O gás natural de Vaca Muerta e a segurança energética da América do Sul

André Leão
epbr
Campo de exploração de gás em Vaca Muerta, na Argentina. Foto: Sflexas/Wikimedia Commons.

O recente interesse do Brasil em explorar possibilidades de importação de gás de xisto do campo de Vaca Muerta, na Argentina, tem ressaltado a importância de revigorar iniciativas direcionadas à segurança energética regional e à integração física na América do Sul.

 

Campo de exploração de gás em Vaca Muerta, na Argentina. Foto: Sflexas/Wikimedia Commons.

Exploração de gás pela Tecpetrol em Vaca Muerta, na Argentina. Foto: Sflexas/Wikimedia Commons.

 

Uma das principais motivações do governo do Brasil nessa empreitada é a queda da oferta do gás boliviano. A redução do fornecimento proveniente do país vizinho fez com que a Petrobras tivesse de renegociar o contrato de gás natural boliviano para garantir um volume de 20 milhões de metros cúbicos por dia. Não é de hoje que o futuro das reservas do combustível da Bolívia consiste em um problema.

 

Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de 2012 a 2021, os volumes de gás natural importados da Bolívia pelo Brasil caíram de 10,08 milhões de metros cúbicos para 7,32 milhões.

 

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Esse movimento representou também uma redução dos gastos brasileiros, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Em 2012, o Brasil gastou aproximadamente US$ 3,41 bilhões, enquanto em 2021, desembolsou US$ 1,18 bilhão.

 

Em 2023, o presidente boliviano Luis Arce declarou que as reservas de gás estavam se esgotando, o que significaria uma interrupção do fluxo de exportação para Brasil e Argentina. As expectativas são de que, após 2029, a Bolívia se tornará dependente de importações. Esse quadro deve representar um desafio para a integração regional. Afinal, o que está em jogo é a segurança energética sul-americana.

 

Uma das saídas aventadas para substituir o gás boliviano e assegurar a garantia do fornecimento do combustível são, como dito inicialmente, as reservas argentinas.

 

Em 2023, a Argentina inaugurou o gasoduto Presidente Néstor Kirchner, cujo primeiro trecho conecta o campo de Vaca Muerta até a cidade de Buenos Aires. Prevê-se um segundo trecho, que se estenderia até o norte do país, chegando à província de Santa Fé.

 

A partir desse ponto, o gasoduto precisaria ser ampliado para que pudesse chegar em solo brasileiro. Durante o governo de Alberto Fernández, o presidente Lula deu declarações de que o Brasil poderia ajudar a financiar a obra do segundo trecho por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Porém, após a eleição de Javier Milei, os planos de financiamento foram deixados de lado.

 

Não obstante, as administrações de ambos os países buscaram aproximação com o intuito de aprofundar a cooperação energética. Em abril deste ano, os ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Argentina, respectivamente, Mauro Vieira e Diana Mondino, reuniram-se para discutir a possibilidade futura de importação do gás argentino pelo Brasil.

 

Mondino afirmou que há um alinhamento de interesses, tendo em vista que a Argentina tem a capacidade de produção que atenderia às necessidades do Brasil.

 

Vieira seguiu a mesma linha, dizendo que o Brasil pode exportar insumos para a construção das etapas posteriores do gasoduto, o que geraria condições de chegada do gás ao Sul do Brasil.

 

Se efetivada, uma maior cooperação entre Brasil e Argentina poderia renovar os esforços pelo aprofundamento da integração regional, embora as divergências ideológico-políticas entre os governos atuais constituam um obstáculo, principalmente em relação a qual tipo de integração se deve seguir.

 

Essas diferenças ficaram claras a partir de meados da década de 2010, quando governos de orientação progressista desocuparam o poder e foram substituídos por administrações mais conservadoras, culminando no enfraquecimento da chamada “onda rosa”.

 

Desse modo, a Unasul, instituição central, criada com o intuito de propiciar maior integração entre as nações sul-americanas, foi esvaziada e deu lugar ao Prosul, um arranjo que mal saiu do papel e que careceu de institucionalidade. A Unasul era importante por não ser apenas um instrumento de integração política.

 

Sua estrutura, formada a partir de conselhos, abrangia vários temas estratégicos, como é o caso da integração energética. O Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) absorveu a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), um mecanismo que visava aprofundar a integração regional a partir de diversas áreas e eixos geográficos.

 

No âmbito do COSIPLAN/IIRSA, foram definidos grupos de trabalho para estruturar questões relacionadas à infraestrutura de transportes, mas um deles era destinado somente ao setor de energia, o chamado Grupo Energético.

 

No plano de atividades do COSIPLAN/IIRSA, já se previa a implementação de diversos projetos que pretendiam garantir maior segurança energética nos países sul-americanos.

 

Dentre eles, destacava-se o Gasoduto do Nordeste Argentino (GNEA), que era o de maior porte no Eixo Mercosul. Ele integrava a Agenda de Projetos Prioritários de Integração e possibilitaria a interconexão entre as reservas de gás argentinas e bolivianas.

 

 

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A queda da produção do gás boliviano acende o alerta sobre a necessidade de retomada dos projetos de integração energética. O esgotamento das reservas do país andino é uma realidade que precisa ser enfrentada urgentemente.

 

E a garantia da segurança energética regional passa, certamente, pelo aprofundamento dos laços de cooperação, o que envolve a recuperação do objetivo de integrar as infraestruturas físicas do continente sul-americano por meio da implementação de novos projetos e daqueles que já haviam sido desenhados anteriormente.

 

No entanto, a dúvida que permanece é se as diferenças de orientação ideológica e política não irão afetar uma possível nova empreitada rumo ao abastecimento energético e ao desenvolvimento da América do Sul.

 


 

Artigo publicado originalmente na epbr.