Impactos da Covid-19 nos EUA e China devem afetar futuro do gás

Rodrigo Leão
Broadcast Energia
Imagem na cor azul escuro, com o logotipo do Ineep ao centro.

A grande novidade das últimas duas décadas foi a mudança do “eixo” de consumo do petróleo e do gás natural no mundo. Até o início do século XXI, os Estados Unidos e a Europa eram os grandes consumidores de gás natural. No entanto, nos últimos cinco anos, a China tem se notabilizado por ampliar de forma acelerada a demanda por gás, tornando-se mercado consumidor tão importante para os produtores globais, como o europeu e o russo. Ainda assim, os Estados Unidos continuam sendo o principal consumidor e suas ações vão desempenhar papel fundamental para o futuro da indústria. Por isso, a possibilidade de expansão da produção de gás natural nos próximos anos está associada, inevitavelmente, com o ritmo de recuperação das economias chinesa e à dinâmica da indústria americana, principalmente do shale gas.

 

 

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Desde 2016 a 2019, o consumo global de gás natural foi puxado, em grande medida, pela China, embora praticamente todos os principais consumidores tivessem aumentado seu uso. A demanda chinesa cresceu 46,7%, elevando-se de 209,4 bilhões de metros cúbicos (bmc) para 307,3 bmc. Depois do país asiático, como mostra a tabela abaixo, Estados Unidos e Canadá apresentaram crescimento na faixa dos 13%. Em termos absolutos, a demanda chinesa e a americana por gás natural foram as que mais se elevaram, respectivamente, 97,9 bmc e 97,5 bmc no período.

 

 

Tabela: Maiores consumidores de gás natural (2016-2019). Em bilhões de barris de metros cúbicos e em %.

Impactos da Covid-19 nos EUA e China devem afetar futuro do gás

Fonte: BP Statistics Review 2020. Elaboração Ineep.

 

Além de ser responsável pela elevação do consumo, a estratégia chinesa foi diversificar a importação de gás natural dinamizou o desenvolvimento de diferentes produtores. Em 2019, o maior exportador de gás natural para a China foi a Austrália, responsável por 31,1%, vindo na sequência o Turcomenistão com 24,7%. Depois desses dois países, outras 25 nações exportaram os demais 44,3% de gás natural adquiridos pela China em 2019.

 

Já nos EUA, o aumento do consumo foi alavancado em grande medida pelo crescimento da produção interna de shale gas. A relação produção/consumo que era de 0,88 em 2010 subiu para 1,08 em 2019, ou seja, naquele último ano a produção já superou o consumo de gás natural americano.

 

Junto à diversificação, a possibilidade de importação do mercado de gás natural liquefeito (GNL) permitiram aos grandes consumidores contratarem do exterior um volume cada vez maior de GNL do que gás natural por gasodutos. Em 2016, o comércio internacional de GNL (358,3 bmc) representou 74,7% do de gás natural por gasodutos (479,7 bmc). Já em 2019, esse percentual foi de 97,1% – o comércio internacional de GNL foi de 485,1 bmc e o realizado por gasodutos de 499,4 bmc.

 

Na China, a participação das importações por GNL cresceu de 50% em 2016 para 64% em 2019. Foi esse aumento das importações de GNL de Europa e Ásia, em especial da China, que deu acesso a novos fornecedores como Catar e Austrália.

 

Além da gigantesca população, a ascensão do país asiático esteve relacionada essencialmente ao processo de crescimento econômico do país associado à crescente urbanização. Um estudo econométrico de Yang et al. (2019) mostra que, na China, a urbanização gerou efeitos positivos sobre o consumo de energia no país.

 

 

O processo de urbanização da China sempre teve um impacto positivo significativo no consumo de energia dos residentes, e a intensidade de seu impacto aumentou significativamente quando a taxa de urbanização atingiu 55%. Quando a taxa de urbanização foi menor que 55%, um aumento de 1% na taxa de urbanização resultou em um aumento de 0,09% no consumo de energia dos residentes. Quando a urbanização foi maior que 55%, um aumento de 1% na urbanização levou a um aumento de 0,16% no consumo de energia dos residentes. (…) O processo de urbanização tem um impacto positivo no consumo de energia elétrica. O coeficiente de influência global é 1,1, mas quando se considera os oito grandes círculos econômicos, os coeficientes de influência nas áreas oeste e leste são negativos, e o coeficiente de influência na região central é positivo (YANG et al., 2019, p. 177).

 

 

A expansão do consumo de energia na China não somente decorreu da própria aceleração do crescimento econômico, mas também da estrutura de investimentos do país que atualmente tem se concentrado na indústria pesada. O contínuo fortalecimento da indústria pesada, em detrimento das indústrias mais leves, a fim de apoiar os investimentos em infraestrutura e na construção civil, tem exigido grandes esforços do governo chinês para aumentar o fornecimento interno de energia.

 

 

Essa importância da China para o mercado de gás natural deve se acentuar no longo prazo. Junto com a Índia, os dois gigantes asiáticos devem ser responsáveis por mais de 75% de todas as importações desse produto a partir de 2035. Com poucos gasodutos para abastecer ambos os países, e com pouca ou nenhuma produção de gás, o GNL deve ter um papel central para atender a demanda por importações. Isto, por sua vez, exigirá aumentos significativos na capacidade de regaseificação. A China pretende aumentar mais de cinco vezes para quase 400 milhões de toneladas por ano (Mt/ano).

 

 

Os Estados Unidos também devem ter um papel importante para o futuro da demanda de gás natural. Diferentemente do país asiáticos, os americanos apostam na sua indústria de shale gas para reativar o consumo do produto no país. Porém, o sucesso dessa estratégia passará pelo futuro dos preços do produto. Caso, eles se mantenham em patamares muitos baixos, pode afetar a produção e, portanto, a autossuficiência do consumo americano. Segundo a Agência de Energia dos Estados Unidos (EIA, em inglês), a produção e a demanda devem cair em 2021, retomando um patamar inferior a 2019. “Devido aos baixos preços do gás, a EIA espera que a produção de gás diminua ligeiramente numa base mensal até 2020”, disse a Administradora da EIA, Linda Capuano, numa declaração.

 

 

Dessa forma, a retomada da demanda, no caso chinês, dependerá do crescimento econômico e dos projetos governamentais, enquanto nos Estados Unidos terá forte relação com a dinâmica da indústria americana, na qual os preços são uma variável central.  Em 2020, segundo estimativas da AIE, a demanda por gás natural deve fechar o ano com queda de 4%. As dúvidas quanto ao sucesso da vacina para combater o coronavírus impedem previsões muito claras para 2021 e os anos seguintes, tanto sobre o que vai acontecer com a demanda como em relação aos preços.

 

 


 

 

Artigo publicado originalmente pelo Broadcast Energia.

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