Lei do Gás pode frustrar a venda da Gaspetro

Henrique Jager
Brasil Energia
Imagem na cor azul escuro, com o logotipo do Ineep ao centro.

A Constituição Federal define, em seu artigo 25, inciso segundo, que “cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão[1], os serviços locais de gás canalizado(…)”. Em outros termos, cabe aos estados a comercialização do gás natural nos mercados cativo e livre[2] de forma direta ou por meio das Companhias Distribuidoras Locais (CDLs). As CDLs desenvolvem as atividades de comercialização, importação, exportação, armazenamento e distribuição de gás natural nos âmbitos estaduais.

 

 

Criada em 1998, a Gaspetro é uma sociedade que concentra a participação acionária da Petrobras em 19 das 27 CDLs constituídas no Brasil, sendo responsável por 37% do mercado de distribuição de gás natural no país[3]. A entrada da Petrobras neste segmento da cadeia produtiva do gás natural fez parte da estratégia da empresa de incentivar a expansão do consumo do gás natural no território nacional.

 

 

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Atualmente, a Petrobras vem buscando acelerar o processo de venda da Gaspetro[4], visando cumprir as promessas assumidas no Termo de Compromisso de Cessação de Prática, assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em 08/07/2019. Pelos termos desse acordo, o contrato de compra e venda (signing) deve ser assinado até 31/12/2020 e o fechamento da operação (closing), por sua vez, deve ocorrer até 31/12/2021.

 

 

Porém, a definição/implantação do modelo de privatização da Gaspetro não é uma tarefa simples. Afinal, a empresa é uma holding que controla participações acionárias. As alienações, portanto, estão sujeitas às cláusulas de direito de preferência previstos nos acordos de acionistas das CDLs e, em alguns casos, também necessitará de autorização da autoridade regulatória estadual. A operação fica ainda mais complexa devido ao fato de a Mitsui ter o direito de preferência na aquisição dos 51% restantes das ações da Gaspetro.

 

 

A nova lei do gás, aprovada na Câmara Federal e em tramitação no Senado Federal, complica ainda mais o processo. Em primeiro lugar, por se propor a regular a comercialização do gás natural – o que não poderia fazer, já que a prerrogativa pertence aos entes federativos estaduais – e, em segundo lugar, consequência direta do ponto anterior, por permitir que os consumidores livres construam gasodutos para movimentação do gás natural até a unidade de consumo, sem passar pelas CDLs, atuando como se fossem uma “auto-distribuidora”.

 

 

Se aprovada no Senado Federal, essa mudança poderá implicar em importante perda de receita por parte das CDLs, que cada vez mais dependem de seus resultados próprios para o financiamento dos investimentos de ampliação da malha de distribuição do gás natural, principalmente para os consumidores cativos. É provável que o tema seja judicializado, aumentando ainda mais a insegurança jurídica que envolve o processo de privatização da Gaspetro.

 


 

 

Henrique Jager foi presidente da Petros. Atualmente, é pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

 

Fontes:

1. O artigo original previa exploração direta ou por meio de estatal, com exclusividade de distribuição, tendo sido alterado pela emenda constitucional n° 005, de 1995.

2. No mercado cativo a energia é contratada compulsoriamente por meio da distribuidora da região, as tarifas são fixadas pelo órgão regulador e não podem ser negociadas. Todos as residências são enquadradas neste mercado. No mercado livre o consumidor, pessoa jurídica geralmente de grande porte, pode escolher livremente seus fornecedores, negociando o volume, os preços, prazos de entrega, dentre outros fatores.

3. Juntas, Gaspetro, Naturgy (18%) e Comgás (32%), concentram 87% do mercado de distribuição do gás natural no Brasil. Sendo que a Naturgy e a Comgás atuam nas áreas consideradas mais “nobres e maduras” do segmento.

4. A Petrobras detém 51% das ações da Gaspetro. Os outros 49% são controlados pela empresa Mitsui.

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