Mais dependente da China, Petrobras tem prejuízo de R$ 2,7 bilhões no segundo trimestre de 2020
CartaCapital
A Petrobras divulgou ontem, quinta-feira 30, os resultados operacionais e financeiros do segundo trimestre de 2020. O prejuízo líquido foi de R$ 2,7 bilhões. O resultado é o oposto do obtido no mesmo período do ano passado, quando a empresa registrou lucro líquido de R$ 18,9 bilhões. Segundo a estatal, o resultado só não foi ainda pior em função do ganho proveniente da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, que teve um efeito positivo de R$ 10,9 bilhões, além da ausência de baixas contábeis (os impairments) no trimestre.
Excluindo esses fatores, o prejuízo seria próximo dos R$ 13,8 bilhões, devido aos impactos da pandemia de Covid-19 em suas operações, com reflexo nos preços, margens e volumes. Na comparação anual, além da queda do lucro líquido, a receita de vendas da empresa despencou 29,9%, encerrando o trimestre em R$ 50,9 bilhões.
O encolhimento significativo na receita líquida da Petrobras foi puxado, de um lado, pela queda abrupta no volume de vendas para o mercado interno (de 2,1 para 1,7 milhão de barris por dia entre o segundo trimestre de 2019 e 2020) e, de outro, pelo derretimento nos preços dos derivados (sobretudo no diesel, gasolina e querosene para aviação). Esses dois fatores fizeram com que a receita de vendas internas da empresa despencasse 39,2% em comparação a 2019, ficando em R$ 33,7 bilhões.
Movimento um pouco diferente do que aconteceu com as vendas externas. Isso porque embora o volume de exportação de petróleo e derivados tenha tido um significativo aumento anual de 58,7% (de 606 mil para 962 mil barris por dia), a receita de vendas no mercado externo se manteve praticamente no mesmo patamar do ano passado, registrando ganhos da ordem de R$ 17,2 bilhões.
Na comparação com o primeiro trimestre de 2020, por sua vez, observou-se uma forte queda das vendas tanto no mercado interno (-31,3%), como no externo (-34,8%) neste trimestre. A redução mais expressiva no mercado externo foi explicada pelo fato da queda do preço do barril do petróleo (-41,9%) ter sido maior que dos derivados no mercado interno (-31,0%).
Além de uma piora no resultado do mercado externo, cabe destacar o aumento da dependência da Petrobras ao mercado chinês. No segundo trimestre de 2020, quase todo o petróleo cru comercializado no mercado externo (87%) teve como destino a China. Embora seja importante no curto prazo, a perpetuação dessa estratégia no longo prazo deixa a Petrobras mais exposta tanto às oscilações do preço do petróleo, como à dinâmica da demanda chinesa.
O resultado no mercado externo não foi ainda pior por conta das exportações de derivados. Segundo as estimativas do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a queda nas exportações de derivados foi inferior a 15%, enquanto a das exportações totais foi de 34,8%.
Vale lembrar que a exportação de derivados está principalmente relacionada à venda de óleo bunker (navegação) e de óleo combustível de baixo teor de enxofre. Esses combustíveis estão diretamente relacionados com a produção de algumas refinarias do Nordeste (RLAM e RNEST), que estão no programa de desinvestimento da Petrobras.
As despesas operacionais líquidas foram, neste segundo trimestre de 2020, de R$ 8,1 bilhões. Na comparação anual, grande parte dos ajustes feitos pela Petrobras está na redução do gasto de pessoal que foi de 16,4%. Todavia, as elevadas despesas de materiais, serviços, fretes, aluguéis e outros, que aumentaram 97,9%, e de outros gastos extraordinários, como o Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PDVs) provocaram um aumento das despesas operacionais totais da Petrobras.
A despeito de a Petrobras justificar a diminuição dos gastos de pessoal como forma de preservar o seu fluxo de caixa diante de cenários imprevistos, um fato a se chamar atenção é de que essa redução resultou em uma “economia” de R$ 239 milhões enquanto o caixa da empresa crescia R$ 40,7 bilhões, o que certamente desmonta o argumento da companhia sobre a necessidade “imprescindível” de acelerar programas de demissão em massa em virtude da sua saúde financeira.
Sobre o endividamento, importante salientar que embora a Petrobras tenha tido uma redução na dívida líquida em dólar de 14,9% (de US$ 83,7 bilhões para US$ 71,2 bilhões), a desvalorização da moeda nacional no ano mais do que compensou a diminuição da dívida, registrando um crescimento superior a 21,6% no endividamento líquido da companhia (de R$ 320,7 bilhões para R$ 390,0 bilhões).
No que tange a investimentos, a Petrobras reduziu o seu volume de Capex em 24,1%, atingindo o patamar mais baixo de investimentos dos últimos 15 anos (R$ 1,9 bilhão). Comparados com a média trimestral dos outros anos, o investimento deste trimestre retornou aos patamares do 2002.
Por fim, não se pode deixar de comentar a espirituosa mensagem do presidente Roberto Castello Branco que, buscando mostrar as virtudes de sua gestão, orgulha-se ao afirmar que
“a segurança das nossas operações e dos nossos empregados assim como o respeito ao meio-ambiente continuam sendo um dos pilares da nossa estratégia”.
É uma retórica no mínimo curiosa, sobretudo quando se tem em mente de que foi na sua presidência que os vazamentos de óleo da Petrobras tiveram o maior aumento dos últimos dez anos, batendo o recorde de multas ambientais do Ibama. Durante a pandemia, a Petrobras foi umas das empresas que mais demorou para adotar medidas preventivas e, com isso, ao menos 800 trabalhadores da Petrobras foram contaminados pelo novo coronavírus enquanto trabalhavam, enquanto mais 1.600 casos ainda estão sob investigação.
Texto publicado originalmente na CartaCapital.
Rafael Rodrigues da Costa é mestrando em Ciências Sociais pela Unifesp, pesquisador visitante do NEC/UFBA e pesquisador do Ineep.
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