Guiana: dádiva ou maldição do petróleo?

José Sérgio Gabrielli
Brasil de Fato
Guiana: dádiva ou maldição do petróleo?
Guiana: dádiva ou maldição do petróleo?

País sofre pela falta de infraestrutura. Foto: Dinesh Chandrapal.

A Guiana é um pais muito pobre, com pouco mais de 780 mil habitantes – para comparar, a cidade de Duque de Caxias, RJ, tem 818 mil habitantes – com um PIB um pouco superior a 3,8 bilhões de dólares (o Brasil tem um PIB de 1,9 trilhões de dólares, mais de 500 vezes maior). A maior parte de seus habitantes, originários da África e da Índia, trazidos para trabalhar na cana de açúcar e mineração da bauxita e ouro, moram no litoral e nas margens de seus rios, numa terra que é chamada de “terra das águas”, na tradução do seu nome em uma das línguas nativas.

 

Morar no litoral e nas margens dos abundantes rios do país é um problema, pois uma grande parte do território está no nível ou abaixo do nível do mar, sofrendo cheias e inundações, algumas vezes provocados apenas pelo movimento das marés. Um sistema de eclusas e diques foi construído pelos holandeses quando dominavam parte do país, mas é um sistema insuficiente para proteger as populações ribeirinhas e litorâneas. O nível do mar da Guiana cresceu, de 1951 a 1979, seis vezes mais do que a média mundial, seis vezes mais do que a média guianense dos 100 anos anteriores e três vezes mais do que a média de 1993-2009.

 

Este pequeno país faz fronteira com a Venezuela, Brasil e Suriname, com conflitos com o governo de Caracas. O Rio Essequibo praticamente divide o país em dois na direção Sul- Norte, e a Venezuela demanda a posse da parte oeste do país. A disputa está nas cortes internacionais. O Suriname, ao leste, por seu turno, também está vivendo um boom de petróleo com as descobertas do consorcio Apache-Total, passará por eleições em maio deste ano e um dos temas é a revisão do acordo de 2007, que dividia o offshore entre os dois países. As relações dos governos de Georgetown e Washington têm se intensificado, depois das descobertas da Exxon-Hess-CNOOC com um grande afluxo de empresas americanas para a Guiana.

 

Desde 2015 várias descobertas offshore ocorreram em águas profundas deste país, um dos mais pobres países da América do Sul, espremido entre a Venezuela e o Suriname. As descobertas da Guiana constituem um dos poucos pontos de atração para este tipo de investimento e são centrais na estratégia de expansão das reservas para a Exxon.

 

A região vive um boom de atividades exploratórias, que também atinge o Suriname e a Guiana Francesa. Nas Guianas, estão, além das empresas do consórcio de Stabroeck (EXXON-HESS-CNOOC), a Anadarko e a Tullow. No Suriname, estão a espanhola Repsol e a Chevron, além da japonesa Inpex. Na vizinha Guiana Francesa, estão a francesa Total e a Shell.

 

A pobre Guiana pode ter as benesses do petróleo ou sofrer sua maldição. As questões fronteiriças com a Venezuela podem se agravar e os EUA estão muito interessados na região, segunda, depois do Brasil, em importância nas novas descobertas do mundo.

 

 

Guiana: dádiva ou maldição do petróleo?

Mapa das atividades exploratórias na Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Ilustração: Reprodução.

 

 

O lado direito da acima é uma ilustração da intensa atividade das empresas internacionais nesta região, que já teve mais de 16 descobertas anunciadas nos últimos anos, revelando- se como uma potencial nova fronteira exploratória, rivalizando com o pré-sal brasileiro. Desde a primeira descoberta de Stabroeck foram anunciadas 16 novas descobertas, que geraram projetos de desenvolvimento de oito bilhões de barris de petróleo. A taxa de sucesso exploratório é semelhante a inicial dos campos de pré-sal brasileiro, com sucesso de descoberta em 82 de cada 100 poços perfurados.

 

Até agora, as descobertas anunciam crescimento de produção de petróleo com densidades mais próximas do pesado do Oriente Médio, que está se tornando um produto relativamente escasso no mundo, depois do crescimento da produção dos condensados leves dos EUA e ajuste da produção dos produtores de pesado, além da crise da Venezuela.

 

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As descobertas anunciam investimentos maiores do que o PIB guianense, sugerindo que haverá um enorme choque na geração e distribuição de renda do país, que viveu de uma agricultura primitiva e exportações de bauxita, até agora.

 

A Exxon, juntamente com a Hess e a CNOOC, começou a produzir do campo de Stabroeck, em dezembro de 2019, através do FPSO Liza Destiny, com capacidade de 120 mil barris dia. O FMI estimava para 2020 um gigantesco crescimento para o PIB do país neste ano, somente com esta produção da Exxon. O consórcio liderado pela Exxon planejava colocar cinco sistemas de produção em operação até 2025, quando a produção deveria atingir 750 mil barris por dia, numa das regiões prioritárias para a expansão do E&P da grande empresa americana. A Guiana deve vir a representar cerca de 8% da produção mundial da Exxon, em finais desta década de vinte. A recente queda dos preços ameaça a viabilidade econômica de alguns destes projetos.

 

A Hess, sócia da Exxon no projeto divulgou que o ponto de equilíbrio de Liza I era de 35 dólares, com um custo de desenvolvimento de 6 dólares por BOE, enquanto para Liza II, ainda em construção, estes custos seriam de 25 e 7 dólares respectivamente.

