O avanço da abertura e da transição energética estarão subordinadas ao fornecimento de energia para todos

Rodrigo Leão
Broadcast Energia

A transição energética estará subordinada ao acesso energético

para todos por um preço compatível com o poder de compra da população.

 


Foto: Roy Buri / Pixabay.

Nas últimas semanas, a crise energética global se acentuou, afetando diferentes economias do mundo, principalmente a Europa e a China. A retomada da demanda global por conta da vacinação contra a Covid-19 e os choques de oferta têm impulsionado uma elevação gigantesca dos preços dos combustíveis e de outros derivados de energia e, em alguns casos,
colocando em risco o abastecimento energético.

 

No final do primeiro semestre de 2021, o consumo de gás natural liquefeito (GNL) cresceu 16% em relação ao mesmo período do ano, sendo que 30% desse aumento veio da Alemanha e 25% do Noroeste europeu. Na China, as importações cresceram 27% no mesmo período, segundo dados da McKinsey and Company.

 

A demanda, que já cresceu com o aumento da vacinação contra a Covid-19, deve aumentar ainda mais com a chegada do inverno no hemisfério norte. Essa recuperação do consumo veio acompanhada de diversos choques de oferta, em especial na Europa.

 

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Um primeiro choque se verificou no aumento dos preços do carbono na Europa que tem dificultado o uso de energia fóssil em vários países.

 

Sam Meredith, o jornalista da CNBC, relatou:

“O Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia, que é o maior programa de comércio de carbono do mundo, cobra aos emissores por cada tonelada métrica de dióxido de carbono que emitem. Os preços recorde do carbono tornaram as fontes de produção de energia altamente poluentes ainda menos atrativas porque o carvão, por exemplo, emite mais dióxido de carbono quando é queimado”.

 

Um outro choque importante é o atraso do fornecimento do gás russo para a Europa. A fim de pressionar o uso do recém-construído Nord Stream 2, os especialistas acreditam que o governo russo tem se aproveitado das dificuldades de abastecimento para postergar as vendas de gás para a Europa Ocidental. Não custa lembra que o gás russo representa quase 40% de toda a importação feita por gasodutos pela Europa.

 

Além disso, em algumas localidades, como no Reino Unido, a falta de vento tem reduzido significativamente a produção de energia eólica.

 

Já no caso da China, o maior problema tem sido os altos preços do carvão e a baixa disponibilidade do produto. Mesmo quando não há escassez, a regulação do preço final da energia vendida ao consumidor impede que os produtores de repassem os aumentos de preços, o que dificulta a manutenção margens de lucro necessárias. Há uma pressão maior
dos produtores para que o governo chinês aumente as importações do produto.

 

Apesar disso, a situação da China é menos dramática porque o país tem contratos de fornecimento de GNL de diferentes países, como Austrália e Qatar, conta com o gás russo e possui amplas reservas de carvão.

 

O aumento da demanda e os choques de oferta formaram uma tempestade perfeita que fizeram os preços do gás natural, por exemplo, explodirem na Europa nos últimos meses, como mostra a Figura abaixo. O preço do gás natural por milhão de Btu, que estava próximo a US$ 10 em 2019, está próximo dos US$ 30 na Ásia e em US$ 25 na Europa.

 

Figura – Evolução do preço do gás por milhão de BTU em dólares (2018-2021).

O avanço da abertura e da transição energética estarão subordinadas ao fornecimento de energia para todos

Fonte: Bloomberg. Elaboração BBC.

No curto prazo, não há perspectiva de mudança desse cenário. O California Times noticiou:

“O preço do gás natural, negociado para outubro, no centro TTF holandês, uma referência europeia, subiu para um máximo recorde de 79 euros (US$ 93,31) por megawatt-hora no último dia 15 de setembro. O contrato subiu mais de 250%, desde janeiro, de acordo com a Reuters, enquanto os contratos de potência de referência em França e Alemanha duplicaram”.

 

A permanência dessa crise tem obrigado os governos europeus a adotarem medidas emergenciais visando, de um lado, garantir o fornecimento energético e, de outro, conter a elevação de preços.

 

No caso do atendimento da oferta de gás, a Europa tem recorrido aos mercados menos tradicionais, bem como à Noruega, cuja matriz energética é pouco intensiva em gás natural. A norueguesa Equinor se comprometeu a elevar as exportações de gás para a Europa.

 

Os governos também têm se articulado com as grandes empresas da região para evitar que a “quebra” de pequenas companhias da região gere uma paralisação do sistema de abastecimento. No Reino Unido, a Shell Energy vai atender 255 mil antigos clientes da Green, um dos pequenos fornecedores de energia que não estão conseguindo atender seus
clientes no último mês.

 

Em relação aos preços, vários países têm adotado diferentes instrumentos para amortecer o impacto das recentes altas:

  1. A Espanha fez um pacote de tributação extraordinário lucros das empresas de energia para arrecadar 2,6 bilhões de euros em para subsidiar a eletricidade no país durante os meses de Inverno;
  2. A Itália injetou 1,2 bilhões de euros no sistema de energia, durante o verão, para reduzir as contas, e agora tem planejado uma reestruturação do sistema de cobrança da energia, bem como uma elevação do pacote para mais de 3 bilhões;
  3. A França estabeleceu um programa de transferência de renda para uso exclusivo no pagamento de energia no valor de 900 milhões de euros;
  4. O Reino Unido aprovou recentemente um novo modelo de subsídio para o setor energético, bem como anunciou um financiamento de 265 milhões de euros para ampliar a capacidade de produção de energia renovável.

 

Ainda é cedo para saber o futuro da crise energética na Europa e no mundo. Mas, não restam dúvidas que a possibilidade dessa crise se arrastar, deve fazer os governos mexerem buscando garantir o fornecimento de energia ao preço mais baixo possível. Para o final de 2021, a não intervenção governamental nos preços de mercado e prioridade em energia renováveis parecem que ficarão para o segundo plano. Isso mostra como a abertura do setor e a transição energética estará subordinada a uma questão fundamental: acesso energético para todos por um preço compatível com o poder de compra da população.

 

Artigo publicado originalmente no Broadcast Energia.

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