Lucro líquido menor da Petrobras em 2024 expressa incertezas globais, efeitos contábeis e desafios de longo prazo

Mahatma dos Santos
CartaCapital
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

A Petrobras divulgou na última quarta-feira (26/02) seus resultados operacionais e financeiros referentes ao quarto trimestre (4T24) e ao exercício consolidado de 2024.

 

Na esteira das incertezas e volatilidade do mercado global, a Petrobras anunciou um lucro líquido de R$ 36,6 bilhões no ano de 2024, resultado 70,6% inferior ao registrado em 2023 (R$ 124,6 bilhões) e fortemente impactado por “itens não recorrentes” na performance financeira da companhia.

 

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

 

Ainda assim, a remuneração de acionistas alcançará R$ 75,8 bilhões, o terceiro maior montante distribuído pela estatal em sua história.

 

Quatro fatores principais influenciaram negativamente o desempenho da Petrobras em 2024:

 

(i) a volatilidade e as incertezas no mercado global de óleo e gás;

 

(ii) a piora no desempenho operacional na produção e no refino;

 

(iii) condições comerciais do mercado doméstico brasileiro; e

 

(iv) efeitos contábeis de itens não recorrentes.

 

No cenário internacional, a Petrobras enfrentou uma queda de 2,3% na cotação internacionais do petróleo Brent e uma retração de 59% nas margens internacionais do segmento de refino em relação a 2023.

 

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No plano operacional, a elevação de 33,7% das despesas operacionais da companhia, associada à redução na produção de óleo e gás (-3,0%) e na de derivados (-0,6%), comprometeu a capacidade de oferta e a geração de receita da estatal. A produção no pré-sal manteve-se estável, com elevação de apenas 0,4%.

 

No mercado doméstico, a companhia registrou uma queda nas vendas de derivados (-1,4%) e de gás natural (-4,1%), reflexo da menor demanda desses insumos, em especial do diesel (-2,8%) e gasolina (-4,1%). Vale lembrar que cerca de 70% das receitas da Petrobras têm origem no mercado interno. Além disso, o volume total de exportações caiu 1,0%.

 

Diante desse panorama, a receita total de vendas da Petrobras em 2024 foi de R$ 490,8 bilhões, valor 4,1% inferior ao verificado em 2023.  No mercado interno, a receita caiu 6,5%, saindo de R$ 381,3 bilhões em 2023 para R$ 356,4 bilhões em 2024.

 

Já no mercado externo, houve um aumento de 2,9%, passando de R$ 130,6 bilhões em 2023 para R$ 134,4 bilhões em 2024, apesar na redução do volume de vendas.

 

Impacto dos “itens não recorrentes”

 

Os “itens não recorrentes”, fatores de caráter financeiro e contábil, tiveram um peso significativo nos resultados da companhia, impactando em R$ 95,7 bilhões no resultado líquido da estatal em 2024. Sem esses efeitos, o lucro líquido ajustado teria sido de R$ 103,3 bilhões em 2024.

 

Os principais “itens não recorrentes” contabilizados foram:

 

  • desvalorização cambial: os efeitos da desvalorização cambial de 29,7% do real frente ao dólar gerou um impacto de R$ 46,7 bilhões na conta financeira da empresa, decorrente da variação do endividamento da Petrobras com suas subsidiárias no exterior;

 

  • impairment de ativos e investimentos: revisão do valor recuperável de ativos, resultando em uma baixa contábil de R$ 15,7 bilhões ao longo do ano;

 

  • acordo judicial: pagamento de R$ 11,9 bilhões à União relacionado a contingências tributárias no 2T24;

 

  • baixas contábeis: o “desmantelamento de áreas” resultou em perdas contábeis de R$ 15,7 bilhões.

 

Geração de caixa e investimentos

 

Apesar do cenário global desafiador e dos efeitos contábeis e financeiros desses itens não recorrentes, a Petrobras garantiu uma forte geração de caixa.

 

O fluxo de caixa operacional em 2024 foi de R$ 204,0 bilhões, valor 5,4% menor que o observado em 2023 (R$ 215,7 bilhões), mas que viabilizou uma expansão de 31,2% nos investimentos, que saltaram de cerca de R$ 63,2 bilhões em 2023 para R$ 89,6 bilhões em 2024.

 

Desse total, 83,7% foram destinados a “exploração e produção” (E&P) e 10,8% ao “refino, transporte e comercialização”. Apenas US$ 100 milhões (2,6% do total) foram aplicados em gás e energias de baixo carbono, em especial, para ampliação da oferta de produtos de menor emissão, tais como o diesel renovável (R5), asfalto CAP Pro, gasolina podium carbono neutro e bunker com conteúdo renovável (24% de biodiesel).

 

Distribuição de dividendos e geração de valor

 

Com o anúncio da distribuição de dividendos equivalentes a R$ 9,1 bilhões no 4T24 (R$ 0,70954522 por ação ordinária e preferencial), a remuneração dos acionistas da estatal referente ao exercício de 2024 totalizará R$ 75,8 bilhões, entre dividendos ordinários e extraordinários, juros sobre o capital próprio (JCP) e recompra de ações.

 

Esse é o terceiro maior volume de dividendos pagos pela companhia em sua história, inferior apenas aos megadividendos distribuídos no biênio 2021-2022. Esse volume é 5,7% superior aos R$ 71,5 bilhões pagos aos seus acionistas em 2023 e 2,06 vezes maior que o lucro líquido apurado pela companhia em todo o ano de 2024.

 

Do total distribuído, cerca de 36,6% (R$ 27,7 milhões) serão pagos ao grupo de controle (União e BNDES) e cerca de 47,3% (R$ 36,2 bilhões) serão destinados a investidores privados estrangeiros e outros (R$ 6,5 bilhões) 15,23% a investidores privados brasileiros.

 

No que se refere à geração de valor em 2024, a Petrobras distribuiu R$ 379,4 bilhões da seguinte forma:

 

  • tributos (federais, estaduais, municipais e no exterior): R$ 190,2 bilhões (50,1%);

 

  • instituições financeiras e fornecedores: R$ 107,5 bilhões (ou 28,3%), pagos em juros, variações cambiais e monetárias, aluguéis e arrendamentos;

 

  • remuneração de acionistas: R$ 37,0 bilhões (9,8%), incluindo dividendos, JCP e lucros retidos;

 

  • trabalhadores: R$ 44,6 bilhões (apenas 11,8%), pagos em salários, benefícios, PLR ou outras formas de remuneração variável.

 

Perspectivas

 

Os resultados da Petrobras em 2024 estão alinhados aos de outras grandes petrolíferas, refletindo solidez operacional e financeira.

 

A companhia busca recuperar sua capacidade de investimentos e consolidar-se como uma empresa de energia integrada, atenta a desafios estratégicas nacionais, tais como a segurança energética, abastecimento nacional e transição para fontes de baixo carbono.

 

Contudo, vale afirmar que o foco da companhia segue no E&P, especialmente na reposição de reservas e abertura de novas fronteiras exploratórias, como a Margem Equatorial e a Bacia de Pelotas. O pré-sal já responde por 80% da produção total de óleo e gás da companhia por 70% da carga processada em seu parque de refino.

 

 

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A transição energética e a busca por uma “diversificação rentável” e gradual em direção a novas rotas tecnológicas ainda estão vinculadas a parâmetros de rentabilidade de curto prazo, o que favorece a remuneração robusta de acionistas, mas fragiliza estratégias de investimentos a longo prazo.

 


 

Artigo publicado originalmente na CartaCapital.