Não há soluções padronizadas para o desenvolvimento do shale gas

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
Não há soluções padronizadas para o desenvolvimento do shale gas

O rápido desenvolvimento do shale gas interessava aos objetivos da política energética americana de reduzir a necessidade de importações de energia

Nos últimos anos, o shale gas revolucionou a indústria de energia em diferentes locais do mundo. Por conta dessa indústria, os Estados Unidos, em 2018, alcançou a autossuficiência do consumo de gás natural no país, reduzindo a necessidade americana de importar fontes energéticas. Um outro grande player global, a China, também tem realizado um conjunto de ações visando reduzir sua dependência externa e diversificar sua matriz energética. É nesse cenário que o gás natural e, mais precisamente, a indústria de shale gas ganha importância.

Durante este século, as reservas americanas de gás natural mais do que dobraram, em grande medida, em razão do shale gas. Segundo o Statistics Review da BP, de 2001 a 2018, as reservas provadas de gás natural dos Estados Unidos saltaram de 5,0 trilhões de metros cúbicos (tcm) para 11,9 tcm. De acordo com a Agência de Energia dos Estados Unidos, cerca de 80% de tais reservas correspondiam ao shale gas.

O crescimento da indústria de shale gas se deveu a uma série de fatores. Em primeiro lugar, a elevação dos preços de petróleo na primeira década deste século motivou o esforço exploratório de fontes não convencionais de gás natural, como o shale gas. Isso porque, por se tratar de um recurso não associado à produção de petróleo e ter um investimento inicial relativamente mais baixo, o shale gas ofereceu condições ao mercado americano para produzi-lo a um preço muito mais atrativo do que o petróleo, pelo menos até o final de 2019.

Em segundo lugar, as maiores reservas de shale gas, nas áreas de Marcellus e Haynesville, estavam localizadas em regiões com uma ampla infraestrutura de gasodutos. Com isso, era possível escoar a produção do gás para os mercados consumidores sem a necessidade de se realizar grandes investimentos.

Em terceiro lugar, a existência de um conjunto gigantesco de pequenas e médias empresas permitiu uma rápida expansão dos investimentos iniciais para exploração de diferentes fronteiras. Isso ocorreu num cenário em que a forma de financiamento de tais investimentos exigiam a aceleração da produção de gás natural.

Como mostra um estudo do BNDES, “durante o boom experimentado nos anos 2000, as empresas adquiriram mineral leases com base nos preços futuros do gás. A maioria desses contratos de lease continha cláusulas que forçavam as independentes a produzir contínua e rapidamente o gás contido nas reservas, tanto de modo explícito no instrumento contratual, quanto por meio de multas pela não exploração ou pela cessação do contrato após determinado período de inatividade”.

Por fim, e talvez mais importante, o rápido desenvolvimento do shale gas interessava aos objetivos da política energética americana de reduzir a necessidade de importações de energia. Em 2018, após o gigantesco esforço exploratório do shale gas, a produção americana atingiu 831,8 bilhões de metros cúbicos (bcm), um volume superior ao consumo do país que foi de 817,1 bcm.

Motivado por esse novo contexto e por algumas particularidades internas, a China também estruturou uma política para alavancar sua indústria de shale gas. Para o governo chinês, o gás natural terá um papel fundamental no fornecimento de energia para o país nos próximos anos. De 2008 a 2018, a participação do gás natural no consumo primário de energia da China subiu de 3,4% para 7,5% e, de acordo o 13º Plano Quinquenal do país, o objetivo era alcançar 10% ao final de 2020.

Algumas estimativas mostram que, até 2050, o consumo de gás natural da China deve subir dos 283 bcm alcançados em 2018 para mais de 700 bcm. Para sustentar esse crescimento, o país asiático tem realizado uma série de investimentos estrangeiros com o objetivo de aumentar a capacidade de importação de gás natural liquefeito (GNL), bem como para expandir os gasodutos com países vizinhos que são grandes produtores de gás natural, como o Turcomenistão, o Cazaquistão e principalmente a Rússia.

