271 mil barris por dia, enquanto, entre 2001 e 2010, cresceu apenas 142 mil barris por dia. Todavia, é importante lembrar o crescimento da década de 2010 se concentrou no período de 2011 a 2014, fruto dos investimentos realizados ainda no final nos anos 2000.
A partir de 2005, a Petrobras adotou uma política agressiva de investimentos na ampliação da capacidade de refino que apresentava, de forma genérica, duas grandes diretrizes: i) o aumento da capacidade de coqueamento de algumas das refinarias existentes, por meio do programa batizado como Revamp, que permitiria o aumento da capacidade de refino pouco mais de 100 mil barris por dia e ii) a construção de três novas refinarias no Nordeste – Rnest em Pernambuco; Premium I no Maranhão e Premium II no Ceará – que ampliaria a capacidade de refino em mais de 1 mbbl/d.
A primeira parte do programa permitiu que, entre 2007 e 2013, a capacidade de refino aumentasse cerca de 130 mil barris por dia fruto da expansão, principalmente, de quatro refinarias – Replan, Rlam, Refap e Repar. Todavia, no período posterior, a Petrobras passou por amplas dificuldades em função de vários fatores, como as abruptas mudanças nos preços do petróleo, os equívocos da gestão do refino e a crise de confiança gerada pela Operação Lava-Jato, o que alterou profundamente os projetos de investimentos estruturados anteriormente. As refinarias Premium I e II foram canceladas e a Rnest somente teve concluídas as obras do primeiro trem. Com efeito, desde 2014, ao invés de 1,1 mbbl/d, o aumento da capacidade de refino do Brasil foi de, aproximadamente, 100 mil barris por dia referente a Rnest.
Tal fato é fundamental porque, embora a expansão do parque de refino brasileiro não tenha sido desprezível nesse período, esse esforço não foi suficiente para atender o crescimento da demanda no período. Entre 2001 e 2018, o aumento de 436 mil barris por dia das refinarias ficou abaixo do aumento do consumo de petróleo e derivados de mais de 1 milhão de barris dia. No entanto, cabe reafirmar que, caso as obras não tivessem sido canceladas ou mesmo que fosse concluído o segundo trem da Rnest e a Premium I, a capacidade de refino nacional seria praticamente o mesmo do consumo nacional de petróleo.
Estimativas do Ineep, a partir dos dados da BP, mostram que a manutenção das obras do segundo trem da Rnest e da refinaria Premium I (cuja previsão de inauguração era em 2015 de acordo com o projeto original) permitiria que, em 2018, o parque de refino brasileiro fosse de 2.895 mil barris por dia, valor quase igual ao consumo de petróleo e derivados de 3.081 mil barris por dia.
Todas essas informações permitem atestar que houve um importante esforço brasileiro no cenário mundial para ampliar o seu parque de refino, mas ele ficou aquém de atender o próprio consumo interno. Esse é mais um elemento que sugere que o debate sobre o refino brasileiro está no lugar errado: a questão fundamental não é a transferência de propriedade das refinarias da Petrobras, mas sim a definição de uma nova estratégia de atração e expansão dos investimentos em nova capacidade de refino.
Ao invés de ceder mercado aos concorrentes, a Petrobras deveria se dedicar a estruturar, junto com o governo, uma forma de utilizá-los para a realização de investimentos que reduza a dependência brasileira do mercado internacional de derivados.
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