Estratégia das grandes petrolíferas está conectada aos países de origem
Le Monde Diplomatique
A estratégia de transição energética das grandes petrolíferas internacionais está alinhada principalmente a três fatores interligados: a dimensão das reservas de óleo e gás de seus países de origem; as estratégias energéticas desses países; e, mais recentemente, o nível da pressão social, política e financeira a que estão submetidas para diversificar seus portfólios e reduzir o impacto ambiental de suas atividades.
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O primeiro fator está associado ao fato de que explorar e produzir óleo e gás no exterior implica em maiores riscos geopolíticos. Ligado a esse primeiro, o segundo fator traz à luz a conexão entre as empresas de petróleo e os objetivos dos seus países de origem, envolvendo questões como segurança energética e interesses geopolíticos.
As condições de exploração e produção das empresas nos países de origem se traduzem em particularidades nacionais dos Estados em questão, tais como dependência ou autonomia energética e capacidade de controle sobre as variáveis que influenciam o setor. Tendo isso em vista, os Estados utilizam essas empresas, sejam estatais ou privadas, como instrumentos ao delinear sua política energética e seus laços geopolíticos.
Em outras palavras, a depender da dimensão das reservas de óleo e gás em seus países de origem, há maior ou menor possibilidade de os Estados buscarem diversificar suas matrizes energéticas, o que acaba refletindo nos planos estratégicos das suas empresas de petróleo e gás.
Nesse sentido, o terceiro fator reflete, por um lado, a pressão política e do ambiente regulatório dos países de origem atentos aos seus quadros energéticos. Por outro, a crescente preocupação e mobilização de sociedades para conter as mudanças climáticas, levando investidores a exigirem ações concretas das empresas, como a adoção de métricas ESG (ambientais, sociais e de governança). Parte do movimento de descarbonização é, portanto, realizado visando manter o acesso a investimentos.
Assim, é natural que as majors europeias estejam na vanguarda da transição energética em relação às suas contrapartes nos Estados Unidos e Oriente Médio, com efetivo processo de diversificação de portfólio em curso. Como exemplo, os países de origem das empresas europeias – Holanda, Reino Unido e França – não contam com volume expressivo de reservas de óleo e gás. Mesmo a Noruega, que é menos dependente de importações de hidrocarbonetos, dispõe de um total de reservas provadas consideravelmente abaixo daquelas localizadas nos territórios norte-americano e de países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
A conexão entre as políticas energéticas dos países em questão e as estratégias empresariais para o impulso da transição energética fica assim evidente. O caso da anglo-holandesa Shell é ilustrativo. No final de maio, a Corte de Haia, na Holanda, determinou que a empresa deverá cortar em 45% suas emissões de CO2 até 2030. Em resposta, o CEO Ben van Beurden disse que “a decisão não significa uma mudança, mas uma aceleração de nossa estratégia”.
Apresentado em fevereiro de 2021, o atual plano estratégico da Shell prevê que a participação do upstream no capex total da companhia cairá de 42% em 2020 para entre 25-30% a partir de 2025, enquanto gás integrado e petroquímica verão sua fatia cair de 43% para 30-40%. Em contrapartida, a área de comercialização, renováveis e soluções energéticas terá sua fração elevada de 16% para 35-50% dos investimentos totais.
Até 2030, a petroleira – que desenvolve projetos eólicos, solares, de biocombustíveis e hidrogênio em diversas partes do mundo – pretende reduzir anualmente de 1% a 2% sua produção de óleo, dobrar a quantidade de energia elétrica vendida e operar 2,5 milhões de estações de recarga de veículos elétricos.
A britânica BP Energy planeja ampliar sua capacidade instalada de fontes renováveis de energia (sobretudo eólica offshore e solar) de 3,3GW em 2020 para 20GW em 2025 e 50GW em 2050.
Em relação a 2019, a companhia investirá US$5 bilhões por ano em tecnologias de baixo carbono, incluindo bioenergia, hidrogênio e captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS).