 

Os contratos com as empresas internacionais na Guiana foram negociados pelo governo atual, sob o presidente David Granger, do Party for National Unity (PNU) – Alliance for Change (APC), coligados na APNU, com forte apoio nas populações afro-guianenses e crescentemente aliado dos EUA, apoiando inclusive as ações contra a vizinha Venezuela. A Alliance for Change (APC), aliado do PNU, é um partido chefiado por Nigel Hughes, advogado corporativo da Exxon, que se afastou do partido em 2016, durante as negociações do contrato com a empresa. Desde 2009, o escritório Hughes, Fields & Stoby vinha representado os interesses da Exxon no país.

 

São contratos de partilha, assinados em 1999 e renegociados em 2016, que, segundo a ONG Global Witness podem dar um prejuízo de mais de 55 bilhões de dólares para a Guiana, se comparados com os termos mais usuais deste tipo de contrato no mundo.

 

Até o FMI protestou contra as condições contratuais de Stabroeck favoráveis ao Consórcio, particularmente no que se refere à baixa participação do governo na renda petroleira a ser gerada, quando comparado a padrões internacionais. A renegociação dos contratos em 2016 define as condições de produção por 40 anos do petróleo descoberto, prevendo renegociar seus termos em 2026. O governo dos EUA e o FMI estão participando da elaboração do novo marco regulatório da Guiana, fortemente inspirado nos programas derrotados nas eleições Mexicanas de abertura do setor para investidores internacionais. A experiência da vizinha Venezuela está, até agora, sendo rejeitada pelas autoridades de Georgetown.

 

De acordo com o jornal inglês The Guardian¹, o Banco Mundial, que tinha decidido deixar de financiar atividades de petróleo e gás, está financiando com quase dois milhões de dólares, o governo da Guiana para contratar a firma de advogados Hunton Andrews Kurth, para revisar a lei guianense de exploração e produção de petróleo. A firma vem trabalhando com a Exxon nos últimos 40 anos, representando a empresa em vários casos que envolvem a mudança climática.

 

A Exxon argumenta que os contratos foram assinados numa nova fronteira exploratória, antes das descobertas, com alto risco exploratório, enquanto o governo de Georgetown argumenta que, no momento da assinatura dos contratos, sua maior preocupação era a questão de segurança nacional, com as disputas com a vizinha Venezuela.

 

De acordo com estes contratos de partilha, o governo da Guiana fica com 52% do lucro-óleo (média mundial de 69%), recebe um aluguel de um milhões de dólares anuais e uma ajuda de 600 mil dólares por ano para treinamento e remediação ambiental e social, depois de receber das empresas privadas 18 milhões de dólares de bônus de entrada. Este bônus é motivo de intensas controvérsias por ter sido depositado em contas bancárias com utilização não transparente. Ao preço de 30 dólares o barril, a produção diária de hoje do campo de Liza I gera uma receita anual de 1,31 bilhão de dólares. Se os preços de petróleo não tivessem caído, as estimativas de crescimento do PIB da Guiana eram gigantescas em 2020. Em relatório de setembro de 2019, o FMI previa um estrondoso crescimento de 85,6% em 2020, seguido de taxas superiores a 13% anuais de 2021-2024.

 

Um país pequeno com gigantescas descoberta, operadas por enormes empresas de petróleo é um ambiente ideal para intervenções, golpes e corrupção, como acontece em muitos países. A Guiana é um país muito pobre que, com as descobertas, pode aproveitar a riqueza revelada ou pode sofrer mais um episódio de Doença Holandesa, com grande concentração de renda e miséria generalizada.

 

Em dois de março de 2020, a Guiana realizou eleições para escolher o novo presidente para o país, mas até o início de maio os resultados ainda não tinham sido oficializados. A recontagem dos votos recomeçou muito lentamente somente em 06 de maio.

 

Um dos principais pontos de controvérsia nestas eleições era a revisão dos termos dos contratos assinados com as empresas internacionais de petróleo, em especial a Exxon. Nenhum dos principais candidatos tinha uma oposição radical aos contratos, mas eles se diferenciavam sobre o grau de revisão que estes contratos demandariam.

 

A contagem inicial dava vantagens para o partido de oposição (Peoples Progressive Party/Civic PPP com 51% dos votos) derrotando a situação do atual presidente David Granger e seu partido o Party for National Unity (PNU) – Alliance for Change (APC). O resultado que daria 34 lugares no congresso para o PPP e 31 para o APNU foi contestado pelo partido que ocupa a atual presidência e a crise se prolonga por mais de dois meses. Das dez regiões eleitorais do país, o APNU só ganhou nas Regiões 4, 7 e 10, sendo contestado apenas o resultado da região quatro.

 

Há um forte componente racial nesta disputa, com o PNU-APC apoiado pela comunidade afro-guianense, enquanto o PPP tem mais apoio entre os habitantes indu-guianenses. A PNU-APC fez os acordos com as empresas internacionais de petróleo e o PPP quer revê-los.

 

Os resultados demoraram, sob protestos judiciais e políticos, para serem considerados como válidos, com grandes acusações de fraudes ao atual presidente David Granger. Ele e o líder do principal partido da oposição no Congresso assinaram um acordo para recontagem dos votos na Região 4, com o processo sendo supervisionado por autoridades de Trinidad e Tobago, mas os resultados ainda não saíram oficialmente.

 

A disputa pela renda petroleira entre as grandes empresas internacionais e um país pequeno, com subsolo rico de petróleo, se repete mais uma vez, incluindo as disputas políticas para definir a regulação nacional desta atividade. O mundo deve prestar a atenção para o que vai ocorrer.

 


 

 

Fonte:

1. World Bank accused over ExxonMobil plans to tap Guyana oil rush https://www.theguardian.com/business/2020/mar/08/world-bank-accused-over-exxonmobil-plans-to-tap-guyana-oil-rush

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