Em 2014, a China anunciou uma parceria com a Rússia para a construção de um “megagasoduto” por meio de suas empresas estatais, PetroChina e Gazprom. O gasoduto foi projetado com 3 mil km e com uma capacidade de fornecer 38 bcm de gás natural por ano (cerca de 13,5% do consumo chinês de 2018). Em 2015, a China planejou construir 60 novas transportadoras de GNL e ampliar de cinco para quatorze o número de terminais de GNL no país, totalizando um investimento superior a US$ 12 bilhões neste segmento. Esses são apenas dois exemplos de medidas adotadas pelo governo chinês para facilitar as importações de gás natural.

Todavia, as iniciativas do país asiático não se restringiram à expansão de infraestrutura da aquisição de gás natural do exterior. O país também tem acelerado o desenvolvimento da sua indústria nacional, principalmente por meio das fontes não convencionais. Em 2017, essas fontes já representavam 28,6% de toda a produção de gás natural da China.

Um estudo de Jianghua Chen de 2017 mostra que há um imenso potencial exploratório na China. Embora o shale gas representasse apenas 12,5% das reservas provadas de gás natural (0,76 tcm de 6,07 tcm) em 2017, as estimativas do Ministério de Recursos Terrestres apontam a existência de 21,8 tcm de reservas recuperáveis de shale gas na China. Se provadas, essas reservas colocariam a nação asiática como uma das cinco maiores do mundo.

No entanto, diferentemente do caso americano, há uma série de desafios para que os chineses possam alavancar sua indústria de shale gas. Existe uma proporção crescente das reservas de gás natural difíceis de produzir, o que retarda o crescimento da produção. Há também uma grande dificuldade para estabilizar as curvas de produção nos principais campos, o que demanda dos chineses o desenvolvimento de novas capacitações. As técnicas para o desenvolvimento de gás não convencional ainda apresentam muitos problemas possuindo um custo relativamente elevado. Além disso, existem gargalos de infraestrutura e exploratórios que precisam ser superados. Um deles é a falta de experiência o desenvolvimento do shale gas a uma profundidade superior a 3.500 metros.

E não custa lembrar que isso tudo acontece num cenário atual em que os preços do petróleo estão relativamente mais baixos, ou seja, as vantagens competitivas do shale gas em relação ao petróleo caíram vertiginosamente.

Com esses desafios pela frente, o governo chinês atuou para que suas empresas estatais liderassem o desenvolvimento das fronteiras exploratórias de shale gas. O mesmo Chen mostra que todas as reservas provadas de shale gas, em 2017, pertenciam a duas empresas estatais, sendo a Sinopec a principal delas (cerca de 70% das reservas). A Sinopec tem sua principal exploração na Bacia do Sichuan por meio de duas subsidiárias: Sinopec Huandong Oilfied Company e a Sinopec Jianghan Oilfield Company.

Além disso, de acordo com o Plano de Desenvolvimento do Shale Gas 2016-2020, o governo adotou mais duas medidas importantes de apoio à indústria local do xisto: a manutenção dos subsídios para as empresas que produzem o shale gas, embora exista um cronograma de redução desses subsídios ao longo dos anos e o encorajamento de cooperações entre as empresas estatais e o capital estrangeiro, como já ocorreu em algumas rodadas de licitação anteriores nas quais a PetroChina estabeleceu parcerias como operadoras estrangeiras.
As duas experiências mostram que, por um lado, a indústria de shale gas será um instrumento importante para diminuição da dependência energética e, por outro, o desenvolvimento dessa indústria apresenta caminhos e soluções distintas à luz da realidade de cada país, da conjuntura setorial e dos seus objetivos estratégicos.

(*) Rodrigo Leão é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), pesquisador visitante do Núcleo de Estudos Conjunturais da UFBA e doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ.

Artigo publicado originalmente em Broadcast Energia.

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