E, até 2030, reduzirá sua produção de hidrocarbonetos em pelo menos 1 milhão de barris de óleo equivalente por dia (boe/d) ou 40% ante os níveis de 2019.
A francesa Total tem 7GW de empreendimentos de energia renovável em operação (80% solar e 20% eólica, sendo a maior parte na Índia), 5GW em construção (60% solar e 40% eólica, sendo a maior parte na Europa) e 23GW em desenvolvimento (90% solar, sobretudo na Índia).
No fim de maio, mudou seu nome para Total Energies, uma companhia que, além de petróleo e gás natural, produzirá biocombustíveis renováveis e eletricidade. A mudança veio três anos depois de a norueguesa Statoil passar a se chamar Equinor, também com vistas a identificar-se como uma empresa de energia, para além de petróleo e gás natural.
Com projetos eólicos e solares na Europa, Estados Unidos e Brasil, a Equinor almeja chegar a uma capacidade instalada de geração de energia renovável de 4,6GW em 2026 e de 12-16GW em 2035.
O cenário é diferente nos Estados Unidos, principalmente após a revolução do xisto dos últimos anos. Tanto a ExxonMobil como a Chevron, por ora, centram suas iniciativas de transição energética na redução de suas emissões de gases de efeito estufa, sem metas claras de diversificação de portfólio.
Assentadas sobre enormes reservas de óleo e gás não convencionais (shale e tight), ambas manterão o petróleo e o gás como seu core business, enquanto realizam investimentos mais pontuais em outras fontes de energia e soluções de baixo carbono.
A Exxon conta com apenas 600MW de renováveis em operação e está investindo no desenvolvimento de biocombustíveis, hidrogênio, captura de carbono e células a combustível.
Já a Chevron desenvolve, em parceria com a Algonquin Power & Utilities, 500 MW de projetos de energia eólica e solar nos Estados Unidos, Argentina, Cazaquistão e Austrália, e investe em biocombustíveis, CCUS, hidrogênio, armazenamento de energia e fusão nuclear. Até 2028, planeja investir US$ 2 bilhões em projetos de redução de carbono e US$ 750 milhões em renováveis.
Diferentemente das europeias, ambas as empresas não aderiram ao compromisso de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050.
No Oriente Médio, onde os países estão assentados em enormes reservas de petróleo, a transição energética está ainda mais distante. Em recentes declarações [2], os líderes da Saudi Aramco, Abu Dhabi National Oil Company e Qatar Petroleum deixaram claro que seguirão centrados no negócio de óleo e gás, limitando seus investimentos à mitigação das emissões de gases e, no caso das duas primeiras, à produção de hidrogênio.
Nesse sentido, aspectos relacionados à segurança energética no longo prazo e ao poder de influenciar o tabuleiro global do petróleo e gás natural são determinantes para as movimentações das grandes empresas petrolíferas em direção à transição energética, ao passo que são reflexos das políticas energéticas dos seus países de origem. Tendo isso em perspectiva, pode-se esperar aumento ou, ao menos, manutenção dos níveis de produção dos hidrocarbonetos pelas empresas do Oriente Médio, sem significativas mudanças de orientação estratégica. Seguindo na mesma linha, embora as empresas norte-americanas tenham sofrido maior pressão por acionistas para dedicarem maiores esforços à agenda climática, não há indícios de que haverá redução nos níveis de produção.
Contudo, mesmo algumas das europeias, como a Equinor e a Total, ampliarão sua produção de petróleo nos próximos anos: a Total elevara sua produção de 2,9 milhões de boe/d em 2020 e 2021 para 3,3-3,4 milhões de boe/d em 2025, enquanto a Equinor pretende ampliar sua produção em 3% ao ano até 2026. Já a BP [p.14] e a Shell reconhecem que o petróleo e o gás seguirão relevantes na matriz mundial por décadas, cumprindo, inclusive, papel importante como fonte de receitas para investirem em tecnologias de baixo carbono.
Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique.
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