Novo plano estratégico da Petrobras mantém os desinvestimentos
CartaCapital
A Petrobras divulgou no final de novembro as novas diretrizes de seu Plano Estratégico (PE) para o período 2021-2025. Trata-se menos de uma nova estratégia e mais de um conjunto de ajustes a fim de fazer face ao novo cenário marcado pelos impactos da crise pandêmica e pela redução no preço do barril do petróleo, articulando a velha estrutura dos desinvestimentos à nova dinâmica da descarbonização. Ao tentar articular os desinvestimentos à descarbonização, o novo Plano Estratégico da Petrobras parece buscar construir um discurso modernizante pós-pandêmico para decisões conservadoras pré-pandemia.
Em outras palavras, o plano preserva os pilares estratégicos do anterior (2020-2024), mas enxuga o volume de investimentos projetados pela estatal para os próximos anos, em razão da queda do preço do barril de petróleo, e adota um discurso “mais agressivo” em relação à descarbonização, embora isso não signifique a expansão de gastos no segmento de renováveis.
Enquanto no plano anterior o planejamento estratégico da companhia se baseava no modelo de resiliência única, pautado pela sustentabilidade econômica, no plano atual o modelo aplicado é o de dupla resiliência, incorporando elementos de sustentabilidade ambiental. Se, por um lado, é relevante a incorporação de uma agenda verde na maior petrolífera brasileira, por outro lado, tal preocupação está orientada menos pelo compromisso com a transição energética e mais por pressões de fundos verdes e investidores institucionais atentos à pauta da descarbonização, além de antecipar o alinhamento da empresa à nova política energética e petrolífera do governo e das empresas norte-americanas.
A Petrobras preserva três das suas cinco métricas de topo – a taxa de acidentes registráveis, a dívida bruta e o valor econômico agregado. As novidades são a incorporação das seguintes métricas: (i) o volume vazado de óleos e derivados que tem como objetivo, dentro outros, responder ao fato de que em 2019 a companhia registrou um aumento de 95,5% de vazamentos de petróleo em 17 ocorrências, e (ii) a intensidade de emissão de gases do efeito estufa. O compromisso com a descarbonização, entretanto, toma como referência o ano base de 2015 quando a empresa era maior e mais verticalizada do que atualmente.
A entrada desses dois novos indicadores mostra a preocupação da Petrobras com a questão socioambiental, principalmente relacionada à descarbonização. Os objetivos de reduzir as emissões de CO2, a geração de resíduos e a utilização de água nas suas operações associados à busca por otimizar a utilização do gás e promover da biodiversidade mostram, para o mercado e à sociedade, um maior engajamento da Petrobras na área socioambiental. Apesar disso, o percentual de investimento planejado pela companhia nessas iniciativas (1,8%) está muito abaixo em relação a outras petrolíferas, em especial as europeias. Para o mesmo período, a francesa Total, por exemplo, pretende destinar cerca de 15% dos seus investimentos para o segmento de energia limpa.
Além da queda dos investimentos, a Petrobras deve continuar reduzindo sua atuação no segmento de renováveis. O PE 2021-2025 afirma que a companhia deve manter seus desinvestimentos na BSBios e PBIO seguindo o que foi feito até o final do ano passado. Em 2019, a Petrobras realizou a venda de 50% da participação na Belém Bioenergia Brasil (BBB), além do anuncio da venda das usinas termelétricas de Camaçari (BA) e Canoas (RS), das usinas eólicas de Mangue Seco 1, 2, 3 e 4 em Guamaré (RN), e das ações da BSBios nas usinas de Biodiesel de Passo Fundo (RS) e Marialva (PR).
Ao que tudo indica, as metas caminham para a constituição de um processo produtivo mais limpo de petróleo e derivados da porta para dentro da empresa, mas sem maiores compromissos com a descarbonização da porta para fora da empresa. Nesse sentido, os ajustes apresentados fazem com que a Petrobras adote uma estratégia mais próxima das petrolíferas dos EUA do que das petrolíferas da Europa e da Ásia.
A Petrobras ainda mantém a sua meta de desinvestimentos e descapitalizações, sinalizando que pretende acelerar a venda de cerca de 50 ativos, concentrando sua atuação na área de exploração e produção (E&P) do pré-sal nas costas do RJ e de SP. Se o plano anterior já apresentava uma taxa menor de investimentos quando comparada a períodos anteriores, cerca de US$ 75,7 bilhões, o plano atual apresenta números ainda mais tímidos – os investimentos devem cair para cerca de US$ 55 bilhões, dos quais US$ 46 bilhões devem ser alocados em E&P, sendo US$ 32 bilhões apenas em águas profundas e ultraprofundas.
Cabe ressaltar que, além da focalização nos ativos do pré-sal, a maior parte dos investimentos (86%) está concentrada na produção em vez de na exploração (14%). Embora isso seja comum no perfil de investimento da estatal, esse valor é relativamente mais baixo em comparação com o período 2006 a 2008, quando os investimentos planejados em exploração representavam quase 20% do total do segmento de E&P. Isso pode sinalizar que a atual gestão da estatal não prioriza na sua estratégia a reposição de reservas, que já vem em queda nos últimos anos atingindo o nível mais baixo do século XXI.
É preciso olhar com atenção também as mudanças que devem ocorrer no segmento de refino, marcados nos últimos anos pela desregulamentação e pela privatização. Nesta área, por exemplo, os investimentos do PE 2021-2025 caíram 53,7% em relação ao plano 2020-2024, saindo de US$ 8,0 bilhões para US$ 3,7 bilhões. Além da venda das refinarias, o novo plano indica que a Petrobras deve reduzir os recursos destinados ao processo de modernização e inovações das cinco refinarias que ficarão com a empresa, uma vez que as outras sete serão vendidas nos próximos anos.
O PE 2021-2025 mostra que a Petrobras mantém a estratégia de focar a sua atuação na produção de petróleo do pré-sal, tentando reduzir os impactos ambientais desse processo. Nas demais áreas de atuação (refino, comercialização, gás e energia), o futuro deve ser marcado pelo desaparecimento da participação da estatal.
Texto publicado originalmente na CartaCapital.
William Nozaki é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).
Rodrigo Leão é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais da UFBA.
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